Há alguns dias, vi uma fotografia circulando na internet que remeteu à minha infância. Era uma mãe, num ônibus urbano com a filha no colo. Nos pés, uma menina, que devia ter uns 4 ou 5 anos, usava um lindo tênis branco com rosa que acendia luzes quando ela pisava. A mãe, por sua vez, usava uma botina velha e era possível visualizar as suas meias, pois o solado do calçado estava por um fio de descolar por inteiro.
A foto que eu vi na internet é mais comum e recorrente do que se possa imaginar. Embora não seja possível saber o verdadeiro contexto em que ela foi tirada ou por quais motivos aquela mulher estava com o sapato rasgado, à primeira vista, retrata uma mãe que abdica de seu próprio conforto ou mesmo de uma necessidade básica para atender sua criança.
Comecei a lembrar do quanto minha mãe negou as próprias vontades para suprir as minhas e de meus irmãos. Aliás, a história de vida dela sempre me emociona. Somos de uma família cristã e aprendemos que todas as nossas petições deveriam ser colocadas diante de Deus. E assim minha mãe fazia. Orava, quando ainda solteira, e pedia por um marido que já tivesse filhos. Toda vez que ela contava essa história, eu pensava: “Que louca”. Não satisfeita, um dos seus maiores sonhos era trabalhar com muitas crianças. Ela conta que a oração foi ouvida. Aos 26 anos casou-se com meu pai, seu Waldomiro. Viúvo, com 15 anos a mais que ela e meia dúzia de filhos. Sim, seis filhos. Quatro meninos e duas meninas. Era uma escadinha, tendo o mais velho 17 anos. Minha mãe abraçou a todos.
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Não muito mais tarde, tiveram mais duas filhas, e é onde eu entro na história. Um tempo depois, o sonho de trabalhar com as crianças também se realizou. Como servente, começou a trabalhar numa Casa de Sopa, como era chamado o local à época, situado no Bairro Bom Jesus (onde cresci e onde ela e meu pai ainda moram). Lá atendia dezenas e dezenas de crianças. Algumas, as quais ela alimentou, infelizmente sucumbiram para o mundo do crime diante de um injusto contexto de vulnerabilidade social e falta de oportunidades. Outras tiveram suas histórias abreviadas precocemente.
Era conhecida como a “irmã” Eni, pois a Casa de Sopa pertencia à igreja. Ela era querida, amada e respeitada. Como uma mãezona. De todos que por ali passavam e provavam daquele alimento, cujo principal tempero era o amor. Foi assim ao longo de toda a sua vida. E é assim até hoje, pois ainda trabalha no mesmo lugar, agora administrado pela Prefeitura. Aposentada e no auge dos seus 67 anos, é uma das pessoas que, aflitas, aguardam a demissão que deve atingir os servidores aposentados que seguiam na ativa, a maioria, por pura necessidade.
Lembro-me das dificuldades que passamos na infância. Não foram poucas. Algumas são até doloridas de lembrar. Mas ela sempre lutou bravamente para que nada faltasse aos filhos, depois aos netos e a quantos viessem até ela precisando de ajuda. Uma verdadeira inspiração de trabalho social realizado naquele bairro pela irmã Eni, vestida de saia até a canela e de solidariedade pura.
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Finalizo este texto olhando para o lado, onde dorme a minha filha. Minha Maria Flor. Com seus oito meses recém-completados, ela me dá a honra e a maior alegria de viver o meu primeiro Dia das Mães. É quase difícil conter a emoção quando penso que, só agora, consigo entender um pouquinho de tudo o que a minha mãe fez e ainda faz por mim. E eu só tenho uma filha, e já acho um grande desafio. Ela tem oito. Oito e muitos mais. Somente quando a gente se torna mãe, compreende o que de fato é ser mãe. A gente aprende e faz tudo por um filho. Aguentamos e engolimos muito choro por eles. Não tem dor, não tem obstáculo que pare uma mãe que ama incondicionalmente os seus filhos. É como uma leoa. É como a minha mãe. É como a mãe da foto.
Feliz dia a todas as mães. Em especial à dona Eni, minha guerreira.
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