Lições de uma estiagem

Talvez tenha caído alguma chuva – torço que sim – quando você estiver lendo este texto. Escrevo ainda sob temperatura destemperada, envolto por um ambiente e um calor insalubres. Não só pelo sol inclemente e pelos 40 graus que torram as lavouras, as hortas, os pomares, os jardins e ressecam os reservatórios de água. Mas também porque temos que nos precaver para que a estiagem não desidrate nossos cérebros.

Vamos por partes. Estiagens ocorrem desde que me conheço por gente. Assim como temporais, enxurradas, enchentes, nevascas (nas localidades mais elevadas). Em 1983, talvez 1984, caiu chuva congelada até em Santa Cruz do Sul. Parecia sagu, que se fixava no parabrisa do carro.

Lembro que era uma sexta-feira de tarde. Minha esposa e eu havíamos programado um passeio a Arvorezinha, próximo a Soledade, onde ficaríamos hospedados na casa do mano Roque e da comadre Marilda. Quando chegamos em Encantado (hoje terra do Cristo Protetor que ainda não conheço), paramos num posto para tomar um café quente. Foi providencial, porque daí em diante, na subida do Morro Guabiroba, o limpador de parabrisa não teve folga. Os flocos de neve caíam abundantes, ao mesmo tempo inspiradores e congelantes.

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Não lembro de menção alguma da grande mídia, na época, a colapso ambiental ou coisa parecida. Aliás, quando estudei no internato em Arroio do Meio, em 1967, foi registrada temperatura de -4 graus. Meus colegas da época podem confirmar: havia pepitas de gelo no pátio interno, revestido de tijolos, ao amanhecer.

Sobrevivemos. Sem a politização vigente hoje, não foi atribuída culpa a ninguém. Apenas a um fenômeno da natureza.
Assim como, na década de 1970, uma chuvarada arrancou parte da rodovia recém-asfaltada nas curvas do Pinheiral, a hoje denominada RSC-287. Não só a estrada, mas um cemitério da localidade foi “varrido” pela violência das águas, casas foram removidas, estradas destruídas por todo o interior.

Poderia falar das enchentes, dos temporais – de vento e granizo –, alguns traumáticos, que já enfrentamos. Mas o assunto do momento é a estiagem. Proponho uma reflexão: o que seria da população urbana de Santa Cruz do Sul sem o Lago Dourado? Que perspectivas teríamos – cerca de 120 mil pessoas, mais as empresas – sob a dependência de um filete de água do Rio Pardinho?

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Devemos reconhecimento e gratidão a todos que se empenharam pela concepção e execução desta obra. Sempre haverá quem diga que alguém se beneficiou de alguma forma e coisa e tal. Eu prefiro acreditar que foram e são pessoas visionárias, que miraram o futuro. Santa Cruz não seria mais viável como a conhecemos hoje sem este reservatório.

Outro ponto a considerar: se é sabido e notório que estiagens se repetem em ciclos, mais ou menos próximos, por que o Poder Público – em todos os níveis – espera para executar programa de implantação de aguadas, açudes, poços artesianos, redes hídricas, quando o caos do desabastecimento já está instalado? Adianta colocar retroescavadeira a remover solo quase petrificado pela falta de chuva no auge de uma estiagem e sem perspectiva de reposição hídrica em parâmetros minimamente normais? Isso deveria ser feito antes, em fase de diagnóstico, não de profilaxia (desculpem a comparação).

Por fim, um apelo: vamos pensar bem na hora de discutir o que será do túnel verde da Rua Marechal Floriano no futuro. Até entendo os argumentos de quem se sente contrariado com as consequências indesejáveis das tipuanas no inverno e na primavera. São folhas que sujam as calçadas e as ruas, que entopem calhas, raízes que arrebentam o passeio público, galhos que eventualmente caem e até danificam veículos. Mas imaginem o Centro da cidade sem essa sombra generosa e refrescante sob temperaturas escaldantes como as que estamos enfrentando. Como tudo na vida, cada situação e escolha têm bônus e ônus. Nesse caso, penso que o bônus ganha de goleada.

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Em tempo: fenômenos naturais, extremos até, estão prescritos no manual de sobrevivência do nosso planeta. Isso não nos autoriza, porém, a sermos omissos e irresponsáveis em relação à natureza. Façamos a nossa parte para ajudar e salvar, não para degradar o que generosamente ela nos oferece.

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