Respaldado pela receptividade e pelo sucesso de vendas registrado pela trilogia 1808, 1822 e 1889, que começou a publicar em 2007 e que vendeu, no conjunto, mais de 2,5 milhões de exemplares, o jornalista e escritor paranaense Laurentino Gomes desencadeou novo projeto em 2019. Ele deve resultar, como anunciou, em nova trilogia, abarcando cinco séculos e meio. Trata-se de uma das mais abrangentes e corajosas investigações sobre o papel e os reflexos da escravidão africana, no mundo e em especial no Brasil. Escravidão – volume 1: Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, que chegou às livrarias em outubro, uma vez mais teve boa acolhida junto ao público.
O mérito irrefutável de Laurentino é o de jogar luz de uma forma acessível ao público em geral sobre temas por vezes abordados em linguagem excessivamente acadêmica, e até a esse ambiente restritos. Como jornalista, e com a fluência de estilo do bom escritor pesquisador, leva profundamente a sério a informação fidedigna e a pesquisa em fontes originais, apresentando o panorama sem a sisudez recorrente em ensaios e teses.
E embora a escravidão e a perseguição a diferentes povos e etnias, movidas por interesses econômicos ou comerciais, tenham sido registradas em diferentes épocas da história, é a sua permanência ou sua persistência em tempos modernos que mais escandaliza. O Brasil foi a última nação no chamado Novo Mundo, o continente americano, a abolir a escravidão, com a assinatura da Lei Áurea em 1888. Fez isso, como refere Gomes, 15 anos depois de Porto Rico e inclusive depois de Cuba, países que também relutaram em abandonar o trabalho forçado.
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A profundidade dessas raízes de conotação cultural e de imaginário pode ser medida no fato de que o Brasil foi o maior território escravocrata do hemisfério ocidental. Recebeu nada menos do que 5 milhões de cativos africanos, 40% do total de 12,5 milhões que vieram forçados para a América ao longo de três séculos e meio. Com tal número de negros africanos tendo sido transferidos para o seu território, o reflexo é que hoje o Brasil é o país com a segunda maior população negra no planeta, superado apenas pela Nigéria.
Laurentino reafirma: essa população, com sua contribuição secular, segue, em sua ampla maioria, alijada do acesso a ambiente de convivência mais igualitário. No mercado de trabalho, nos níveis de escolarização e no acesso a ensino superior, que poderiam ampliar a voz na tomada de decisão e no foro dos debates públicos e privados, quase sempre a comunidade negra segue preterida.
O primeiro volume, que já circula, implicou em minuciosa investigação acerca dos primeiros momentos de escravidão em Portugal, em meados de 1444, e abrange 250 anos, até a Morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695, data que atualmente no Brasil é marcada como o Dia da Consciência Negra. O projeto como um todo já implicou em seis anos de pesquisas e viagens para 12 países, de três continentes.
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Os dois volumes seguintes da trilogia devem ser lançados em 2020 e 2021, centrados no século 18, no auge do tráfico de escravos, no movimento abolicionista da segunda metade do século 19 e, por fim, nos dias atuais, com suas inúmeras contas sociais, culturais, morais e de justiça por acertar.
Ficha
Escravidão – Volume 1: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, de Laurentino Gomes. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019. 477 p. R$ 49,90.
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