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Lissi Bender: “Galinha, não?”

O prato histórico galinha recheada – Gefülltes Huhn –, a ser declarado patrimônio do município, teria virado motivo de chacota, de acordo com vereadores de nossa Câmara. Vereadores rejeitam a propositura do governo, com a justificativa de que iriam cair no ridículo. Ridículo por quê? Por que numa mesma sessão os vereadores reforçam a proteção contra maus-tratos perpetrados a animais e, ao mesmo tempo, expressam receio de cair no ridículo caso a galinha recheada venha a ser declarada patrimônio de Santa Cruz? Por que a galinha, integrante de nossa alimentação cotidiana desde que Santa Cruz existe, estaria sujeita ao menosprezo? Afinal, o que a galinha recheada tem a ver com a história alimentar de nosso município? Vamos revisitar um pouco o passado?

Nosso município foi estabelecido a partir da fundação da Colônia Santa Cruz, inaugurada para introduzir um novo modelo de produção agrícola – a produção diversificada de alimentos por meio do trabalho familiar e da produção de tabaco. A produção agrícola diversificada marcou durante muito tempo a vida no interior. Somente mais recentemente houve, em certa medida, um domínio da produção de tabaco. Principalmente com a implantação da marca de Santa Cruz do Sul como Capital Nacional do Fumo.

Entre os hábitos e conhecimentos trazidos pelos imigrantes para Santa Cruz estava a criação de animais de pequeno porte, nomeadamente suínos e aves. Galinhas, gansos, patos, de há muito fazem parte da cultura do povo germânico. Além de batatas, de inúmeros tipos de linguiças e pães, aves e ovos faziam parte das preferências alimentares, vindas com aqueles a quem fora dada a tarefa de iniciar e desenvolver a produção agrícola de nossa região. Esses alimentos fazem parte do cultivo de nossa terra, de geração em geração. E não somente aqui, como também na Alemanha, continuam presentes contemporaneamente.

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O jornalista Dr. Erwin Seitz, autor de livros e crítico gastronômico, escreve um artigo no magazine do Rotary para Alemanha e Áustria, sobre a história do Gasthaus alemão. Nele, ressalta a galinha assada, servida com salada de batata, entre os pratos mais presentes na virada do século 18 para 19 nas Gasthäuser – as tradicionais e famosas estalagens existentes há séculos no interior das terras germânicas. No livro Redescobrindo a cozinha colonial, Arno Müller e Lori Heinrichs trazem a receita da galinha recheada entre os pratos típicos dos imigrantes. “Rechear uma galinha ou um frango com uma mistura de carne picada, temperada com sal, temperos verdes, cebola, alho, linguiça de porco, tudo isso era mantido dentro do frango por meio de um fio de linha de costura. Feito isso, colocar no forno numa forma de pão, com o peito para baixo, e assar até dourar.”

Galinha recheada tinha presença garantida em casamentos e eventos comunitários, como nas quermesses da igreja católica da Alte Pikade, que eram realizados em meio a um bosque, onde atualmente está sendo implantado o loteamento Estância Jardim. A delícia continua presente na vida de descendentes e na comunidade de Rio Pardinho. Também outras delícias, como o assado de porco, os biscoitinhos natalinos, a cuca com linguiça, merecem atenção especial para preservação das tradições da culinária histórica local e promoção da economia.

Enfim, posso tranquilizar os senhores vereadores. Quem conhece e valoriza a cultura alimentar histórica de Santa Cruz não menosprezará nem fará “chacota” com a ideia de a galinha recheada à moda santa-cruzense/Gefülltes Huhn nach Santa-Cruzense Art vir a ser patrimônio histórico, cultural e gastronômico de Santa Cruz do Sul.

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