Cerca de oito anos depois que os primeiros imigrantes alemães chegaram à Colônia Santa Cruz (ou 34 anos após a fixação dos pioneiros em São Leopoldo), outro projeto de colonização se efetivou em território brasileiro. E bem longe do Sul do País. Nesse caso, em 1858,1.193 imigrantes subiam a serra do Rio de Janeiro e, via Petrópolis, chegavam a Juiz de Fora, a 180 quilômetros da então capital do Império brasileiro. Do grupo, 277 eram tiroleses, sendo, por sinal, a primeira experiência de fixação de cidadãos dessa origem no continente americano.
Na localidade, que acabara de ser elevada de vila a cidade, foram alocados a Oeste do núcleo urbano, e hoje vários bairros compreendem o que foi a colônia alemã, com destaque para três (São Pedro, Borboleta e Fábrica). O projeto foi nomeado de Dom Pedro II (homenagem ao monarca), mas depois passou a ser chamado de Colônia São Pedro. Um livro lançado em 2018 pela jornalista Rita Couto, por ocasião dos 160 anos da colonização alemã local, recupera essa história.
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Ao contrário da proposta de colonização colocada em prática no Rio Grande do Sul, patrocinada pelo governo imperial brasileiro, com a preocupação de povoar áreas ainda pouco habitadas, a iniciativa da instalação da Colônia Dom Pedro II (depois São Pedro), em Juiz de Fora, partiu de um empresário. No caso, de Mariano Procópio Ferreira Lage (1821-1872), que nascera em Barbacena e se encarregara de construir a primeira estrada pavimentada do País, que ligaria à capital do Império.
Assim, Procópio uniu dois interesses: demarcar uma colônia, comercializando lotes (de quase 100 hectares) a imigrantes alemães, e, ao mesmo tempo, empregar parte desses colonos como mão de obra, mais especializada do que a disponível nas cercanias, nas obras de abertura da via.
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Ainda que apenas um único grupo de colonos tenha chegado à região (de 1.193 pessoas, entre alemães e tiroleses, estes perfazendo 25%), as marcas que ele deixou na realidade regional foram expressivas. Tanto que, conforme a jornalista Rita Couto, autora de livros sobre a Colônia São Pedro, estima-se hoje em cerca de 80 mil os descendentes advindos daqueles pioneiros. Formam um grupo que espalha sua influência na cultura e na socioeconomia dessa cidade de cerca de 500 mil habitantes.
Eles contribuíram sobremaneira, inclusive com seu empreendedorismo na indústria (com cervejarias em destaque), ponto de Juiz de Fora ter sido considerada a maior economia de Minas Gerais nos primeiros anos do século 20, e a segunda maior em todo o Brasil, atrás apenas de São Paulo, como frisa Rita. Natural de Cataguases, ela se fixou em Juiz de Fora e se formou em Comunicação Social. Por volta de 2005, teve sua curiosidade atraída justamente por essa marca alemã em território mineiro, algo obviamente não comum por lá, como seria no Sul. E então decidiu estudar essa peculiaridade.
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Um dos primeiros aspectos que costumam chamar a atenção de forasteiros em Juiz de Fora são casas de tijolo aparente. São uma marca diferenciadora que remete ao estilo de construção adotado pelos colonos alemães que chegaram à região em 1858, e destoam do modelo de arquitetura presente em outras cidades mineiras. Essas casas de tijolo estão espalhadas por aquele que constituía o território da colônia, a Oeste.
Conforme a jornalista Rita Couto, em suas pesquisas que resultaram no livro São Pedro: o coração da colônia alemã de Juiz de Fora, os lotes demarcados e negociados por Mariano Procópio estavam situados muito próximo do núcleo urbano já existente (apenas a cerca de cinco quilômetros). Isso contribuiu para que a colônia rapidamente interagisse com a cidade, e para que, posteriormente, as famílias alemãs vissem diluída a sua identidade.
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Isso não significa que os descendentes não seguissem cultuando hábitos e costumes. A ponto de a cidade dispor do Instituto Teuto-Brasileiro William Dilly, que Rita atualmente preside. Dilly, por sinal, é o sobrenome de uma das grandes referências em pesquisa histórica regional, o professor Roberto Dilly, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que em breve deve lançar obras sobre a temática. Rita mantém forte interlocução com ele, em seus estudos. O instituto preserva o maior acervo histórico a respeito da presença alemã na região, constituído de fotografias e objetos.
Além disso, continua em franca atividade a Associação Cultural e Recreativa Brasil Alemanha, esta no Bairro Borboleta, que mantém grupo de dança. Com tamanha mobilização, a Festa Alemã de Juiz de Fora, realizada em setembro, atrai visitantes, determinados a saborear a gastronomia germânica. O evento é considerado patrimônio cultural imaterial da comunidade. Mesma condição foi alcançada por um elemento culinário trazido pelos imigrantes, o pão branco, atualmente denominado de pão alemão, e cuja receita original é, dentro do possível, preservada por muitas famílias.
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Estas, além de ostentar sobrenome alemão, já não chegam a praticar a língua, ainda que sejam implementadas iniciativas como cursos, para que descendentes (e outros interessados) se aprimorem no idioma. Entre as entidades que fomentam esse resgate está o Werther Institut. E Rita lembra que importantes ramos industriais, como fundições e fábricas de ferramentas e de insumos agrícolas, são remanescentes das iniciativas dos pioneiros.
Há cerca de duas décadas a jornalista mineira Rita Couto ocupa-se de investigar os vestígios da colonização alemã em Juiz de Fora. Ainda que o grupo de imigrantes não tenha sido tão numeroso como o foi em todo o Sul do Brasil, muitas foram as contribuições deixadas à posteridade pelos germânicos que se fixaram na cidade em 1858.
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Na condição de jornalista, ela passou a pesquisar sobre a Colônia de São Pedro e transformou suas descobertas em dois livros. O primeiro é Santana: uma capela tirolesa na colônia alemã de Juiz de Fora, seguido de São Pedro: o coração da colônia alemã de Juiz de Fora. Tanto ela se interessou e se entusiasmou com os inúmeros elementos associados ao tema que apostou em um mestrado em História. Que se transformou imediatamente em doutorado, tamanho o grau de convencimento de seu projeto.
Ela entende que os esforços de recuperação e, se possível, preservação dos vestígios advindos da imigração alemã urgem porque as gerações novas perdem suas referências sobre a participação dessa etnia na formação local. Ocorre que o próprio campus da UFJF foi implantado na zona oeste da cidade, justamente no espaço que originalmente sediou a colônia alemã. Num primeiro momento, estudantes que vinham de outras regiões do Estado ou do País para frequentar aulas na instituição optavam por se instalar no centro da cidade.
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No entanto, na medida em que o mercado imobiliário descobriu o filão que constituíam os empreendimentos de moradia próximo à UFJF, mais e mais alunos passaram a residir próximo do campus. Com isso, em poucos anos as tradicionais casas de tijolos à vista das famílias alemãs cederam lugar a prédios residenciais modernos, e parcelas importantes do passado vão sendo postos abaixo, ou eliminados. Com os prédios, os próprios descendentes de alemães vão se afastando geração a geração de seus costumes e tradições. Ou negociando seus terrenos, remanescentes dos antigos lotes coloniais.
Permanecem como pontos de convergência as igrejas luteranas, elemento nítido a remeter à presença alemã, de religião protestante, na cidade.
Em 2004, uma equipe da Gazeta do Sul esteve em Juiz de Fora em pesquisa para o livro Terra de bravos, alusivo aos 200 anos da imigração alemã no Brasil, que foi lançado pela Editora Gazeta. O roteiro incluiu visitas às igrejas luteranas, que congregam as comunidades ainda identificadas com a imigração alemã.
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Rita refere que alguns hábitos alimentares germânicos hoje se revelam amalgamados com a forte marca da rica gastronomia mineira. Ela cita, por exemplo, uma senhora de idade com quem conversou e disse lembrar-se de um prato chamado Sauerkraut (chucrute). E então afirmou que ela adorava comer Sauerkraut misturado com angu, este típico de Minas. Ainda persistem os biscoitos e, claro, o pão alemão, declarado um patrimônio imaterial da cidade.
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