Julgadores julgados

O Senado poderá votar nesta quarta-feira, 6, um requerimento, que já tem assinaturas suficientes de mais de um terço dos senadores, para ouvir o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, sobre em que bases legais ele fundamenta os inquéritos que está conduzindo como relator. O autor do requerimento, senador Eduardo Girão (Podemos, Ceará), argumenta que os inquéritos não obedeceram ao devido processo legal, num caso onde quem se considera vítima é também condutor dos inquéritos, autor da denúncia, julgador e executor de sentença. O Supremo, por 9 a 2, acaba de endossar a condução de Moraes no caso do deputado Daniel Silveira. O voto contrário do ministro Nunes Marques, acompanhado pelo ministro André Mendonça, argumenta que o Código de Processo Penal (art. 319) não prevê multa nem bloqueio de bens como medidas cautelares.

Estou em Brasília há 46 anos, sempre acompanhando de perto o Supremo. Lembro-me do tempo em que os juízes atravessavam a ruela que separa seus gabinetes do prédio do plenário, sob o olhar respeitoso dos circunstantes. Hoje, ministro do Supremo só sai com segurança reforçada. Ainda há poucos anos, o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, costumava encontrar-se com amigos para um trago em conhecidos botecos, e só recebia aplausos. Quando as sessões plenárias passaram a aparecer na TV Justiça, as câmeras despertaram as personalidades. Popularidade buscada, trouxe com ela também o preço de os julgadores se tornarem julgados.

Saudades de presidentes como Néri da Silveira, com hábitos de juiz dinamarquês: vivia modestamente e passava sua própria roupa – comentávamos entre nós, jornalistas. O tempora! Tempos do presidente Moreira Alves, que ensinava que o Supremo pode negar leis que não encontrem acolhida na Constituição, mas não pode inventar normas legais, com o pretexto de que o Legislativo não fez a sua parte. Semana passada, falando a um auditório da Justiça Militar da União, aí incluídos juízes do STM, o ministro Ives Gandra Martins Filho, ex-presidente do TST, criticou a politização do Judiciário, segundo ele, da base ao topo: “Judiciário politizado é Judiciário prostituído”.

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O ministro Gandra antecipou temas de perguntas que certamente os senadores farão a Alexandre de Moraes, se o convite for aprovado: “Cláusulas pétreas não podem ser atropeladas; abrir inquérito de ofício não existe, assim como criar crime não tipificado na lei”. Tempos difíceis para o Judiciário. “É uma pandemia de ativismo” na opinião do ministro Gandra. Segundo ele, o voluntarismo primeiro apresenta uma decisão da cabeça do julgador, depois faz malabarismo jurídico para justificar a sentença. Vimos isso no julgamento de Dilma no Senado. O mesmo Senado que vai precisar agora dar uma resposta. Os senadores vão ter que decidir se funcionam como poder moderador, para proteger a liberdade democrática. E é bom lembrar que poder moderador não pode ser parte do problema, e sim solução.

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