A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça determinou por unanimidade, na quarta-feira, 28, a suspensão das obras de intervenção na área do calçadão da Rua Almirante Alexandrino, em Rio Pardo, com previsão de rua coberta, até o julgamento definitivo da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público (MPRS).
A decisão considerou os argumentos expostos na ação, que evidenciam possível ocorrência de dano ao patrimônio histórico cultural, pois não há como dizer com segurança que a imagem dos prédios próximos, como o Clube Literário e Recreativo, o Solar Raul Silveira, a Casa dos Azulejos e a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, não serão atingidos de alguma forma pela estrutura prevista para a área.
O Ministério Público ingressou com a ação civil pública na Justiça no início de abril deste ano após constatar potencial dano ao patrimônio histórico de Rio Pardo, uma das quatro primeiras cidades criadas no Estado, e ao direito ao sossego dos moradores da área central da cidade, especialmente na Rua Almirante Alexandrino, conhecida como Calçadão, e adjacências.
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A juíza Magali Wickert de Oliveira indeferiu, no dia 5 de abril, o pedido de suspensão das obras em caráter de urgência, por meio de concessão da antecipação da tutela, assim como a retirada da placa afixada na fachada do prédio do Clube Literário e os pedidos inerentes à fiscalização de aglomeração de pessoas e produção de poluição sonora no local.
Inconformada com a decisão da juíza, a promotora Christine Mendes Ribeiro Grehs interpôs o agravo de instrumento no Tribunal de Justiça, com pedido de antecipação de tutela recursal, requerendo a suspensão das obras de intervenção na Almirante Alexandrino, com previsão de rua coberta, até a aprovação do projeto de revitalização pelo Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico (Depharp), bem como a apresentação do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), que afaste danos aos moradores, à paisagem urbana e ao patrimônio natural e cultural da rua, nos termos previstos na Lei do Plano Diretor e no Estatuto da Cidade.
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A promotora ainda solicitou a retirada da placa afixada na fachada do prédio do Clube Literário e que faz referências às obras pela Prefeitura, diante da descaracterização do bem histórico. O local das obras de intervenção da Prefeitura faz parte da área histórica de Rio Pardo, definida em poligonal, declarada integrante do patrimônio cultural do Estado, de acordo com lei de 2002, de autoria do ex-deputado estadual Bernardo de Souza.
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Os trabalhos estavam ocorrendo bem em frente ao Clube Literário e Recreativo, inaugurado em 1909. Do outro lado da rua encontra-se o imponente Sobrado Raul Silveira e no trecho da rua também está o prédio Solar Almirante Alexandrino, edificação mais antiga da cidade, de 1790.
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O Município informou junto ao autos do agravo de instrumento que o Depharp promoveu a “competente análise técnica a respeito da obra de requalificação/revitalização da Rua Almirante Alexandrino, bem como realizou o Estudo de Impacto de Vizinhança e retirou a placa junto ao prédio do Clube Literário”. Alegou que a requalificação da Almirante Alexandrino é apenas numa extensão de 300 metros, salientando que a rua tem extensão de 1,2 quilômetro, e sustentou os benefícios que a intervenção vai trazer à área.
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Diante disso, requereu o desprovimento do agravo. Em relação à decisão desta semana da 3a Câmara Cível do Tribunal de Justiça, a administração municipal informou, por meio da assessoria, que a manifestação se dará nos autos do processo judicial.
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No julgamento, os desembargadores da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça seguiram o voto do relator, Leonel Pires Ohlweiler, em dar parcial provimento ao agravo de instrumento diante dos argumentos delineados pelo Ministério Público, na função de preservação do patrimônio histórico, cultural e de efetividade dos princípios constitucionais da administração pública.
“Considerados os documentos existentes e tendo o ente público apresentado contestação, há probabilidade do direito invocado pelo Ministério Público, diante dos indícios de que a obra poderá afetar os prédios tombados. Já o perigo de dano decorre do risco da obra ser finalizada sem ter atendido à legislação pertinente”, argumentou o relator.
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Diante disso, o desembargador justificou que a melhor medida, para evitar maiores prejuízos no futuro, seja a suspensão das obras até que o processo na origem seja instruído, podendo ser determinada perícia judicial, de ofício ou a requerimento das partes, a fim de constatar se as intervenções prejudicam ou não o entorno dos prédios tombados.
“A concessão da medida, é importante ressaltar, não implica irreversibilidade. Pelo contrário, a não concessão é que poderia ensejar a construção de uma rua coberta que, no futuro, pode-se entender que foi construída de forma indevida e que sua estrutura afronta a legislação de proteção ao patrimônio histórico cultural”, argumentou.
O relator ainda registrou que até o momento não há notícia nos autos de que o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural recebeu o projeto de revitalização para análise dos impactos de ambiência e visibilidade no entorno do bem tombado estadual, bem como se aprovou o projeto ou não.
“Além disso, há de se considerar que as obras iniciaram sem autorização, o que implicaria demolição da obra ou retirada de projeto e multa, nos termos do art. 18, do Decreto-Lei Federal no 25/37”, observa Leonel Pires Ohlweiler no despacho. “A realização de obras que, eventualmente, venham a desrespeitar as normas legais não só acarreta a necessidade de reparação dos danos patrimoniais, como também gera gastos públicos significativos”, complementa.
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A promotora de Justiça, Christine Mendes Ribeiro Grehs, justificou na ação que os imóveis lindeiros, inventariados ou tombados como patrimônio histórico, não podem continuar expostos aos riscos decorrentes da realização de obras sem a autorização do órgão competente e sem Estudo de Impacto de Vizinhança. “O histórico de poluição sonora e perturbação do sossego no local é de longa data. Logo, é urgente que tais situações cessem, a fim de evitar maiores prejuízos ao meio ambiente e ao direito ao sossego das pessoa”, argumentou.
Observa que o provimento da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça é parcial, pois ela também solicitou que a Prefeitura retirasse a placa de divulgação das obras na fachada do Clube Literário e Recreativo. O procedimento já ocorreu, depois que a promotora ingressou com o agravo de instrumento no Tribunal de Justiça.
Incomodado com os constantes problemas de perturbação ao sossego público, o advogado Renan Klein Soares faz parte do grupo de moradores do entorno da Rua Almirante Alexandrino que recorreu ao Ministério Público em busca de uma solução. Afirma que os habitantes da área não são contra a obra de revitalização, mas temem que a estrutura metálica prevista resulte em aumento ainda maior na poluição sonora e interfira no patrimônio histórico.
O advogado explica que o problema da poluição sonora existe no local há mais de dez anos. Além da música em alto volume de alguns estabelecimentos comerciais até altas horas da madrugada, muitos motoristas estacionam na área com o som alto. Soares lembra que o Ministério Público iniciou reuniões semanais com a Brigada Militar (BM) e Prefeitura para tentar resolver o problema de forma amigável.
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Após quase um ano, houve avanço com a intensificação da fiscalização pela BM, mas a Prefeitura deixou a desejar em relação ao controle dos estabelecimentos comerciais com som alto. Diante disso, o Ministério Público ingressou com uma ação civil pública.
Ao mesmo tempo, a notícia sobre o projeto de construção de uma estrutura metálica na Rua Almirante Alexandrino trouxe ainda mais apreensão entre os moradores, pois eles temem que a nova obra vá aumentar a frequência de pessoas no local. Além dos prédios históricos, o advogado afirma que se trata de uma área residencial e, apesar de haver regulamentação municipal definindo o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais no calçadão, a medida não é respeitada por falta de fiscalização.
“Houve moradores que mudaram o quarto de lado nas casas, trocaram as janelas e pessoas que tinham locado imóveis se transferiram para outro local por causa dos problemas de poluição sonora”, conta Soares. Observa que alguns proprietários de imóveis optam pelo anonimato com receio de represálias.
O procurador de Justiça Luiz Fernando Calil de Freitas defende que a única maneira de usufruir dos bens culturais é por meio do acesso à população quando o poder público os conserva, por isso tem o dever de cuidar da proteção do patrimônio com valor histórico. Ele foi o responsável pela manifestação durante a sessão virtual de julgamento no Tribunal de Justiça do Estado.
Calil de Freitas se embasou em parecer do procurador de Justiça Eduardo Roth Dalcin, que se posicionou pela concessão da medida acautelatória de suspensão das obras até o final do julgamento da ação. Além disso, destacou que a solicitação da promotora Christine Mendes Ribeiro Grehs foi bastante fundamentada, pois tem grande conhecimento sobre o patrimônio da cidade.
No dia do julgamento, houve a manifestação do procurador de Justiça Luiz Fernando Calil de Freitas por meio de um vídeo. A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça acolheu o pedido de suspensão das obras por entender que elas dependiam de providências que não foram tomadas quanto ao possível impacto na vizinhança e nos prédios históricos, com risco de descaracterização destes.
“Há preocupação com a visibilidade das fachadas. A lei protege os prédios históricos por razões estéticas, o que também envolve o entorno, para que as pessoas possam usufruir desse patrimônio”, explica Calil de Freitas.
O procurador, que também é professor universitário de Direito Constitucional, ressalta que a cultura é um direito fundamental da população. “Por isso é necessário fazer o tombamento e permanecer atento para não permitir a descaracterização dos prédios históricos”, afirma.
Acrescenta que Rio Pardo possui um valor histórico e cultural muito grande por ser um dos municípios mais antigos do Estado. Com o embasamento obtido para o parecer do Ministério Público em segundo grau, frisa que foi possível reverter no Tribunal de Justiça do Estado uma questão que se encaminhava para ser perdida.
A promotora de Justiça de Rio Pardo, Christine Mendes Ribeiro Grehs, informou que estudou a doutrina da coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público, Ana Maria Moreira Marchesan, para embasar as ações relacionadas ao patrimônio histórico. Ela possui mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSM), onde defendeu em 2006 a dissertação A tutela do patrimônio cultural sob o enfoque do direito ambiental: uma abordagem transdisciplinar.
Ana Maria explica que tem uma relação afetiva com Rio Pardo, onde morou até os 5 anos e fez diversas visitas posteriores. Sobre a intervenção na Rua Almirante Alexandrino, diz que os bens culturais precisam de proteção e respeito ao seu valor para haver maior visibilidade para se comunicarem com a população. Isso se estende ao seu entorno.
Para a sustentabilidade dos prédios históricos, defende novos usos, não apenas culturais. “É preciso se dar conta que podem servir de moradias, comércio, hotelaria e para outras finalidades, podendo a comunidade conviver com o patrimônio cultural”. Cita como exemplo a cidade de Tiradentes (MG), onde houve essa harmonização e todos querem investir nesse local.
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O coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias, Cláudio Ari Pinheiro de Mello, também colaborou com a ação ao disponibilizar o arquiteto William Mog, Este fez um estudo técnico sobre as intervenções indevidas que a Prefeitura de Rio Pardo estava implantando na Rua Almirante Alexandrino.
A assinatura do início das obras de revitalização da Rua Almirante Alexandrino ocorreu no dia 2 de abril, em solenidade ao lado do Clube Literário e Recreativo. A primeira medida foi a retirada do ponto de táxi, tradicional no cruzamento, que passou para a quadra ao lado da Prefeitura, na Almirante Alexandrino. A Casa do Artesão passou a funcionar junto ao Centro Regional de Cultura.
Os canteiros no passeio público na quadra entre a Rua Andrade Neves e a Rua São Franscico foram removidos, com o corte das árvores na área. A calçada foi reformada em frente ao Solar do Almirante, com a eliminação do canteiro que existia no local.
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Mesmo com a ação civil ajuizada pelo Ministério Público na Justiça em abril deste ano, os trabalhos de revitalização da Almirante Alexandrino continuavam em andamento nas últimas semanas. Por determinação da promotora de Justiça Christine Mendes Ribeiro Grehs, a oficiala do Ministério Público Cristiane Oliveira realizou, no dia 16 de agosto, a verificação e levantamento fotográfico no local.
Ela constatou que os serviços encontravam-se em execução no trecho entre os prédios históricos do Clube Literário e Recreativo e o Sobrado Raul Silveira, bem como no outro extremo, onde está o Solar Almirante Alexandrino. Na área também existe prédio residencial.
A oficial relatou que verificou a presença de caminhão de concreto e maquinário em operação no momento da diligência, bem como a presença de cerca de cinco operários em trabalho. Constatou ainda que há trechos com pavimentação nova e outros em construção, nos quais foi possível visualizar a existência de estruturas metálicas e escavações.
Na última segunda-feira, a Prefeitura anunciou o início da arborização dos canteiros da via pelas equipes responsáveis pela obra. Para isso, foram escolhidos exemplares das espécies palmeira imperial, pata de vaca, manacá da serra e sibipiruna, definidas por meio de estudos técnicos feitos por especialistas, conforme informação da administração municipal.
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