Santa Cruz do Sul

Literatura: a hora e a vez de Marli Silveira

A 35ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul, que acontecerá de 29 de abril a 5 de maio, com atividades concentradas na Praça Getúlio Vargas, vai homenagear a trajetória e a obra da escritora santa-cruzense Marli Silveira. É uma distinção que salienta, igualmente, o fato de ela ter sido a primeira autora da região eleita para a Academia Rio-grandense de Letras (ARL), além de integrar a Academia de Letras de Santa Cruz do Sul. Filósofa, professora, ensaísta, poeta e pesquisadora, Marli é mestre em Filosofia e doutora em Educação, entre outras formações relevantes. Em entrevista exclusiva ao Magazine, ela fala sobre a homenagem que recebe de sua terra natal e sobre a importância da leitura e da literatura.

Entrevista

Magazine – O que representa para a senhora, e para a sua obra, a condição de ser a homenageada da Feira do Livro de Santa Cruz do Sul em 2024?

Com 16 anos já tinha meu primeiro livro, claro que da altura da experiência cultural e intelectual daquele momento na minha trajetória de poeta e escritora. O que quero dizer é que com tantos livros já publicados, artigos e prêmios, estar na condição de escritora homenageada da 35a Feira do Livro e da 1a Festa Literária Internacional de Santa Cruz é um momento ímpar, pois se trata de reconhecimento pela materialidade e ou expressividade do que faço: escrever, talvez poetar.

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Estamos falando de uma das feiras mais importantes do Estado, que já consagrou escritoras e escritores nacionais e internacionais, que ainda explicitará nomes, linguagens e vivências literárias do município e da região. Creio que é o tipo de experiência que marca indelevelmente a vida e a obra de escritores; no meu caso, de uma escritora que em abril de 2023 também se tornou a primeira mulher da região dos Vales a entrar para a Academia Rio-grandense de Letras (ARL).

Devemos também reconhecer o trabalho da Comissão Organizadora e de todas as pessoas que direta ou indiretamente trabalham e trabalharam para que o livro e a leitura continuem motivando a continuidade e o surgimento de novos eventos, espaços e projetos. Cada professora e professor, cada família, que alimentam nos seus alunos/alunas e filhas/filhos um sentido para continuar lendo, escrevendo e apostando na educação e nas humanidades. Cada leitora e leitor que folheiam as páginas dos livros na esperança de que os seus gestos continuarão sendo indispensáveis para se sonhar mundos e balizar realidades.

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Escrevi que “A poesia é o lado, em mim, onde mora o mundo”. Considero que estou sendo reconhecida e lida pelo esforço de produzir memória e esticar as relações e os sentidos que nos ligam aos outros e a tudo que é diferente de nós mesmos.

Que importância as feiras, no formato da de Santa Cruz do Sul, têm no contexto dos eventos culturais? Que papéis tais encontros cumprem?

Vivemos em um país marcado pela diversidade e pela desigualdade; portanto, se de um lado os eventos e projetos culturais têm a condição de promover a diversidade e dar visibilidade às diferentes manifestações culturais, transitando-as pelo território e pelas regiões, de outro podem implicar contextos mais empobrecidos com um mínimo de fruição cultural. Em municípios pequenos, torna-se ainda mais visível e impactante o papel de ações e projetos culturais, como é o caso das feiras de livros.

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Santa Cruz do Sul tem a quarta ou quinta maior feira dedicada ao livro do Estado e estamos na 35ª edição; ou seja, tal condição demonstra o papel e a importância do evento para o município e para toda a região. Autores, autoras, oficinas, livrarias, espaços literários, culturais e lúdicos, circulação, troca de experiências e vivências literárias, afrouxamento das fronteiras entre escritores/escritoras, estudantes, professores, famílias, comunidades. São dias de efervescência literária e cultural entregues de forma gratuita e na praça, brindando a vida e a formação de público leitor. É o momento em que todos se reúnem ou são convidados a compartilharem leituras e tantos quantos possíveis caminhos abertos pelos que abrem mundos.

Entendes que o livro ainda segue presente da forma como deveria na sociedade contemporânea, ou é preciso reavaliar a relação com a leitura?

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É uma pergunta muito importante, mas não sei se temos uma única resposta. Explico. Particularmente, acredito que nada substitui a relação direta com o livro físico, com o fato de podermos manipular, folhear, riscar, anotar etc. De tempos em tempos poder voltar a uma obra, sentir o cheiro e a espessura, o “peso” dessa experiência. Por outro lado, não se pode negar que as tecnologias viabilizaram o acesso a livros, artigos e materiais que era inimaginável na virada do século 21. Podemos perguntar se se trata da mesma experiência, se a leitura do livro físico é diversa da leitura do (no) livro digital, por exemplo.

Também podemos perguntar se é assim tão comumente dizer que as tecnologias ampliaram o acesso, pois temos plena consciência de que há uma discrepância absurda nas realidades brasileiras, e mesmo os que têm acesso não frequentam a “mesma” época da invenção. Estamos vivendo e experimentando temporalidades distintas desde quando se inventou a primeira tecnologia, exponencialmente ampliadas no nosso tempo.

Creio que respondo melhor sua pergunta dizendo que as experiências são distintas e há um tipo de relação diversa quando se lê uma obra que pegamos com as mãos e uma obra que visualizamos. Existe uma demora própria em cada uma das experiências, e a sociedade contemporânea tem optado pela pressa. Corremos, descartamos, destruímos. O livro inscreve uma métrica de lentidão, é como um convite a um reolhar, reler, cuidar, estender sentidos e horizontes. Quem não se demora, sonha menos, enxerga menos, sente menos.

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Romar Behling

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