O jornalista Mario Pepo Santarem, natural de Rio Pardo, pesquisou sobre o Almirante Negro | Foto: Romar Behling
Um novo livro, de 2024, recoloca em pauta a figura do marinheiro João Cândido, que nasceu no interior de Encruzilhada do Sul (hoje Dom Feliciano) e se tornou líder da Revolta da Chibata, no Rio de Janeiro do início do século 20. Por conta da atuação naquele protesto, ele recebeu a alcunha de Almirante Negro. Quem recupera essa trajetória é o jornalista Mario Pepo Santarem, natural de Rio Pardo e radicado em Porto Alegre. Em João Cândido, sonho e castigo, em edição própria, de 197 páginas, homenageia, inclusive com fotos, esse que é um dos grandes personagens brasileiros.
Em 1910, quando Hermes da Fonseca assumia a presidência do Brasil, a Marinha recebera modernas belonaves, que deixavam o país muito bem equipado. No entanto, ainda submetia seus marujos, em sua maioria de origem humilde, a tratamentos desumanos por parte de seus oficiais, inclusive com o açoite, e isso três décadas após a abolição da escravatura.
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Foi esse modelo retrógrado de regramento que levou à deflagração, em 22 de novembro, da Revolta da Chibata, depois que um marujo foi duramente castigado. Do protesto sobressaiu como líder João Cândido. Aos 30 anos, e ao lado de companheiros, assumiu o poder dos navios, fundeados de frente para o Rio, capital nacional, ameaçando bombardear a cidade. Exigiam a eliminação dos castigos corporais e ainda serem anistiados por seu ato. Acuado, Hermes da Fonseca acatou os pedidos.
Quando os revoltosos se rendiam, um segundo motim estourou. Ainda que Cândido dele não tivesse participado, acabou aprisionado em masmorra na Ilha das Cobras, na Baía de Guanabara. Na cela, 18 marujos foram alojados, na véspera do Natal. Dois dias depois, apenas dois seguiam com vida, um deles João Cândido.
O marujo foi internado em hospício e depois retornou à prisão, até que, julgado, foi expulso da Marinha. Fixou-se em São João de Meriti, nos subúrbios do Rio, e por décadas se ocupou de trabalhos esporádicos, pois a Marinha nunca o reabilitou. Faleceu em 6 de dezembro de 1969, aos 89 anos. Mas contribuíra de maneira efetiva para humanizar o tratamento aos marinheiros. Hoje, tramita projeto para que seu nome seja incluído no panteão dos heróis e das heroínas da pátria.
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“Em cinco dias o tímido moleque transformava-se em assunto no Brasil. João Cândido atraía sobre si não só entusiasmo, admiração e reconhecimento, mas também implacáveis ódios, sede de vingança e difamações, que o acompanhariam pelo resto da vida. Atestam isso a quantidade de fotos, charges e artigos publicados em destaque nos principais jornais, discursos na Câmara Federal e no Senado, além de diálogos nas ruas, casas e cafés. Os encouraçados comandados pelo Almirante Negro deslocavam-se com maestria, num vai-e-vem cinematográfico nas proximidades da Baía de Guanabara. Aquele bordejar irritava mais ainda os oficiais da Marinha, o Governo, que se viam acorrentados naquela situação que humilhava o poder. A realidade estava estampada para quem quisesse ver.”
Falecido em 6 de dezembro de 1969, aos 89 anos, no Rio, o marinheiro João Cândido Felisberto ainda tem um único filho vivo. Adalberto do Nascimento Cândido, último descendente direto do Almirante Negro, está com 86 anos e reside em São João de Meriti, nas cercanias da capital. Candinho, como é conhecido, concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Sul, por Google Meet, a partir de sua residência, na terça-feira, 7 de janeiro. Por mais de meia hora, e na companhia da neta Lorrane Cândido, conversou com o jornalista Romar Rudolfo Beling.
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A entrevista será veiculada na Gazeta do Sul, e em vídeo no Portal Gaz, ao longo de fevereiro. Entre os temas abordados estão as lembranças de Candinho das viagens que realizou na companhia do pai, já com tratamento de herói nacional, ao Rio Grande do Sul, em 1959. Além de homenagens na capital gaúcha, João Cândido pôde voltar a Rio Pardo, cidade na qual iniciou a formação que o levaria a ingressar na Marinha. Ao lado do filho, recebeu ainda honrarias em Cachoeira do Sul.
Candinho lamenta que até hoje a Marinha não reabilitou plenamente a memória do pai. E acompanha com expectativa o trâmite do processo que prevê a inscrição de João Cândido no panteão dos heróis e das heroínas da pátria.
João Cândido: sonho e castigo, de Mario Pepo Santarem. Porto Alegre: edição do autor, 2024, 200 páginas. R$ 40,00. O livro pode ser adquirido na Livraria e Cafeteria Iluminura, em Santa Cruz do Sul, ou na Clip Casa do Fogo, em Rio Pardo.
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O jornalista Mario Pepo Santarem, 68 anos, nascido em Rio Pardo, já estava radicado e atuava em Porto Alegre quando teve seu interesse despertado, na virada dos anos 1990 para os 2000, para a figura do marinheiro João Cândido e sua participação destacada na Revolta da Chibata, em 1910. Nos anos seguintes, intensificou as pesquisas em torno desse vulto que se fixou na história nacional, com foro de herói da Pátria. A partir das informações que recolheu, elaborou livro sobre o Almirante Negro.
Conforme Pepo, foi também maneira de se saber mais sobre um personagem de sua terra. Nascido no interior de Encruzilhada do Sul, na Vila São João, Coxilha Bonita, hoje pertencente a Dom Feliciano, João Cândido Felisberto era filho de pai já alforriado, e de mãe ainda escrava. Quando menino, foi levado a Rio Pardo, e ali foi acolhido pelo Almirante Alexandrino de Alencar, referência na Marinha nacional, no histórico solar ainda existente.
De lá, Cândido se mudaria para Porto Alegre, onde finalmente ingressou na Marinha, depois servindo no Rio, capital do país, e mais tarde sendo destacado para missões em diferentes regiões no planeta. Esteve entre os marinheiros enviados ao Reino Unido para de lá trazer as modernas embarcações adquiridas (e que, adiante, seriam usadas na Revolta da Chibata).
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Pepo formou-se em Jornalismo pela Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, e por 14 anos trabalhou no Cpers/Sindicato. Dele saiu para atuar na Rádio Guaíba, depois no Jornal do Commercio, e por fim se dedicou a assessoria. Sua estreia em livro ocorreu com obra sobre Ramiz Galvão, bairro de Rio Pardo no qual nasceu, o que faz questão de referir.
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