O santa-cruzense Eloir Guedes, o Lói, era simplesmente uma figura onipresente em eventos artísticos e culturais na cidade, nos mais variados ambientes. Com simplicidade e demonstrando uma simpatia e vivacidade raras, podia ser encontrado com frequência pelas calçadas, em cafés, botecos, restaurantes, saraus, debates, mesas-redondas, em atividades associadas a música, literatura, artes visuais. Era um curioso nato e um eterno entusiasmado.
Havia ajuntamento ou recepção na Casa das Artes Regina Simonis? Lá estava ele. Em encontros sobre literatura, saraus ou bate-papos no café Brandelero? Também. Na Iluminura? Sem dúvida! No Quiosque? Lá aparecia. No Espaço Via-9? Mas claro! No Centro de Cultura Jornalista Francisco José Frantz? Evidentemente! Atividades na Feira do Livro? Ele não perderia! Uma feijoada na casa de algum amigo, professor, historiador, músico? É claro que o Lói estaria entre os convivas. E em questão de minutos tudo ali virava uma animada roda de samba.
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Mais ouvia do que falava, mas também falava. De leituras, composições, do romance. Não raro (ou quase sempre), aparecia com violão a tiracolo. E com o instrumento também se fazia presente na Praça Getúlio Vargas, aos sábados pela manhã, quando era chamado/convidado/convocado pela Associação Amigos da Praça do Chafariz (Apriz), para animar momentos culturais com canções autorais ou de outros artistas.
Um dos integrantes da diretoria da Apriz, André Krause, que cuidava da agenda cultural da entidade, lembra da pronta disposição de Lói para lá cantar, ora sozinho, ora em parceria, como com o músico Edson. Aliás, grandes amigos e parceiros de andanças que eram, Lói e Edson podiam ser vistos com frequência quase diária no restaurante Bampy, na Rua Tenente Coronel Brito, onde conversavam sobre alguns escritos, Lói com a eterna xícara de café preto na mão.
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Nos shows de sábados na praça, Lói arrancava aplausos e merecia o reconhecimento de frequentadores, como o aposentado Cláudio Cariboni e outros integrantes da Apriz, bem como de famílias inteiras. Krause, que o convidava para essas ocasiões, lembra de ter feitos inúmeros registros, em fotos e vídeos, das inspiradas e animadas interpretações de Guedes, ainda hoje compartilhadas em páginas de mídias sociais da entidade. “Ele nunca hesitava em aceitar os convites, estava sempre disposto a colaborar conosco. Como tal, era alguém que, com seu dom, ajudava a tornar os sábados da população que frequentava a praça mais animados, mais leves”, comenta. “Devemos ao Lói muitos momentos felizes por lá. E, também por isso, devemos sempre lembrar dele com carinho.”
Pelos longos anos de convivência com Lói, e nas mais variadas ocasiões e situações artísticas e culturais, tenho plenas condições, que se revestem de privilégio e satisfação, de ter partilhado de bons momentos de conversa com esse artista simples, que sempre contribuía com impressões certeiras sobre o estado das coisas. Em determinado momento, animei-me a promover rodadas de conversas, na Livraria e Cafeteria Iluminura, sobre leituras, literatura, temas de viés cultural. A partir delas, Lói foi se aproximando cada vez mais, e assim obtendo maior intimidade para falar das próprias criações. O mesmo ocorria em encontros de outro grupo que ele frequentava, e do qual eu eventualmente participava, o Sobre Livros e Leituras, que ocorriam em geral no segundo andar do Café Brandelero. Lá, igualmente, Lói era presença constante.
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Nos eventos diversos associados à Feira do Livro de Santa Cruz do Sul, novamente ele era assíduo, e, além de ouvir as considerações e opiniões, agregava pontos de vista. Em mais de uma ocasião, mencionava um romance inédito, nomeado A alemoazinha, e alimentava uma possível futura publicação dele. Como de resto referia (e cantarolava) trechos de composições, tendo o samba como via de expressão. Era, em suma, o que se pode e deve chamar de artista raiz, de rua, captando com a origem humilde as verdades que são as do povo simples, e que raramente, ou quase nada, dialogam com as de um mundo de poder, de vivências vazias, porque destituídas daquilo que permite a alguém ter para contar uma história viva, de dor, de duros aprendizados, de limitações, de sofrimentos ou de horizontes nublados.
A última vez em que vi o Lói, poucos dias antes de chegar a notícia da morte dele, que recebi em viagem a São Paulo, estava ele em seu QG, no Bampy, a poucos metros da Gazeta. Acomodado à mesa, tomava a goles esparsos o café, na clássica xícara de vidro marrom, e rabiscava em um papel, absorto. No semblante, cansaço e esgotamento visíveis. Na cabeça, o surrado chapéu branco de pano. Ergueu o olhar e topou com minha presença ali próximo. Levantou-se e veio me cumprimentar, efusivo. Então voltou à mesa, e ali seguiu com os escritos. Apoiara uma das mãos ao lado da testa, e passara a escrever apressado. Concluiu, e foi trôpego até o ocupante de uma mesa vizinha. Entregou o papel e disse: pra ti. O cidadão, pego de surpresa, reagiu: o que é isso? Lói explicou: um poema; acabei de fazer. É pra ti. Pra mim?, perguntou de novo o senhor. Sim, pode ficar. Ao que o amigo de Lói enfim agradeceu, com aperto de mão, leu e guardou, com sorriso no rosto.
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Lói era assim. Generoso, autêntico, desprendido, distribuía entre os inúmeros amigos os lampejos de poesia e de musicalidade que lhe vinham à mente. É a imagem que dele guardo, que dele guardarei. Um cara que fazia poemas, e os semeava entre quem estivesse por perto.
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