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PELO MUNDO

Louisiana: uma ilha cultural nos Estados Unidos

Um caminho até a linha do horizonte: a ponte sobre o Lago Ponchartrain é a mais longa do ocidente, com 38 quilômetros de extensão

Em agosto de 2005, poucas semanas após me transferir para a costa do Texas, um desastre natural assombrava o Golfo do México. Katrina, o quinto ciclone tropical daquela temporada de furacões (junho a novembro), atravessara o sul da Flórida sem grandes consequências. Ao entrar no golfo, porém, as águas mornas o transformaram em um furacão de categoria cinco, a mais violenta da escala Saffir-Simpson, com ventos de mais de 250 km/h.

Na madrugada de 30 de agosto, com a energia elétrica cortada por precaução e o ouvido colado a um rádio de pilhas, eu aguardava o furacão tocar a costa entre os estados de Louisiana e Texas. Sob o ruído ensurdecedor do vento e da chuva, alojei-me embaixo da escada da casa, com as janelas cobertas por tábuas. Dias antes, meus vizinhos já haviam evacuado suas residências. Na manhã seguinte, caminhando pelo bairro, testemunhei o estrago em casas e ruas. O impacto mais devastador, contudo, se dera ao leste dali, no estado da Louisiana e na cidade de Nova Orleães (New Orleans).

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Em 1682, o gaulês René-Robert Cavalier batizou o território de “Louisiane”, homenageando o rei francês Louis XIV. A região, que então se estendia até a fronteira com o Canadá, foi ocupada por franceses, espanhóis e ingleses até que, em 1803, o presidente Thomas Jefferson a arrematou da França de Napoleão Bonaparte por 11 milhões de dólares, dobrando a área dos Estados Unidos. O estado da Louisiana passou a receber diferentes povos, predominantemente de cultura francesa, para povoar suas terras alagadas e pantanosas.

A Louisiana é única, pela história multinacional, pela cultura de origem francesa e por adotar o sistema jurídico napoleônico, diferente dos demais 49 estados, que adotam o sistema common law inglês. Por isso, ali só podem atuar advogados formados no próprio estado.

Tal caldeirão cultural tem seu ápice na maior cidade do estado. Fundada pelos franceses em 1718, “La Nouvelle-Orléans” resultou de séculos de fusão cultural, bem representada no famoso Bairro Francês (Vieux Carré) por pátios espanhóis, varandas vitorianas e nas condimentadas culinárias cajun, dos acadianos da Nova Escócia, e créole, dos imigrantes do Haiti. Tórridos e úmidos verões se transformam em festa ao anoitecer com a fusão de ritmos africanos e jazz que Nova Orleães exportou para o mundo. Na véspera da quaresma, mais de um milhão de turistas invadem o animado Bairro Francês para celebrar a terça-feira gorda (Mardi Gras), no ambiente sempre festivo da cidade.

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A localização de Nova Orleães é uma bênção e uma maldição. As principais ruas seguem a curva do lendário Rio Mississipi e, ao norte, do vasto Lago Ponchartrain, com sua ponte de 38 km de extensão conectando a cidade ao restante do estado. Entre o rio e o lago, ruas típicas como a Bourbon Street, Royal Street e a Praça Jackson formam o ambiente ímpar da cidade natal de Louis Armstrong. A religião de origem africana Voodoo, trazida pelos caribenhos, completa o folclore local.

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Ritmos tipo exportação em Nova Orleães

Nova Orleães fica quase dois metros abaixo do nível do mar, razão para os cemitérios terem tumbas elevadas. A morte, por sinal, chegou impiedosa com o furacão Katrina. O sistema de diques que protege a cidade falhou miseravelmente, inundando 80% da região e causando cerca de 2 mil vítimas fatais, especialmente entre a população negra e pobre que, sem transporte e recursos, não teve como escapar do desastre.

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O estado, no local que foi o maior centro de comércio de escravizados dos Estados Unidos, é um dos menos desenvolvidos do país, graças principalmente ao descaso dos governos e da estrutura social americana. Como ocorre no Brasil, ficou novamente escancarado o contraste social que assombra a população afro-descendente desde a escravidão. O presidente de então, George W. Bush, foi considerado negligente ao não mobilizar em tempo os serviços de emergência após o desastre.

Folcore e diversão marcam o animado Mardi Gras

Tanto lá como cá, a discriminação e a falta de oportunidade no pós-abolição deixaram os negros abandonados à própria sorte. Apesar disso, o trabalho e a determinação desses valorosos cidadãos seguiram enriquecendo sobremaneira o novo continente. Romantizamos e exaltamos jazz, blues, samba, capoeira, carnaval, ciência, arte, herança linguística e sabores trazidos pelos africanos. Assim, disfarçamos o preconceito, a violência e a negação da dignidade que afligem a comunidade afro-descendente há séculos. Como sociedade, gostamos do que vem da cultura negra, mas, triste e veladamente, seguimos não gostando do negro.

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