As tantas sementes que a pioneira em agroecologia no mundo, a engenheira agrônoma Ana Primavesi, lançou nos últimos anos germinaram na região e atualmente florescem entre escolas agrícolas, espaços de comercialização de produtos agroecológicos e lavouras de agricultores. No fim do ano passado, apenas em Santa Cruz do Sul surgiram dois novos locais onde os consumidores encontram frutas, verduras e derivados fresquinhos e saudáveis, constituindo-se em uma alternativa de renda para as pequenas propriedades.
O termo agroecologia surgiu a partir dos estudos e ensinamentos em defesa de uma agricultura ecológica de Ana Primavesi, que morreu na madrugada do último domingo, em São Paulo. Ela sofria de problemas cardíacos. Nascida na Áustria, em 1920, Ana formou-se em seu país de origem e veio para o Brasil com o marido após a 2ª Guerra Mundial. Ela foi professora da Universidade Federal de Santa Maria, onde contribuiu para a organização do primeiro curso de pós-graduação em agricultura orgânica. Também é a fundadora da Associação da Agricultura Orgânica (AAO) e, ao longo de sua carreira, recebeu uma série de prêmios, como o One World Award, da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (Ifoam). A pesquisadora lançou um site em 3 de outubro do ano passado, quando completou 99 anos, que reúne toda a sua obra.
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A exploração desse nicho envolve cada vez mais jovens, com o estímulo de escolas voltadas para a difusão de conhecimentos nesta área do mercado. No fim de novembro e início de dezembro, um grupo de produtores ligados à Cooperativa Regional de Agricultores Familiares (Ecovale) e feirantes da feira pedagógica da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc) e da Feirinha Jovem de Boa Vista realizou as primeiras experiências de comercialização no campus da sede da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Em poucos minutos a banca ficou sem mercadorias. Com o sucesso nas duas edições, a venda no espaço deve voltar em 2020 após o retorno das aulas.
Experiência na produção entusiasma os alunos
Moradoras de localidades diferentes no interior de Santa Cruz do Sul, Andressa Thaís Sehnem e Viviane Kurtz, ambas de 15 anos, tiveram algo comum em 2019, no primeiro ano de frequência do ensino médio Técnico em Agricultura na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc). Elas se tornaram assíduas fornecedoras de verduras e frutas para a feira pedagógica da instituição. Andressa e Viviane começaram a produção em áreas experimentais na horta já existente na propriedade dos pais e aos poucos aumentaram o cultivo. Agora, no recesso das aulas, fazem planos para o plantio de variedades para venda tão logo ocorra o retorno à escola, em março.
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Os pais de Andressa, Paulo André e Rosane Teresinha, tinham experiência na produção de verduras, com a comercialização para o hortoatacado de Santa Cruz do Sul há quase duas décadas. Mas pararam com a atividade por falta de sistema de irrigação e seguiram com a produção de tabaco. Há oito anos, também se dedicam à venda de leite na propriedade de 15 hectares em Linha João Alves. Os canteiros na horta ficaram restritos às verduras para o consumo da família até Andressa iniciar, no ano passado, a área experimental de 100 metros quadrados.
A estudante conta que nos primeiros meses observou o trabalho na feira pedagógica da escola, até a realização de uma visita técnica dos professores à propriedade estimular a oferta do excedente de frutas e verduras e a criação da área experimental. Andressa também implantou uma composteira e usa biofertilizantes e repelentes para as pragas com produtos da própria propriedade. Nas segundas-feiras, quando volta para a escola, tem a ajuda do pai no transporte dos produtos. Explica que em um mês conseguiu obter até R$ 150,00 com a venda de produtos na feira pedagógica.
A horta na propriedade aumentou em mais 60 metros quadrados com o início do cultivo de repolho, alface, espinafre, nabo, cenoura, rabanete e outras verduras e nova área. Na propriedade também há uma plantação de abacaxi. “Não imaginava que já no primeiro ano de aula na Efasc começaria a vender produtos que eu cultivei”, afirma Andressa. Ela planeja instalar neste ano tela sombrite na horta e usar irrigação.
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Produção ajuda a pagar anuidade na escola em 2019
A estudante Viviane Kurtz começou o cultivo experimental para a aula da disciplina de Produção Agropecuária em um canteiro com 20 pés de repolho roxo e verde e 100 pés de alho. No mês de abril do ano passado levou para a feira pedagógica mamão, alface, aipim descascado, batata-doce e amendoim. Na primeira experiência de comercialização obteve R$ 21,00. Aos poucos, com o incentivo e ajuda dos pais Elaine e Alberto Astor Kurtz, aumentou a produção e no fim do ano passado conseguiu R$ 130,00 em um dia. Nos nove meses de feira somou R$ 1.750,00 com a venda de frutas e verduras, valor suficiente para pagar a anuidade da escola.
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O plantio das primeiras hortaliças ocorreu com sementes adquiridas pelos pais de Viviane. Mas aos poucos obteve mudas de vizinhos e durante as aulas aprendeu a fazê-las na própria propriedade. Os pais revelam o entusiasmo da filha com a atividade ao lembrarem que chegou a faltar espaço na área experimental para todas as mudas de beterraba. O que antes não passava de um barranco com terra magra ao lado do acesso à casa, em Linha Antão, no distrito de Monte Alverne, interior de Santa Cruz do Sul, atualmente virou uma horta com os mais variados produtos. Viviane também ganhou um kit de produtos do programa Quintal Orgânico para o plantio.
O adubo e o repelente são obtidos com produtos existentes na propriedade e Viviane também usa a técnica de compostagem. Nestas férias pretende implantar um minhocário. No primeiro ano de experiência na produção de hortaliças agroecológicas ainda aprendeu a fazer conserva para o aproveitamento do pepino excedente. E desde junho ela aproveita os encontros de bolão, quermesses e outras festas na comunidade para oferecer os produtos.
Viviane já ensinou aos pais e outros familiares diversas técnicas que aprendeu na escola. A propriedade em Linha Antão tem 33,3 hectares e a principal atividade é o cultivo de tabaco. A jovem começou ainda em dezembro o preparo dos canteiros para ter verduras disponíveis para a feira pedagógica no retorno às aulas em março. E, além dos pais, conta com o auxílio da irmã Larissa, de 12 anos, que também planeja estudar na Efasc após concluir o ensino fundamental. Viviane afirma que a tendência é seguir com produção agroecológica no futuro e trabalhar na agricultura.
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Qualificação técnica
O monitor da Efasc, João Paulo Reis Costa, afirma que a área de Produção Agropecuária da escola a cada dia se qualifica mais. “Isso faz com que esses profissionais estejam em permanentes estudos, trazendo para a área experimental uma série de técnicas de compostagem e produção de biofertilizantes à base de esterco e urina de vaca, assim como de caldas que possibilitam o aproveitamento de muita coisa que ia fora na propriedade”, explica. O estudo pelas áreas do conhecimento na escola, conforme Costa, permite aos jovens teorizar e praticar ao mesmo tempo, experimentando em casa.
Curso de graduação qualifica geração de alimentos mais limpos na região
A unidade da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) de Santa Cruz do Sul oferece desde o começo do ano passado o curso de Bacharel em Agroecologia, desenvolvido a partir de convênio com a Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas (Agefa). Com duração de nove semestres, o conteúdo básico inclui tecnologia de produção de alimentos limpos; adequação da propriedade ao seu aproveitamento ideal para as condições ecológicas existentes na região; preparação para atuação junto à agricultura familiar e sistemas agroflorestais, dentre outros.
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As inscrições para as 30 vagas de ingresso deste ano ocorrem no período de 21 a 24 de janeiro pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), método do Ministério da Educação que usa as notas do Enem para a entrada em cursos gratuitos. A divulgação do resultado será no dia 28 de janeiro e as matrículas devem ser feitas na Uergs de 29 de janeiro a 4 de fevereiro. As aulas este ano iniciam na primeira semana de março.
O professor João Paulo Reis Costa, afirma que o curso é um ganho qualitativo sem precedentes na região, pois permite aos jovens que queiram ir em busca de qualificação, especialmente para produzir alimentos, que tenham uma graduação à sua disposição, gratuita e com esse foco. “Temos disciplinas de Vivências Integradoras Agroecológicas que, já no segundo semestre, exigem que os estudantes tenham que ir conhecer realidades de produção, passando por propriedades, entidades e experiências que trabalham, sobretudo, com produção orgânica e agroecológica na nossa região, produzindo sínteses muito valorosas para sua formação”, explica.
Egressa da turma de formandos da Efasc de 2016, Bruna Richter Eichler, de 20 anos, busca novos conhecimentos na área dos alimentos saudáveis no curso de Bacharelado em Agroecologia na Uergs, em Santa Cruz do Sul, ao mesmo tempo em que auxilia na organização da feira pedagógica da escola e é responsável pela entrega das encomendas no campus da Unisc. Afirma que a participação na feira é uma forma de materializar o que os alunos aprendem nos estudos. Natural de Linha Andréas, no interior de Venâncio Aires, conta que os pais cultivam tabaco e produziam verduras apenas para a subsistência. Na época que frequentou a escola agrícola recebeu um kit do projeto Quintal Orgânico.
Bruna passou a participar em 2015 da feira do Grupo de Agricultores Familiares Ecologistas O Eco da Vida, no Bairro Gressler, em Venâncio Aires. Com o curso de Bacharelado em Agroecologia na Uergs, explica que a ideia é compartilhar no futuro com mais pessoas os conhecimento da escola e da faculdade. No período das aulas leva os produtos da propriedade para venda na Efasc e nas férias volta a participar do ponto de vendas de produtos agroecológicos em Venâncio Aires.
Feira pedagógica abre o caminho para a comercialização de produtos
A agroecologia, aos poucos, se torna uma alternativa de renda e estímulo para a permanência no campo. A cada ano aumenta o número de alunos ou egressos do curso de ensino médio Técnico em Agricultura da Efasc e das outras instituições que atuam com a mesma pedagogia que comercializam produtos das propriedades diretamente para consumidores na feira pedagógica da própria instituição ou em outros pontos de venda na região.
As primeiras experiências ocorrem na feira pedagógica. Um dos coordenadores da escola, Antônio Carlos Gomes, explica que, além de concretizar a produção nas pequenas propriedades, a feira impulsiona a organização dos jovens por meio da prática. Explica que o primeiro passo é a geração de produtos para irem à mesa das famílias. O excedente ajuda no abastecimento de parentes próximos ou vizinhos. E por fim, a produção a mais é colocada à disposição para venda aos consumidores.
A Efasc adota a pedagogia da alternância, com uma semana de aulas na escola e outra de atividades dos alunos na propriedade familiar. Nos dez anos de existência, a instituição totaliza 254 egressos (200 meninos e 54 meninas). Desses, 229 têm vínculos diretos com a agricultura familiar, sendo agricultores, técnicos ou estudantes de áreas afins. Como agricultores, aproximadamente a metade trabalha na propriedade rural. Entre egressos, cerca de 180 jovens tiveram participação na feira pedagógica desde o início da experiência, no fim de 2013, e de forma efetiva em 2014.
O professor da área de produção agropecuária da Efasc e mestrando em agricultura orgânica na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Evandro da Rosa Silveira, responsável pelo processo da feira pedagógica desde o início, afirma que há espaço para a implantação de feiras em outros municípios. “Isso estimula muitos jovens a darem sequência ao trabalho nas propriedades dos pais”, observa. O monitor da Efasc e professor da unidade da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) em Santa Cruz do Sul, João Paulo Reis Costa, destaca que o trabalho com os jovens ajuda a constituir uma agenda regional do alimento livre de agrotóxicos. Observa que a maior parte do público consumidor da feira pedagógica tem acima de 45 anos de idade e mostra preocupação com a saúde. No entanto, a comercialização no campus da Unisc atinge um público de menor idade, entre 25 e 40 anos.
As vendas na feira pedagógica, entre abril e o final de novembro deste ano, movimentaram mais de R$ 20 mil, com o volume de 6,5 toneladas de alimentos livres de agrotóxicos, em 26 edições. O professor Antônio Carlos Gomes explica que 80% dos jovens que iniciam os estudos na Efasc nunca comercializaram alimentos. E a constituição do mercado faz parte do processo de aprendizagem, assim como a contabilização do que cada um vende. O planejamento também inclui o cálculo do custo da produção, com a avaliação de itens como a mão de obra e despesas com a adubação e combate aos insetos.
As ferramentas modernas de comunicação auxiliam no processo. A lista com os produtos e preços é disponibilizada até o meio-dia de todas as segundas-feiras para os seguidores da feira pedagógica e da Efasc nas redes sociais, para as encomendas. A entrega ocorre entre 18 horas e 18h30 no campus da sede da Unisc, principalmente para funcionários da instituição.
Feira orgânica
Poucos dias antes do Natal, no dia 20 de dezembro, ocorreu a inauguração da nova estrutura da Feira Orgânica, na Praça Hainsi Gralow, no Bairro Santo Inácio. No local, 12 produtores familiares que antes ofereciam produtos frescos das suas propriedades em local improvisado na Praça Ernesto Frederico Söhnle, na Rua Alberto Pasqualini, agora atendem nas terças, quintas e sábados, após o investimento de R$ 120 mil da Prefeitura. A tendência é aumentar nos próximos anos a oferta de produtos saudáveis do campo na região e em mais pontos de venda com a experiência que a nova geração de jovens agricultores adquire na feira pedagógica existente na Efasc, desde o fim de 2013, com a colocação de produtos dos alunos.
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