Investigação da Corregedoria da Polícia Militar apura o suposto envolvimento de um órgão da Secretaria da Segurança Pública – o Grupo de Planejamento Setorial (GPS) – no desvio de R$ 200 milhões (valores atualizados) por meio de contratos fraudulentos ligados ao Comando-Geral da PM. Segundo a Corregedoria, o usuário de uma senha desse órgão teria sido o responsável por expedir ordens de pagamentos minutos depois do fechamento de licitações realizadas entre 2005 e 2012. Ao todo, 16 policiais já foram indiciados no caso e 523 empresas são suspeitas de participar das fraudes.
Quem comandava o GPS em parte desse período era o coronel João Claudio Valério. O nome de Valério ocupa o primeiro lugar de uma lista de mais 18 coronéis feita pelo principal acusado no caso – o tenente-coronel José Afonso Adriano Filho – em uma carta enviada à Justiça. No documento, Adriano tenta vincular os oficiais às irregularidades. Preso desde 9 março na Operação Imperador – a chamada Lava Jato da PM -, Adriano busca fechar um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ). Ele seria ouvido na terça-feira, mas passou mal, e o depoimento foi adiado.
A PGJ informou ao procurador Pedro Falabella, da Justiça Militar, que está analisando as acusações feitas por Adriano contra dois coronéis: o deputado estadual Álvaro Camilo (PSD) e o coronel Orlando Geraldi. Segundo na lista de Adriano, Camilo comandou a PM de 2009 a 2012, na gestão de Antonio Ferreira Pinto na Secretaria de Segurança Pública (SSP); Geraldi, na 12ª posição do documento, é hoje juiz-corregedor do Tribunal de Justiça Militar (TJM).
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O ex-titular da SSP Ferreira Pinto disse ao Estado que “demitiu Valério” assim que assumiu o cargo, em 2009. “Ele era homem de confiança do Saulo (Saulo de Castro Abreu Filho, secretário da Segurança de 2002 a 2006 e atual secretário de Governo do Estado) e depois acumulou a chefia do GPS com a de gabinete na gestão do Ronaldo Marzagão.” Em 2011, Valério se tornou diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) quando Saulo assumiu a Secretaria de Transportes. Procurados, Camilo e Saulo não se manifestaram. Valério não foi localizado.
Capitão
A revelação de que o GPS seria responsável pelos pagamentos foi feita no depoimento do capitão Anderson Barbosa Casado, da Corregedoria da PM, tomado pela 4ª Auditoria Militar em sigilo, em 19 de maio. É Casado que conta ao Conselho de Sentença, composto por um juiz auditor e quatro coronéis, os detalhes da investigação e o funcionamento do suposto esquema de desvio de recursos e fraude de licitações.
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Segundo ele, o inquérito-mãe foi aberto em 2015 por ordem do então corregedor Levy Felix. A suspeita era de fraudes no Departamento de Suporte Administrativo (DSA) do Comando-Geral. O departamento – que não tinha atribuição de Unidade Gestora Executora (UGE), ou seja, não poderia firmar contratos – teria fechado cerca de 6,2 mil deles entre 2005 e 2012 para obras em quartéis em todo o Estado. Ao todo, segundo o capitão, 523 empresas são investigadas – a maioria delas seria laranja, usada pelos militares envolvidos no esquema. “Nós encontramos muitas empresas de fachada.”
Casado contou que a primeira providência da Corregedoria foi auditar todos os 6,2 mil contratos. Esse trabalho constatou irregularidades em 5 mil deles. Foram feitos laudos para cada empresa e abertas ações com base no inquérito mãe para cada uma delas – já há 22 abertos, dois dos quais viram processos judiciais.
“Em menos de um dia, os acusados abriam certame licitatório com nota de empenho e uma programação de desembolso. E o pior: isso não está na alçada da UGE do DSA. A ordem bancária, pelo que apuramos, não é ato de nenhuma unidade gestora da PM. Ela é feita por um órgão chamado GPS, da SSP. E alguém, que eu não sei quem, tem usuário e senha para efetuar ordem bancária. Não sei qual é a praxe lá (GPS)… E essa ordem bancária acontecia minutos depois. Mas, por força de decreto, ela teria de acontecer 30 dias depois do desembolso”, afirmou aos juízes. “Foi um verdadeiro saque ao Estado.”
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Em nota, o Ministério Público Estadual confirmou que Adriano manifestou interesse em fazer um acordo de delação premiada. “No momento, as informações estão sob análise em fase preliminar. Não cabendo ao Ministério Público tecer qualquer tipo de consideração sobre as tratativas.” Procurado, o TJM informou que não há acusação contra o juiz. “O Tribunal de Justiça Militar aguarda o trabalho do Ministério Público a quem compete a investigação.”
‘Cumpria ordens’
Aos juízes da 4ª Auditoria da Justiça Militar, o principal acusado na Operação Imperador, o tenente-coronel José Afonso Adriano Filho, afirmou que todas as obras que fez foram por determinação superior “do comandante-geral, do subcomandante-geral e do chefe do estado maior da PM. Se não tivesse ordens não executaria”.
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O coronel confessou que entre 2005 e 2011 o setor que ele trabalhava, o Departamento de Suporte Administrativo (DSA), efetuou compras e obras sem que isso estivesse previsto na lista de encargos dessa unidade gestora. “A regularização aconteceu em 2011, coma alteração da tabela de encargos.”
Adriano afirmou em seu depoimento – anterior ao começo de suas tratativas para o acordo de delação premiada quando pretende delatar 18 coronéis – que fez obras em sedes de Comandos de Policiamento de Área, do Comando de Policiamento da Capital, do Quartel do Comando-Geral, do Centro de Informações da PM e da Escola de Soldados. Até então, ele negava os desvios dos recursos.
“Tudo o que meu cliente disse será provado. Ele não será leviano”, disse o criminalista Luiz Antonio Nunes Filho, que defende Adriano. Seu cliente é acusado de ser o verdadeiro dono da empresa Construworld, contratada para diversas obras na PM – um dos sócios da empresa que aparecem na Junta Comercial confirmou a acusação. Ao ser questionado pelos juízes, Adriano contou que pegava cheques da empresa, depositava em sua conta corrente e depois sacava o dinheiro. “Comprava tudo em dinheiro e sem nota, que assim ficava mais em conta.”
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Milhões
A Corregedoria da PM informou à Justiça Militar que encontrou R$ 18 milhões em movimentações bancárias nas contas do coronel e de seus familiares entre 2005 e 2012, período em que as fraudes ocorreram. Só um dos filhos – ainda estudante – teria movimentado R$ 1,3 milhão em um prazo de três anos. Apenas no primeiro processo que responde, Adriano é acusado de 207 crimes.
Outro acusado no caso, o capitão da PM Dilermando César Silva é acusado de ter cometido 125 crimes. Ele era subordinado ao tenente-coronel. “Eu não lia o que assinava”, disse aos juízes da 4ª Auditoria. Segundo ele, os documentos chegavam em sua mesa depois que os convites para as empresas participarem das licitações eram feitos por Adriano.
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