Categories: Pedro Garcia

Leis de mentirinha

Na semana que passou, me dediquei a analisar, linha por linha, os 453 artigos do Código de Posturas de Santa Cruz. Rendeu uma matéria muito comentada na qual revelamos que essa lei, revisada pela última vez há 53 anos, é cheia de normas ultrapassadas e, algumas, sem o menor sentido, ao menos para os dias de hoje. Dentre as pérolas com as quais topei estão coisas do tipo: empinar pipa é proibido e cães sem coleira e focinheira devem ser eliminados.

É provável que essas regras reflitam os costumes e o pensamento da época em que foram criadas. Com o passar do tempo e as transformações na sociedade, porém, acabaram superadas, inclusive por outras legislações. Mas o fato é que, em cinco décadas, nenhum prefeito ou vereador se deu o trabalho de fazer um pente-fino e tirar o que é preciso tirar. Assim, a lei continua lá, nós sob ela e ai de quem entra em um ônibus carregando uma trouxa de roupas – isso também é proibido.

Cômico, sim, mas também trágico. Afinal, se temos leis que por serem absurdas ninguém se preocupa em cumprir (ou em cobrar que cumpram), todo o nosso ordenamento perde credibilidade. Leis de mentirinha só estimulam o nosso desapego natural pela ordem.

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Acompanho as sessões da nossa Câmara há oito anos e, portanto, já vi centenas de leis serem aprovadas, muitas no mínimo discutíveis e que têm tudo para virar peça de ficção no futuro – se é que já não viraram. Curiosamente, vi também boas ideias serem barradas, pelos próprios vereadores ou pela Prefeitura. Foi assim com o projeto que criava a Tribuna Popular, os que previam incentivos para a prática de compostagem e para deslocamento de funcionários de empresas por bicicleta e o que permitia que pessoas desembarcassem de ônibus urbanos em locais mais próximos de suas casas à noite, para ficar em alguns exemplos. Vai entender.

Por outro lado, espero sentado (como me recomendaram esses dias) pelo dia em que algumas leis vão surgir. Não estaria na hora de discutirmos, em nome do meio ambiente, o uso de sacolas plásticas no comércio, em especial nos supermercados? E um incentivo para que as pessoas separem lixo em casa? Que tal uma regulamentação mais efetiva para a circulação de carros de som pelas ruas e amplificadores de som nas lojas? E não seria bom uma lei municipal de incentivo à cultura, um orçamento participativo, mais restrições para carga e descarga no Centro e que se proibisse cartazetes publicitários colados nas calçadas?

É claro que nem todos podem concordar com essas ideias. Se uma regra é boa ou ruim, pode ser pura questão de ponto de vista. Mas certamente qualquer uma dessas faria mais sentido do que vedar a entrada de mendigos em praças – sim, isso também está no Código de Posturas de Santa Cruz.

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