A mesa de bar é onde os cronistas sem ideias instalam uma “ouvidoria” para espantar o fantasma do “deu um branco”. Se o cara tá meio “seco” por dentro, a solução é tomar um, dois ou três chopinhos para, em seguida, sentir brotar a inspiração. É batata (fritas)! Mas tem que ter um bom ouvido também, ser abelhudo e até meio inconveniente para “pescar” o diálogo da mesa ao lado.
Peguemos o exemplo do Vinicius de Moraes. Baita poeta, cronista, músico e tal. Mas, cá pra nós, caiu um guardanapo aqui: tomando um chopinho de frente para aquele marzão carioca, Cristo Redentor de um lado, o Pão de Açúcar do outro, e a Lagoa Rodrigo de Freitas no meio, até eu escrevo Garota de Ipanema.
Quero ver fazer isso aqui, no bar do Nóia, cujo puxadinho, nos fundos, dá de frente para um muro de cimento pintado a cal, o banheiro é “unissexy” (é assim mesmo que está escrito na porta, cujo trinco é uma tramela de madeira encardida) e o garçom é o próprio Nóia, que usa uma caneta esferográfica “colada” em cima da aba da orelha esquerda:
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– Atendimento personalizado, doutor! – gaba-se ele.
Pois foi lá naquele saudável e inspirador ambiente que, entre um torresmo e um ovo roxo, acompanhei, extasiado, o seguinte diálogo dia destes, entre dois amigos, ambos já naquele estadinho em que Marx é Engels:
– Pois tu vê, né, o novo século chegou na sua maioridade e até agora não aconteceu nada.
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– Como assim não aconteceu nada! Tanta coisa já aconteceu nestes últimos 18 anos. E em todas as áreas. Tu é que não tá te dando conta. E passa rápido, hein. Te liga, meu!
– Não é disso que eu tô falando. Lembra quando a gente era piá e todo mundo dizia que o mundo ia acabar no ano 2000? Pois é, já estamos em 2018 e, até agora, nada!
– Ainda bem, né? Imagina se o mundo se acabasse agora?
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– Melhor pra ti!
– Como assim melhor pra mim?
– É que eu já tomei 15 chopes e tô sem um tostão no bolso…
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Num destes papos de bar, meu amigo Lira Neto, o biógrafo, me contou uma história saborosa, que eu reproduzo aqui, como uma de minhas favoritas.
Lira, jornalista, foi escalado para uma coletiva com a presença do escritor James Amado, irmão do Jorge, que estava em Sampa lançando livro novo. James, na época, era casado com uma filha do Graciliano Ramos. Começa a coletiva, numa livraria, e a primeira pergunta de um dos repórteres é a seguinte (sem brincadeira, que o Lira é um cara sério):
– Seu James, o senhor saberia nos dizer quantos livros Graciliano Ramos escreveu ao longo da vida?
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Amado, sem perder o amor próprio, respondeu, sério:
– Bem, meu amigo, nós estamos numa livraria, certo? Você sabe que isto aqui é uma livraria, ok? Então vá até a sessão onde estão os livros de Graciliano e conte, um por um, se é que você sabe contar.
Respondeu, levantou e foi embora para não mais voltar.