Pouco mais de três anos depois de renunciar o auxílio-moradia, o juiz da 1ª Vara Federal do Trabalho, Celso Karsburg, voltou a ser notícia em todo o País. Ele, que é de Santa Cruz do Sul e mora no município, foi o primeiro juiz a recusar o benefício, em 2014, e anunciou a decisão por meio de um artigo publicado na Gazeta do Sul (leia, na íntegra, abaixo).
Na época da publicação, Karsburg questionou como o benefício seria concedido e afirmou que era uma “gratificação imoral”. “Como ficam os juízes que residem na comarca e em residência própria? Irão receber a gratificação? Sob a justificativa de que a União não fornece a residência? E os casais, quando ambos forem juízes, qual deles receberá o auxílio-moradia? Receberão ambos? De minha parte, apenas uma certeza. Desde já renuncio ao recebimento da “gratificação”, por considerá-la imoral, indecente e antiética. Não quero migalhas recebidas por vias transversas e escusas. Quero apenas o mínimo que a Constituição Federal me assegura para exercício de meu cargo com dignidade. A reposição da inflação anualmente. Nada mais do que isso”, dizia o juiz no artigo.
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Em entrevista à Rádio Gazeta na manhã desta sexta-feira, 9, Celso explicou que o auxílio-moradia existe desde 1979, mas que, inicialmente, teria uma finalidade específica, já que os juízes são obrigados a residir na comarca onde atuam. No entanto, há quase quatro anos, como o subsídio dos juízes não foi reajustado, os profissionais procuraram um meio alternativo para a reposição salarial. Com isso, o benefício passou a ser pago indistintinamente para todos os juizes. “Para mim, você não pode compensar uma coisa com a outra. Um erro não justifica o outro. E da forma que foi deferido, se constitui, na minha opinião, como um desvio de finalidade puro”, afirmou.
Karsburg contou ainda que nunca chegou a receber o benefício, já que logo entrou com um requerimento renunciando ele. “Foi uma opção consciente. Fui criado assim”, disse. De acordo com ele, atualmente, o salário básico de um juiz titular é de cerca de R$ 27 mil, mais benefícios. Além do de moradia, também seria pago o de alimentação. “Os juízes recebem auxílio-alimentação de R$ 800,00, que também recusei”.
O assunto tem sido discutido nas últimas semanas devido ao fato de que o juiz Sérgio Moro, que possui um apartamento de luxo em Curitiba, recebe o recurso, cujo valor padrão é de R$ 4.177,00. Quem conta com o benefício, inclusive Moro, justifica que ele compensa a defasagem do salário, que não foi mais reajustado. Nessa quinta-feira, 8, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), agendou para março a votação do projeto que regulamenta o recebimento do auxílio-moradia para autoridades dos Três Poderes. Já o deputado Rubens Bueno (PPS-PR) quer propor acabar com o pagamento para juízes e membros do Ministério Público que tiverem domicílio de trabalho fixo.
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Confira o artigo na íntegra:
Auxílio-moradia para juízes
“Recente decisão de ministro do Supremo Tribunal Federal, concedendo indistintamente o auxílio-moradia a todos os magistrados do País, repercute gerando acirradas controvérsias e indignação. Apenas para relembrar. Depois de anos de luta, a magistratura conseguiu a instituição do subsídio a que se refere o § 4º do artigo 39 da Constituição Federal, sendo que o critério para correção deste – anual – se encontra fixado no inciso X do artigo 37. Com a instituição do subsídio, visava-se tornar mais transparente a forma como a magistratura é remunerada e acabar com toda a sorte de ajuda-disto e auxílio-daquilo pagos indistintamente. A Lei Orgânica da Magistratura, promulgada em 14/3/1979, no artigo 65, por sua vez, entre outras vantagens, prevê o pagamento de “ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado”.
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É fato notório, também, que desde 2006 o Poder Executivo não vem concedendo reposição salarial plena – e não está a se falar em aumento salarial, apenas reposição das perdas causadas pela inflação – a que se refere o artigo 37 supracitado, o que vem levando à exasperação não somente a magistratura mas também todos os servidores públicos abrangidos pelo artigo em questão, em evidente desrespeito à Constituição Federal.
A partir dessas constatações, uma indagação. Se desde 1979 já existia o direito ao recebimento do auxílio-moradia, por que somente agora, passados 35 anos, alguém se lembrou de requerer seu pagamento? Será que ninguém percebeu que esse direito estava ao alcance de todos os juízes mas que, por alguma insondável razão de bondade, não foi exercido durante todo esse tempo? À evidência que não. E a resposta é simples. Porque durante todos estes anos o pagamento da vantagem, indistintamente a todos os juízes, era visto como algo indevido, para não dizer absurdo, imoral ou antiético. E somente deixou de assim ser visto quando a magistratura percebeu que o Poder Executivo não iria conceder a reposição do poder aquisitivo causado pela inflação que ele mesmo produz.
Portanto, digam o que quiserem dizer: o pagamento do auxílio-moradia, indistintamente a todos os juízes, ainda que previsto na Loman, é uma afronta a milhões de brasileiros que não fazem jus a esse “benefício” e na realidade se constitui na resposta que um Poder – o Judiciário – deu a outro – o Executivo – porque este não cumpriu sua obrigação de repor o que a inflação havia consumido. É uma disfarçada e espúria concessão de antecipação ou reposição salarial por “canetaço” ante a inércia do governo federal – que tem dinheiro para construir portos para regimes políticos falidos, perdoar dívidas de outros tantos, que deixa bilhões escorrer entre os dedos das mãos nos incontáveis casos de corrupção que diariamente são noticiados – mas não tem dinheiro para repor as perdas causadas pela inflação, nem para remunerar de forma digna a magistratura.
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Outras perguntas. Se o Poder Executivo continuar não concedendo a reposição da inflação nos próximos anos – continuando a demonstrar, assim, o seu desprezo para com a magistratura – a PEC 63/13, que institui a parcela indenizatória de valorização do tempo de serviço (ATS), também será atropelada por liminar do STF fazendo valer o inciso VII do mesmo artigo 65 da Loman antes já mencionada, que prevê o pagamento de gratificação adicional de 5% por quinquênio de serviço, até o máximo de 7?
Como ficam os juízes que residem na comarca e em residência própria? Irão receber a gratificação? Sob a justificativa de que a União não fornece a residência? E os casais, quando ambos forem juízes, qual deles receberá o auxílio-moradia? Receberão ambos? De minha parte, apenas uma certeza. Desde já renuncio ao recebimento da “gratificação”, por considerá-la imoral, indecente e antiética. Não quero migalhas recebidas por vias transversas e escusas. Quero apenas o mínimo que a Constituição Federal me assegura para exercício de meu cargo com dignidade. A reposição da inflação anualmente. Nada mais do que isso.”
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