Linha Seival, localizada a cerca de 15 quilômetros do centro de Santa Cruz do Sul, é uma comunidade marcada pelo contraste entre progresso e desafios. Embora não seja um distrito oficial, a localidade se destaca por um fato curioso: sua posição geográfica na divisa com Venâncio Aires.
Com terreno predominantemente plano, o principal acesso a Seival se dá pela RSC-287. A economia da região é baseada na agricultura, com destaque para o cultivo de tabaco e arroz, além de hortaliças e criação de animais. O comércio também encontra seu espaço, representado por empreendimentos como uma madeireira e um pequeno mercado, que atendem tanto moradores quanto visitantes de localidades próximas, como Quarta Linha Nova Baixa e Linha Armando, e até mesmo do município vizinho de Venâncio, via Vila Arlindo.
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Apesar do potencial econômico e da qualidade de vida, a comunidade enfrenta um problema que se arrasta há anos: a divisa territorial. Isso contribui para que a promessa de asfalto permaneça apenas no papel, fazendo com que os moradores convivam diariamente com a poeira em dias secos e o barro em períodos de chuva.
INCERTEZAS SOBRE A DIVISA TERRITORIAL AFETARAM A VIDA DOS MORADORES
A comunidade de Linha Seival, em Santa Cruz do Sul, é conhecida por conviver desde 2010 com um impasse sobre a divisa territorial com Venâncio Aires. O caso ganhou repercussão após um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na região. Desde aquela época, a questão permanece sem solução, prejudicando cerca de 500 pessoas que enfrentam a falta de investimentos em infraestrutura, como a tão esperada pavimentação após o Rio Taquari-Mirim.
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João Werberich, de 64 anos, nascido e criado em Seival, afirma que fatores como o pedágio, a ausência de pavimentação e, mais recentemente, o impasse territorial têm comprometido o desenvolvimento da localidade. “Seival é uma das comunidades do interior que perdeu população, mesmo tendo potencial para se desenvolver bem.”
Ele lembra que, quando começaram as discussões sobre a pavimentação da estrada de chão que conectaria Monte Alverne à cidade, as alternativas eram por Linha Seival ou Linha Santa Cruz. A escolha por Linha Santa Cruz prejudicou Seival. “A partir daquele momento, Linha Santa Cruz começou a se desenvolver, enquanto nossa comunidade ficou sem asfalto e com acessos precários em dias de chuva forte, uma situação que persiste até hoje.”
Embora tranquila, Seival enfrenta o êxodo rural, especialmente dos jovens. A comunidade não possui estrutura própria de igreja, que é vinculada a Vila Arlindo, e carece de serviços básicos, como atendimento de saúde.
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Para Werberich, a indefinição territorial é um dos maiores obstáculos. “Meu pai, que chegou a Seival com 12 anos, em 1944, sempre dizia que as terras estavam registradas em Santa Cruz. Naquela época, era só uma estrada de chão usada para escoar arroz e fumo, construída pelos próprios moradores. Não havia dúvidas de que Seival pertencia a Santa Cruz.”
Outro problema foi a instalação do pedágio na RSC-287. “Nossa estrada principal, que passou a ser usada como desvio do pedágio, ficou deteriorada pelo tráfego intenso de veículos pesados. Nenhum prefeito quis investir na sua manutenção, o que agravou ainda mais o isolamento da localidade”, lamenta Werberich.
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Seival já foi uma comunidade vibrante, com comércios que também funcionavam como ponto de encontro para os moradores; atos políticos; uma escola; caminhões de transporte e até um time de futebol, campeão do Cinturão Verde em três ocasiões. Hoje, conta apenas com uma pequena sede para festas e um campo de futebol sete.
Famílias pioneiras
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A povoação de Linha Seival começou em 1940, com a instalação das primeiras famílias, como Hermes, Temp, Werberich, Rabuske, Gais e Schuster. Algumas delas ainda permanecem, mas a comunidade está perdendo sua vitalidade.
Já o nome do local, Seival, significa “terra baixa”, que reflete suas características geográficas como planície.
Moradores estão cansados de cobrar respostas
A Gazeta do Sul esteve nessa semana em Linha Seival para conversar com alguns moradores sobre os problemas da comunidade. Muitos já estão cansados de falar sobre o tema envolvendo a divisa territorial e sem esperanças de que essa história tenha um final feliz.
Um deles é Waldomiro José Schuster, de 70 anos. Ele acompanha essa situação desde o início e participou de manifestações na época em que a comunidade cobrou pela pavimentação. “Já fizemos protestos e várias entrevistas, mas nada se resolve. Sempre recebemos a mesma resposta. É muito bom morar aqui, e não quero sair. Porém, além do asfalto, há muitas coisas em Seival que podem ser melhoradas.”
Para ele, se houvesse investimentos na localidade, hoje ela já poderia ser chamada de vila. “A escola antiga, que hoje está abandonada e caindo, poderia ser reaproveitada como uma capela ou área de lazer, já que não temos nada disso.”
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Sobre a estrada, Schuster afirma que essa é a última esperança de melhoria. “O excesso de poeira no dia a dia prejudica muito. Ao longo dos anos, muitos políticos vieram aqui fazer promessas, mas nada mudou em uma década. No ano passado, a Prefeitura de Santa Cruz até iniciou um levantamento, mas seguimos sem avanços.”
De acordo com o agricultor, documentos, blocos de produtor, impostos e terrenos estão todos vinculados a Santa Cruz. “Até votamos por Santa Cruz. Na última eleição, o povo respondeu com muitos votos brancos, mostrando nosso descontentamento. Somos como uma ‘parte branca’ no mapa, esperando atenção e melhorias que nunca chegam”, lamenta.
O que dizem as prefeituras
Em contato com a Prefeitura de Venâncio Aires, a secretária de Planejamento e Urbanismo, Deizimara Souza, apenas informou que acompanha as ações realizadas por Santa Cruz. Já a Prefeitura de Santa Cruz não informou como está o processo de regularização. A mais recente movimentação para resolver o problema ocorreu no ano passado. Identificou-se que diversos pontos no entorno de Linha Seival, no papel, fazem parte de Venâncio Aires, embora estejam no território santa-cruense.
Até a definição do limite de todos os municípios gaúchos, feita pelo governo do Estado em 1944, o local constaria como parte de Santa Cruz, mas depois foi incluído no território de Venâncio. No ano passado, a Prefeitura de Santa Cruz iniciou um trabalho de verificação sobre quais seriam os verdadeiros limites. Após a conclusão dessa etapa, haveria reuniões para apresentação dos dados e mapas entre os dois municípios. Tanto Santa Cruz quanto Venâncio precisam aprovar as alterações. Em seguida, um projeto revisando o limite será encaminhado para as duas câmaras de vereadores. Só após essa fase a proposta de ajuste vai para a Assembleia Legislativa. É o Parlamento gaúcho que precisa, em última instância, aprovar as mudanças.
Empreendedorismo também tem espaço
Apesar dos desafios burocráticos que a comunidade de Seival enfrenta, o lugar ainda se mostra promissor para quem deseja investir. A empreendedora Maribel Kumm, de 38 anos, junto ao marido Eduardo Wolffenbüttel, 39, apostou em um pequeno mercado para atender os moradores da região.
“Estamos aqui desde 2016. Inicialmente, o negócio era focado apenas em uma cancha de bocha. No entanto, com a chegada da pandemia, expandimos os serviços e passamos a oferecer produtos de mercearia e hidráulica. Conforme o pessoal foi pedindo, fomos aumentando”, conta Maribel.
Embora o comércio tenha conquistado boa aceitação entre os moradores, alguns obstáculos permanecem. “A questão da poeira é muito ruim, e esse problema da divisa atrapalha bastante. Além disso, não temos mais ônibus para ir à cidade, então o pessoal tem que se virar”, diz a empreendedora. Apesar dos problemas, Maribel destaca a tranquilidade e a localização estratégica da comunidade, que conecta diversas regiões e atrai fluxo constante de pessoas, beneficiando o comércio.
Entre os clientes de Maribel está a dona de casa e artesã Adriane Inês Kloh, 46 anos. “Aqui é bem perto de casa e, sempre que falta algo, posso chegar rápido. Além disso, aproveito o tempo para conversar”, diz Adriane.
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Ela também lamenta os problemas envolvendo a divisa. “Aqui sempre foi Santa Cruz. Inclusive, no último censo do IBGE, respondemos por Santa Cruz. Mas esse problema está nos afetando: não somos atendidos com pavimentação, o ônibus parou, e só piorou depois da pandemia. Estamos aguardando por respostas.”
Acesso pela RSC-287 é debatido
A duplicação da RSC-287 é uma das obras mais esperadas pela região, especialmente por Santa Cruz do Sul, que tem grande parte de seu território cortado pela rodovia. A estrada é um importante acesso para diversas localidades, como Linha Seival. Por isso, moradores e líderes locais têm se mobilizado para garantir que os acessos sejam mantidos após a conclusão do projeto.
Um dos representantes dessa causa é o vereador Rodrigo Rabuske, que tem raízes em Linha Pinheiral. Ele acompanha de perto as demandas comunitárias, que enfrentam incertezas quanto à viabilidade dos acessos após a duplicação. Segundo Rabuske, várias audiências públicas já foram realizadas, tanto na Câmara de Vereadores quanto na comunidade de Pinheiral. “Sempre tratamos dessa questão com a Sacyr, com o governo do Estado e com a equipe de parcerias, mas nunca tivemos uma resposta definitiva sobre se nossas demandas serão atendidas ou não”, lamenta.
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Ele explica que, há cerca de dois anos, o Conselho de Desenvolvimento de Pinheiral (Codepin), com apoio do Município, contratou um engenheiro para realizar um estudo técnico sobre o tráfego na região, especialmente em Seival. O levantamento incluiu a contagem do fluxo de veículos e sugeriu alternativas para a manutenção do trânsito inter-regional. “A Unisc também realizou um estudo sobre o impacto econômico-financeiro para sensibilizar ainda mais os órgãos envolvidos, principalmente o governo do Estado e a Sacyr.”
Com base nesses estudos, Rabuske destaca que uma solução viável seria a instalação de uma rótula, que garantiria o acesso para ambos os lados da rodovia e evitaria que os moradores de Seival precisassem usar o pedágio de Venâncio Aires. “Um dispositivo como esse seria essencial para a comunidade”, reforça.
A preocupação é ainda maior porque as obras de duplicação já se encontram em andamento. “Depois que essa duplicação estiver concluída, será tarde demais para reivindicações. Precisamos de uma solução agora”, alerta o vereador.
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Ele também enfatiza que a economia local será gravemente impactada caso os acessos não sejam mantidos, afetando desde produtores de arroz até outros empreendimentos da região. “Nós não aceitaremos nenhuma decisão da Sacyr que não inclua a manutenção do acesso a Linha Seival. A instalação de uma rótula é fundamental para garantir a mobilidade e a segurança de quem vive e trabalha na região. Também estamos organizando uma reunião com o conselho de usuários para reforçar essa demanda”, afirma.
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