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Longa polonês ‘Demon’ mostra noivo possuído por espírito

Se você é fã de horror, não deve perder Demon. O longa polaco-israelense integrou a seleção oficial de Toronto, no ano passado, e tem sido apresentado com sucesso em festivais de filmes fantásticos. Foi premiado em Sitges, na Catalunha, considerado o maior festival do gênero fantástico no mundo. Mas o que vem ajudando a fazer a fama de Demon é um dado sinistro.

Em setembro, logo após a bem-sucedida apresentação de Demon no Festival de Toronto, o diretor Marcin Wrona voltou à Polônia para o lançamento do filme. Havia se casado recentemente, o futuro lhe sorria com a possibilidade de novos contratos. Nesse quadro, digamos, otimista, foi um choque quando ele foi encontrado morto – enforcado – num quarto de hotel. Tinha 40 anos. A partir daí, e sem explicações racionais para o suicídio, as redes sociais começaram a abrigar todo tipo de sugestão. A mais frequente – ele estaria possuído, como o protagonista de Demon.

Antes de mais nada, é preciso dizer que Demon começa de forma perfeitamente realista. Um homem, na condução de um carro, atravessa o rio numa balsa e pega estradas poeirentas do interior da Polônia. Viveu na Inglaterra, e é Peter. Está indo para o próprio casamento, que ocorre na velha casa que a noiva herdou do avô. De volta às origens, Peter começa a falar polonês e a ser chamado de Piotr. Ele dirige um trator e começa a aplainar o terreno atrás da casa. Derruba uma árvore, e as raízes, reviradas, trazem à tona uma ossada humana. A partir daí, começam a ocorrer coisas (muito) esquisitas. Mas nada vem de chofre. Mais que sustos, Demon esmera-se em provocar o mal-estar do público.

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E a dimensão realista mantém-se. Marcin Wrona, com certeza, viu um dos grandes filmes poloneses do começo dos anos 1980 – Contrato, de Krysztof Zanussi, considerado o mais representativo diretor da ‘nowa fala’, a nouvelle vague do país, no fim dos anos 1960. Em Estrutura de Cristal e Camuflagem, Zanussi denunciou o conformismo e a corrupção como pragas nacionais. Contrato talvez seja seu filme mais terrível – uma festa de casamento, todo mundo bebe e aparece o pior do gênero humano. Todo mundo também bebe na festa de casamento de Demon. Convidados tornam-se inconvenientes, fazem sexo, vomitam. Um professor pede a palavra e, meio bêbado, começa uma história sobre como o avô da noiva não queria que ela herdasse a casa. O pai interrompe a revelação.

O noivo começa a ter visões de uma mulher que atravessa o salão sempre de olhar fixo nele e vai se aconselhar com o padre, se fantasmas podem andar entre os vivos. E daqui o noivo contorce-se como se um alien estivesse dentro de seu corpo. Essas cenas são sempre impressionantes – como um ator (Itay Tiran) consegue fazer aquilo? Ou será uma distorção provocada no computador? Nada é explicado, mas o velho professor – um judeu – começa a evocar a comunidade hebreia de antes da guerra. A coprodução com Israel não é fortuita. O mito do ‘demon’ tem respaldo na tradição judaica. Como tem gente querendo ‘abafar’ o caso – o pai da noiva -, pode-se pensar em alguma culpa, individual ou coletiva, da época do nazismo. O diretor não explica. Cabe ao espectador tentar identificar o que viu e buscar respostas para o enigma.

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Mas, assim como a festa de casamento remete a um clássico – o de Zanussi -, o final faz a ponte com outro. Com cuidado para evitar o spoiler, pode-se dizer que a casa é demolida no fim e um movimento de câmera, avançando sobre os escombros, descobre uma foto, como no final de O Iluminado, de Stanley Kubrick. Se isso fecha ou não a trama, cabe ao público decidir. O certo é que Demon não se propõe a ser um terror como os outros. É algo mais introspectivo, psicológico, e tão sem explicação como o suicídio do diretor. Demon enche o público de perguntas, sem se preocupar em oferecer respostas. E isso, nessa época de terror explícito (e gore), pode ser mais perturbador ainda.

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