No trevo de acesso a Sinimbu, nas proximidades com a RSC-287, encontra-se a remanescência do que foi o Sanatório Kaempf. Atualmente, um cadeado mantém o portão fechado, com uma placa em que se lê
“Entrada Proibida”.
Porém, entre 1889 e 1999, o acesso permanecia franqueado para prestar ajuda a enfermos. Durante 109 anos, a instituição fundada pelo alemão Eduard Kämpf atendeu mais de 100 mil pessoas (incluindo estrangeiros), tornando-se referência dentro e fora do Estado. “No passado, o portão do sanatório era a porta da esperança”, afirma o escritor José Alberto Wenzel. Em seu 15º livro, o autor adentrou as edificações para revelar a história do espaço e derrubar os mitos que tomaram conta do imaginário da população.
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Sob o selo da Editora Gazeta, Vida Nova: a história do Sanatório Kaempf é uma das obras que serão lançadas durante a 35ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul, que se inicia nesta segunda-feira.
Por meio de registros históricos e depoimentos, Wenzel retrata a relevância do Sanatório e sua conexão com a comunidade. “É difícil encontrar uma família que não tenha um conhecido que não tenha passado pelo Sanatório. Ele está na memória individual e coletiva da nossa cidade”, enfatiza.
A ideia de escrever sobre a história do Sanatório Kaempf surgiu há cerca de 17 anos. Na época, Wenzel trabalhava no romance Migalha inteira, no qual a instituição integrava a narrativa.
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Os caminhos do escritor e do Sanatório cruzaram-se durante o período em que Wenzel assumiu a função de secretário municipal da Saúde de Santa Cruz do Sul, entre 1997 e 1999 – época em que a casa de saúde descontinuou os serviços.
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Estudioso da ecologia desde a década de 1970, Wenzel ficou entusiasmado pelo legado de Eduard Kaempf, responsável por fundar em 1889 o Hospital de Cura Natural. No espaço, o ambientalista observou a preservação de uma biodiversidade riquíssima, encontrada no Cinturão Verde, que despertou o interesse de pesquisadores por aquele espaço.
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Para o ecologista, a união entre saúde e meio ambiente foi um ato revolucionário, e é fundamental para entender o legado deixado pelo criador do Sanatório. “Kaempf enxergou o que muitos de nós ainda não enxergamos, a importância vital da interação constante e regular com a natureza. Esse é o futuro do tratamento ao sofrimento das pessoas”, enfatiza.
Determinado a compreender os objetivos de Kaempf com a implantação da hospital, Wenzel iniciou um longo trabalho de apuração. “Decidi seguir os passos dele, meio que captar seus propósitos para tentar entender o que estava passando naquele momento”, explica.
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A busca por documentos e registros históricos o levaram a diferentes lugares de Santa Cruz do Sul. “Foi um longo processo. Estive no Memorial da Unisc, no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) e na Igreja Evangélica de Confissão Luterana”, cita.
Por ter atuado como secretário na época em que o Sanatório foi fechado, prevaleceu no escritor a importância de uma narrativa imparcial e objetiva. Assim, atentou às informações vistas por dentro e por fora dos muros da instituição. No processo, contou com o apoio da família Kaempf, responsável por administrar o local por mais de um século.
“Achei que seria muito difícil escrever o livro pelo meu envolvimento. Porém, fui muito bem recebido pelos descendentes de Eduard, que abriram as portas”, afirma. Além do registro documental, Wenzel fez uso de relatos para mostrar a história do ponto de vista das pessoas que tiveram sua história relacionada com a desse lugar.
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Para além da pesquisa nos arquivos, o livro está repleto de depoimentos de pessoas ligadas ao Sanatório Kaempf, desde funcionários e gestores a profissionais e até pacientes.
A tarefa, no entanto, não foi fácil. Muitas vezes, o pedido era negado. Para preservar aqueles que contaram suas histórias, o pesquisador buscou não revelar nomes ou colocar informações que pudessem levar à identificação. Muitos dos relatos emocionaram o entrevistador. Por vezes se viu na situação dos familiares de pacientes que, após esgotarem todos os recursos, optaram pelo atendimento psiquiátrico. Para o autor, tratava-se de um ato de desespero e de esperança. “São também relatos de desespero”, destaca.
Em Vida Nova, Wenzel separou os quase 110 anos de história do Sanatório em três períodos. Classifica a primeira fase, entre 1889 e 1918, como a da hidroterapia. O método de tratamento criado pelo padre alemão Sebastian Kneipp – fundamentado no uso de plantas medicinais e na mudança no estilo de vida para a melhora da saúde – já era empregado em solo brasileiro. Foi recomendado pelo ex-presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, ao ser tratado na Casa de Saúde Porto-Alegrense.
E o Natur-Heilandstalt Santa Cruz (Hospital de Cura Natural Santa Cruz) implantou as práticas naturalistas trazidas por Eduard Kämpf (depois aportuguesado para Kaempf).
A infraestrutura era constituída pelo solário, pelo lamário e pelas casas de banho. Os três faziam uso de recursos naturais, como tratamento para diferentes mazelas que adoeciam a comunidade, especialmente os trabalhadores rurais, como o reumatismo e a tuberculose, por exemplo.
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Kaempf recomendava aos pacientes “caminhadas energizantes no gramado, de pés descalços”, tempo para conversar e para a leitura. “O propósito era desenvolver corpos sadios e mentes sãs”, enfatiza Wenzel. Esse conceito estabelecido por Eduard seria mantido ao longo das décadas seguintes.
Já o segundo período, do Hospital Geral, começa um ano após o falecimento do fundador, em 1918. De lá até 1969, a instituição passa por uma série de ampliações para contemplar o atendimento hospitalar. Entre elas, a inclusão da sala de cirurgia, que seria modernizada anos mais tarde. A casa da saúde tornou-se uma referência, com a presença de médicos de toda a região.
Eis que, a partir da década de 1970, a instituição passa a ser a Clínica Psiquiátrica – um dos pontos altos da narrativa do livro. Os serviços à saúde seriam encerrados em 1999, diante da carência de recursos financeiros e da mudança da concepção da saúde mental promovida pela Reforma Psiquiátrica.
Ecoa pelas mais de 200 páginas da obra o legado do fundador do Sanatório, Carl Hermann Eduard Kämpf. Natural de Leipzig, na Alemanha, nasceu em 16 de fevereiro de 1859. Rumou ao Brasil em 22 de março de 1883, aos 24 anos, apresentando-se como carpinteiro. Contudo, não daria continuidade ao ofício.
Kämpf estabeleceu-se na Linha Saraiva, localidade no interior da vila de São João de Santa Cruz, atual cidade de Santa Cruz do Sul. Autodidata, estudou as práticas alemãs de hidroterapia e passou a oferecer tratamento à comunidade.
No entanto, diante da falta de estrutura para abrigar os enfermos, Kämpf passou a buscar um local para construir um estabelecimento. Além de um amplo terreno, ansiava encontrar um espaço com natureza abundante, água, ar puro e sol.
Tudo isso foi identificado na Entrada Rio Pardinho, onde criou, além da casa de saúde, uma comunidade. Na área de 24 hectares, construiu pavilhões para abrigar lavanderia, oficinas, carpintaria, ferraria, linguiçaria, além de horta, estábulo e chiqueiro. “Era uma cidade, tudo para garantir um bom atendimento”, afirma Wenzel. “Muitas pessoas viajavam de charrete, a cavalo e até a pé para receber atendimento.”
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O escritor explica que Kaempf precisou ser experimental em uma época em que tratamento para a saúde era escasso. “Não havia uma fórmula pronta. Ele analisava os pacientes e criava soluções para cada caso, com acertos e erros.”
Para o autor, o método de tratamento pelo meio ambiente implantado no Sanatório é o grande legado de Kaempf. E, por ter vivido no mesmo período em que Sigmund Freud (1856-1939), o criador da psicanálise, Wenzel cria uma definição para o papel desempenhado pelo alemão em Santa Cruz. “Ele seria uma espécie de Freud naturalista, por defender que os pacientes deveriam ser tratados na natureza, com ar puro, sol, água limpa e caminhadas. É um caso a ser muito estudado”, conclui.
As fábulas envolvendo o Sanatório Kaempf ficaram marcadas no imaginário das pessoas. Histórias sobre maldições, tesouros escondidos, misticismo e assombrações eram bastante comuns.
Nas páginas de Vida Nova, os leitores vão encontrar algumas das lendas urbanas mais populares. Conforme Wenzel, a sugestão de incluí-las partiu do seu filho, o jornalista Rodrigo. Por conter depoimentos impactantes, ponderou que as fábulas poderiam proporcionar mais leveza à leitura.
Espalhados entre os capítulos estão pequenos fragmentos, intitulados “Contam que…”. Incluem, por exemplo, narrativas sobre a “pedra encantada”, um bloco de arenito que ficava na parte alta da propriedade. “Quem subisse na pedra, abrisse seus braços com o corpo voltado para o poente e as costas para o nascente, seria imantado pela força da rocha”, descreve Wenzel. Contam que nela eram praticados rituais na época dos nativos.
O escritor ainda inclui as histórias sobre os tesouros que estariam enterrados na área do Sanatório – e que até hoje nunca foram encontrados. Há também um fato excêntrico a respeito do médico naturalista Eduard Kämpf – que, segundo boatos, carregava cobras nos bolsos – e uma intrigante história de pacientes que ficavam imersos em lama até o pescoço e eram importunados por moscas, que atiçavam lagartos.
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