Essa é uma história sobre minhas irmãs, de rabo, especificamente. Tudo começou por volta de 2006 em Santa Maria. A Iliane e o Ben-Hur foram comprar a Barbie, um filhote de salsicha marrom – naquela época não tínhamos muito conhecimento sobre comprar animais, que hoje somos contra. Ela cresceu com a gente, era manhosa e tinha ciúmes do meu pai. Um dia, um cachorro entrou no pátio e assim nasceu a Pitucha e outros oito filhotes – sim, somos ótimos em nomes. A Pitucha era uma mistura de vira-lata amarela, um pouco maior que a Barbie. Durante uns bons anos, Barbie e Pitucha faziam a alegria da casa, dormiam juntas e eram totalmente diferentes: a Barbie era manhosa, a Pitucha corria o terreno inteiro e pulava na frente das janelas de casa.
Em 2012 nossa vida canil se reestruturou. A gente nunca vai saber como a Pitty foi parar na esquina da nossa casa, mas chegou. Um filhote amarelo-queimado. Depois de tirarmos vários carrapatos e oferecermos ela para todos, felizmente sem sucesso, decidimos que ela ia ser nossa. Mas a convivência com as irmãs não era boa, a Barbie já tinha seus 8 anos e a Pitucha tinha medo.
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A Pitty tinha meses, queria brincar e isso fez com que nós (e recomendações médicas) a separássemos das demais. A Pitty era a cadela mais doce que a gente poderia ter, mesmo depois que cresceu – 40 quilos, pra ser exata – parecia que todo dia demonstrava gratidão por termos a adotado. A relação delas foi melhorando, Pitty entendeu como deveria lidar com as irmãs e elas foram mais solícitas. Por quase 20 anos, minhas cadelas foram uma parte muito feliz dos meus dias, um apoio emocional durante toda minha infância.
Essa provavelmente é uma história padrão de cachorros e famílias. Escolhi falar sobre a minha porque, há pouco mais de um mês, eu me despedi dessa realidade. Em 2018, a Barbie teve um tumor nas mamas. Tiramos, mas um ano depois, o pulmão já estava tomado. Na pandemia, as outras duas foram pra dentro de casa. Sem a mãe, Pitucha percebeu que precisaria ser amiga da Pitty, e ela, incrivelmente, nunca sequer ameaçou machucar a irmã, mesmo quando a Pitucha roubava a cama dela (Pitty tinha mais que o dobro do tamanho da Pitucha).
Foi uma época em que aproveitei muito a presença delas, dia e noite dentro de casa por causa da Covid-19. Em 2022, depois de mais de oito tumores, uma quimioterapia e muitas outras idas ao veterinário, a Pitty partiu por um problema no rim. Ficou só a Pitucha, que aprendeu a gostar mais da presença humana – na reta final, com as dores e a memória fragilizada, só um colinho da minha mãe a acalmava. Há cerca de um mês, a Pitucha, aos seus 17 anos, não resistiu.
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E pensar que a realidade que eu conheci minha vida inteira acabou me deixa, no mínimo, desconfortável. Minha casa, que sempre teve sons de patinhas e pelos nos locais mais inusitados, agora deve estar limpa e silenciosa – “deve”, porque neste feriado é a primeira vez que visito meus pais desde a morte da Pitucha. Na minha memória, ficam as lembranças da Pitty ocupando todo o espaço do chão da sala, dormindo com sua cobertinha rosa e correndo atrás de um galo de borracha; as da Pitucha, que subia no sofá escondido e caminhava na sala sem rumo até se perder embaixo da cadeira ou derrubar a vassoura; e da Barbie, a mais disciplinada de todas, a não ser quando entrava em casa e ninguém mais conseguia tirar. Para Pitty, Pitucha e Barbie, um adeus público de quem sempre vai ter vocês no coração.
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