Estou preparando meu filho Rudolf para assumir os negócios da fazenda. Tem 24 anos, formado pela PUC, advogou comigo um tempo. Tem Santiago no sangue. A Maristela, mãe dele, parece que tem um dínamo dentro de si. Na véspera de irmos para a estância ela já fica inquieta e nem são 4 da manhã já está de pé, banho tomado e quer se meter na caminhonete. Depois de 6 horas de estrada, tudo o que eu quero é uma “séstia”. Ela não. Quer ver tudo, sair “de a cavalo”. Saber se suas recomendações foram cumpridas, não sossega enquanto não conferir a cerca que mandou arrumar, não relaxa enquanto não olhar o plantel angus/brangus e as ovelhas.
Lá passamos a Semana Santa. Na região do pampa as coisas custam a mudar e quando mudam é muito, mas muito devagar. A Sexta-feira Santa é recheada de preceitos seculares. Realmente não sei de onde veio esse preceito de que só peixe se pode comer nessa data, nada de carne de porco, gado, galinha. Mesmo que o frango custe bem baratinho, a pessoa se “esguela” para comprar uma lata embatumada de sardinha. Mas muitos povoeiros nem se lembram daquele jovem de 33 anos, pendurado na cruz, no mais dolorido dos sofrimentos, que só terminaram com uma lança penetrando “o mole da barriga”.
O que querem é festa e festa, camarões gigantes, bebidas caras e pantagruélicas iguarias. Nada disso acontece nos fundos de campo.
Há, como já relatei, no entanto, outros preceitos consuetudinários. Para os campeiros humildes, que nunca saíram de sua vila ou cidadezinha pampeana, na sexta santa não se dá risada, não se anda a cavalo, não pode namorar (nem com a esposa), nem se olhar no espelho, nada de tomar leite (só crianças de colo), não ouvir rádio e por aí vai.
Surpreendi, desta feita, uma novidade: ninguém dá muita bola para o tal isolamento, não tomar chimarrão compartilhado, não se cumprimentar com o toque na mão e no peito. Indaguei de um amigo que tem um pequeno comércio se não tinham medo do contágio. Ao que meu amigo respondeu, sério, mais sério que cusco em canoa, que esse tal de vírus não pega em pobre. Só em rico .
Esse pessoal sempre viveu com pouco, “por que tu quer comprar mais uma bombacha se já tens três?”. É como pensam. O que eles querem mesmo é uma prenda bem parceira, criar os piás com saúde, aos domingos ir ao rodeio, exibir seu pingo bem aprumado.
Constato que algumas mudanças houve. Os filhos dos grandes fazendeiros se formaram e voltaram com práticas modernas. Enfim, a maioria dessa gauchada leva uma vida baseada no respeito. E aperta a mão da gente olhando nos olhos.
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