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Livro de Tibério Vargas Ramos recupera a trajetória de uma lenda do jornalismo gaúcho

Breno Caldas foi o diretor da Companhia Jornalística Caldas Júnior entre 1935 e 1986 e revolucionou as comunicações no Estado

Na última quarta-feira, 3, o porto-alegrense Breno Alcaraz Caldas teria estado de aniversário (nasceu em 1910). É uma data que, para sempre, remete a uma lenda do jornalismo gaúcho e brasileiro: aquele que por 49 anos esteve à frente da Companhia Jornalística Caldas Júnior, cuja maior referência é o Correio do Povo. Assumiu a direção em 1935, e nela permaneceu até 1986, quando a empresa foi vendida. Faleceu em 10 de setembro de 1989, aos 79 anos.

Breno teve o grande mérito de levar adiante, e de projetar ao máximo, o veículo de comunicações fundado por seu pai, Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior (sobrenome que se alinhou como marca de todo esse conglomerado de imprensa). O Correio do Povo, fundado em 1º de outubro de 1895, quando recém a Revolução Federalista havia terminado, já estava plenamente estabelecido quando o fundador faleceu, de forma precoce, em abril de 1913, aos 44 anos.

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Caldas Júnior tivera três filhos do primeiro casamento, com Arminda Porto Alegre, a “Mimosa” (Fernando, Dejanira e Marina); e dois do segundo, com Dolores Alcaraz, de Sant’Ana do Livramento (Breno e Lúcia). Foi justamente Breno quem se ocuparia do legado do pai, como evidencia Breno Caldas: a imprensa e a lenda, biografia romanceada de autoria do jornalista Tibério Vargas Ramos, lançada pela AGE, em 384 páginas, edição de capa dura. A obra recupera a vida de um ícone das comunicações, e torna-se leitura obrigatória para os que desejem compreender melhor a história da imprensa no Estado.

Olhar de quem esteve no time

O desafio de elaborar uma biografia de Breno Caldas definitivamente não seria pequeno. Primeiro, pela importância desse personagem na imprensa e, logo, por sua complexidade; depois, pelo tempo a ser abrangido em um olhar retroativo, meio século de atuação efetiva dele na cena empresarial. Mas o jornalista Tibério Vargas Ramos mostra-se à altura da empreitada, que demandou cinco anos.

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Natural de Alegrete, 75 anos, é jornalista profissional desde 1969, quando começou na Zero Hora, tendo se formado em Comunicação em 1971. Logo passou para a Folha da Tarde, idealizada justamente por Breno Caldas, e mais tarde atuou no Correio do Povo. Em 1977, começou a lecionar Jornalismo na PUCRS, função da qual se aposentou em 2017, depois de 40 anos auxiliando na formação de novas gerações de jornalistas. Atualmente, dedica-se à literatura, com romances, e em paralelo administra um site.

Tempo & Destino

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O volume sobre Breno Caldas lançado por Tibério Vargas Ramos inaugura uma série que ele denomina Tempo & Destino. O autor detalha para a Gazeta do Sul o propósito do projeto: “São histórias reais, personagens próximas, como Breno Caldas, e outros importantes do imaginário coletivo de um tempo. Os outros dois volumes estão escritos, mas não sou poeta, incapaz de interferir em sua criação. Sou jornalista, corrijo, reescrevo, corto, acrescento. O livro sobre Breno Caldas me impactou tanto que tentarei passar aos outros o mesmo estilo”, comentou. É um estilo no qual, embora se trate de biografia, lança mão de alguns recursos da ficção.

Ficha

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Breno caldas: a imprensa e a lenda, de Tibério Vargas Ramos. Porto Alegre: AGE, 2024. 384 p. R$ 159,90.

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“É o retrato de um tempo”

Personagem singular, Breno Caldas, diretor da Companhia Jornalística Caldas Júnior, conciliava a atuação na empresa com atividades pessoais ou familiares. Por exemplo: em vias de se casar, adquiriu área de terras na zona Sul de Porto Alegre, a Fazenda do Arado, que transformou no Haras Arado, para criação de cavalos e ainda de gado de corte (chegou a ter cinco fazendas, com cerca de 13 mil hectares). Seus cavalos de elite competiam no turfe, com amplo sucesso. Em paralelo, adorava velejar, sendo proprietário de iates.

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Na entrevista, Tibério rememora o seu contato pessoal com Breno e com os veículos da Companhia Caldas Júnior, bem como reflete sobre as marcas da imprensa gaúcha e brasileira ao longo do século 20.

Entrevista – Tibério Vargas Ramos, jornalista

  • Gazeta do Sul – Em que momento e a partir de que circunstâncias o senhor se determinou a elaborar o livro sobre Breno Caldas?
    Não sou iconoclasta, sempre tive admiração pelo doutor Breno. Aprendi a ler no Correio do Povo e meu pai foi correspondente do jornal em Alegrete durante 25 anos. Em 1970, quando saí da Zero Hora para ir para a Folha da Tarde, da Caldas Júnior, foi a realização de um sonho. Comecei a escrever literatura, secretamente, como aprendizado e treinamento; meu primeiro romance foi publicado tardiamente, em 2012. Quando vi nas livrarias meu primeiro livro, comecei a acalentar o sonho de, um dia, com mais experiência, mas sem ser tarde demais, escrever a biografia de Breno Caldas. Não podia me precipitar, tinha de estar à altura do personagem.
  • O senhor chegou a atuar profissionalmente com Breno Caldas. Como foi essa relação e por quantos anos o senhor conviveu com ele na empresa?
    Trabalhei dez anos como repórter de polícia na Folha da Tarde, de 1970 a 1980. Naquele ano, em março, quando houve o fechamento da Folha da Manhã e a reestruturação da empresa, passei a ser chefe de uma reportagem policial unificada do Correio e da Folha. No ano seguinte, por decisão do próprio doutor Breno, passei a ser editor de polícia do Correio. Eu tinha 32 anos. Fiquei como um dos editores do jornal até o fechamento da empresa, em 1984.
  • Que memória o senhor guarda das características pessoais marcantes de Breno como empresário e como profissional?
    Ele era um homem culto, falava várias línguas; em sua biblioteca de duas peças tinha estantes com livros em alemão, inglês e francês. Morava numa fazenda, o Haras Arado, a pouco mais de 25 km do centro de Porto Alegre, onde criava cavalos de corrida e gado e plantava arroz. Tinha um veleiro e participava de regatas internacionais. Dirigia uma empresa jornalística com grande poder econômico e político. Mantinha certo distanciamento das pessoas. Ninguém conhecia sua intimidade. Visto como soberbo e arrogante. Um círculo pequeno de amizades. Mas, quando ele abria a defesa, era extremamente agradável. Relaxado num sofá de seu gabinete, ele me contou sua passagem como repórter de polícia do Correio, quando eu era chefe de reportagem, em 1980.
  • O senhor menciona que o livro se trata na verdade de um romance. Mas houve profunda pesquisa, além de suas lembranças pessoais. Seria então um romance biográfico? Como o senhor prefere classificá-lo?
    Para escrever o livro, eu usei minha experiência em new journalism do americano Tom Wolfe e aprendi truques de reconstituição histórica com os latinos Llosa, Puig, Fuentes, Manguel, Onetti, Benedetti, Piglia, Aira, Andahazi e o espanhol Javier Marías. Há anos venho lendo eles. Não fiquei engessado em documentação. Como a narrativa do livro tem certas liberdades de criação e intimidades minhas, acho que ele tem muito de romance, mas meu editor Paulo Ledur considera, sim, uma biografia. Enfim…
  • Breno esteve por 49 anos à frente da Companhia Caldas Júnior. Foi um dos veículos brasileiros da imprensa que mais fortemente manteve a marca ou a filosofia de um único proprietário, não é?
    Breno Caldas era um homem conservador, liberal, erudito, de bom gosto. A empresa tinha sua marca, mas apenas o Correio do Povo e a Rádio Guaíba deviam ser exatamente como ele pensava: sóbrios, qualificados, prudentes. Folha da Tarde, vespertino, era mais povão, com maior liberdade editorial. A Folha da Manhã, durante um período, de 1974 a 1976, em pleno regime militar, chegou a ser de esquerda. Ele mesmo interviu quando achou que tinha passado do limite.
  • O que mais diferencia o jornalismo impresso do tempo de doutor Breno daquele praticado na atualidade?
    No tempo de Caldas, Mesquita no Estadão, Frias na Folha, a Condessa no Jornal do Brasil, Bittencourt no Correio da Manhã e Roberto Marinho no Globo, Chateaubriand já morto, os jornais tinham a marca do proprietário. Diante de uma elite jornalística não era fácil influenciar na linha editorial. Eles mantinham o controle e conduziam negociações, isoladamente ou em grupo. Tinham muita imposição.
  • Aliás, como o senhor avalia, também na condição de professor, o tipo de jornalismo que se faz nesses dias atuais, em tempos multiplataforma?
    Não se pode ser contra o automóvel, o avião, o satélite, a internet, a inteligência artificial. Seria a negação da humanidade. O homem é o criador da tecnologia. As formas de comunicação se multiplicam, diversificam, tudo é avaliado correta ou erroneamente, faz parte do jogo. Nessa imensidão, o jornalismo baseado na verdade, na ética e na responsabilidade, é indispensável, como sempre foi; quem mente, manipula, milita, é logo desmascarado pelas plataformas.

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