Em tempos de férias, principalmente no verão, o destino de muitas pessoas é o litoral, as praias se apresentam como atração irresistível. Nem que seja para pegar um vermelhão num único final de semana, carimbar o passaporte pessoal com um mergulho nas águas salgadas não pode faltar. E vale tudo: mar turvo é sinônimo de “faz bem para a saúde”; água gelada é para retemperar o espírito gaúcho, raiz; mães-d’água soltando suas farpas iradas estão aí para comprovar a coragem e a resistência do turista ocasional.
Hoje, muitos possuem casa ou apartamento no litoral, a maioria com a mesma estrutura e o mesmo conforto da moradia em sua cidade. Mas, nem sempre foi assim. Houve época em que a casa da praia era a derradeira morada das tralhas que não tinham mais utilidade em casa. A primeira lembrança que se apresentava quando um aparelho ou um móvel já tinha vivido o suficiente, era que poderia ser útil na casa da praia. Os donos, não tendo imóvel próprio na orla, logo buscavam na memória algum parente ou conhecido que pudesse acolher aquele trambolho imprestável.
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Era bem comum ver Brasílias e fucas, com bagageiros improvisados, desfilando nas estradas carregando no lombo velhos fogões, geladeiras enferrujadas, armários destrambelhados, de tudo. E já se aproveitava o ensejo para enviar junto alguns cobertores esfarrapados, algum colchão maltratado pelo tempo, os quais serviam de amortecedores para não machucar a cobertura dos carros, então joias da família. E uma vez que tinham vindo, eram aproveitados para renovar o enxoval dos dormitórios.
Chegando ao destino, nem todos os objetos se adaptavam bem. A cama com apenas três pernas já trazia a receita: comprar alguns tijolos e arquitetar a indispensável quarta peça. Se os tijolos forem mais altos, corta um pouco de cada perna e tudo ficará bem. Ao menos essa parte não será devorada pelos cupins. Em cima dela, um colchão surrado, molas demolidas, nada que impedisse felizes momentos de férias no litoral. Se a porta da geladeira não fechar, encosta uma cadeira. Se o fogão expirar gás por todos os poros, abre janelas e portas para arejar.
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Os pratos com algumas trincas, os garfos com um dente a menos, as colheres já entortadas, as facas cegas, as panelas sem uma alça ou sem tampa, as xícaras meio lascadas, algum copo rachado, chaleira com bico torto, espetos enferrujados, nada escapava da fatal condenação: leva pra praia! Algumas mentes mais arrojadas não dispensavam nem algumas telhas velhas do telhado recém-trocado em casa. As casas da praia despertavam inveja a muito museu famoso que sobrevive por aí. Não havia brechós na praia, cada casa abrigava o seu próprio brechó.
Todas essas agruras, porém, não arrefeciam o sonhado e merecido descanso. Cada temporada era muito mais que suave repouso, era garantia de aventuras imprevisíveis, oportunidade para colocar a imaginação e a criatividade a trabalhar. Aos poucos, então, as pessoas foram se dando conta de que também nas férias, nos períodos de lazer mereciam um mínimo de conforto, podiam ter uma cama mais confortável, fogão e geladeira confiáveis, copos para além dos potes descartáveis de iogurte. Agora, isso não apaga a história de que tantas pessoas se nutriram por tanto tempo e que lhes significava pequena glória: leva pra praia!
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