Dois relacionamentos malogrados levaram Marvin, protagonista de meia-idade de Peixe estranho, novo romance do escritor Leonardo Brasiliense, que acaba de ser lançado pela Companhia das Letras, a radicalizar. Frustrado, confuso e cansado de não ter conseguido levar a bom termo as histórias com as mulheres anteriores de sua vida, traz para casa uma nova companheira. E ela chega entregue por transportadora: é uma boneca de silicone.
Se o mote parece inusitado, apoia-se em um comportamento para o qual sinalizam as facilidades de comércio contemporâneo pela internet: há os que, em diferentes países, adquiram pela internet uma companhia de silicone para as horas de solidão. O viés pitoresco poderia render um romance carregado de humor ou de nonsense, com a verossimilhança que a ficção viabiliza. Mas Brasiliense surpreende ao dar a Peixe estranho uma carga emocional inesperada.
Tudo decorre do ponto de vista de narração que adota, numa construção que evidencia seu domínio da feitura de roteiros de cinema ou TV. Se a boneca, que nomeia de Analice, assume condição passiva (ou decorativa), como objeto, caberia a Marvin verbalizar a história. E é de fato ele quem fala, a partir do momento em que recebe a encomenda em casa. Porém, a alternância entre segunda e terceira pessoas cria mais de uma camada de significados ao enredo.
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No convívio com a nova companheira, Marvin compartilha com ela (e com o leitor) informações sobre suas relações anteriores com mulheres. Claro que o leitor só tem acesso ao ponto de vista do próprio narrador, na linha do que Bentinho diz sobre Capitu em Dom Casmurro, de Machado de Assis.
São esses subsídios (o que Marvin revela sobre o si e as companheiras anteriores) que pouco a pouco iluminam a personalidade do protagonista-narrador. E logo suas incongruências evidenciadas nesses relacionamentos frustrados se manifestam em relação ao suposto afeto que agora nutre por Analice. Novos elementos vão se adicionar, a um ponto em que até a coexistência com a boneca se revela insustentável. A chave para esse desajuste, afinal, pode estar já na infância, onde a impossibilidade do amor pleno talvez esteja relacionada a um sumiço que deixou imenso vazio.
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Novela que se lê de um fôlego só, Peixe estranho reafirma o virtuosismo de Brasiliense na arte literária, posicionando-o em destaque entre os grandes autores contemporâneos da literatura brasileira.
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Um colecionador de prêmios que tem fortes ligações com Santa Cruz do Sul
O escritor Leonardo Brasiliense, que chega aos 50 anos ao final de 2022, é natural de São Gabriel, mas tem ligações com Santa Cruz do Sul. Residiu nessa cidade por cerca de três anos, entre 2007 e janeiro de 2011, na companhia da esposa Lucinara, e viera para atuar junto à Receita Federal. Hoje, a família mora em Santa Maria: o casal tem as filhas Isabela e Cecília.
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Quando se fixou em Santa Cruz, já trazia na bagagem um Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, pelo seu livro de minicontos Adeus contos de fadas, de 2006. E em sua temporada na cidade acrescentaria mais um Jabuti à estante, por Três dúvidas, de 2010. Esse livro com três novelas, a exemplo de Peixe estranho, saiu pela Companhia das Letras, sendo a sua estreia por esse selo. E pela mesma editora ainda publicou Roupas sujas, romance de 2017.
A ligação de Leonardo com Santa Cruz se traduziu no convite para ser o patrono da 32a Feira do Livro da cidade, em 2019, a última edição presencial do evento, do qual já havia sido escritor homenageado na edição de 2010, quando o baiano João Ubaldo Ribeiro foi o patrono. No mesmo ano em que foi destaque na feira de Santa Cruz, lançou o volume de contos Eu vou matar Maximilian Sheldon. Agora, chega ao seu 13o título publicado.
Ficha
Peixe estranho, de Leonardo Brasiliense. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 117 páginas R$ 69,90
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