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José Falero e a diferença dos detalhes

Foto: Diego Apoli/ Divulgação/ GS

Quando tinha por volta de cinco anos, José Falero saiu da Lomba do Pinheiro, onde nasceu, e foi viver na Cidade Baixa, uma vez que seu pai havia arranjado um trabalho de porteiro. A migração da periferia de Porto Alegre para uma região de classe média descortinou para ele um universo desconhecido: um lugar com infraestrutura, bons serviços, relativa segurança e acesso a cultura e lazer. Foi nessa passagem da infância que Falero tomou consciência da estrutura social profundamente desigual em que estava inserido e que, anos mais tarde, se tornaria o mote do aclamado Os supridores (Todavia, 2020), um dos lançamentos de maior repercussão do mercado editorial brasileiro recentemente.

Finalista do Prêmio Jabuti em 2021, o romance segue dois jovens, Pedro e Marques, empregados como supridores em uma grande rede de supermercados. Após concluir que jamais conseguiriam melhorar de vida não importa o quanto suassem a camisa, eles resolvem começar a traficar maconha. Com isso, passam a experimentar uma qualidade de vida que até então parecia inalcançável. Um dos cenários é justamente a Lomba do Pinheiro, para onde Falero retornou depois de algum tempo e onde vive até hoje. Apesar dessas imbricações, o autor rejeita qualquer caráter autobiográfico: “É só uma história de ficção como outra qualquer”, disse, em entrevista por e-mail ao suplemento Magazine, da Gazeta do Sul.

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Para ele, a obra soa naturalista por romper com uma “tradição excludente” na literatura brasileira: trata-se de um livro que retrata a periferia por alguém que conhece, de fato, essa realidade, com todas as complexidades que tornam falaciosa, na sua avaliação, qualquer discussão sobre meritocracia. “Os supridores parece mais realista do que de fato é, e o que provoca essa ilusão é o fato de ele estar inserido no universo literário brasileiro, que historicamente prefere representar a classe média branca do que o povo.”

OS SUPRIDORES, de José Falero. São Paulo: Todavia, 2020. 304 páginas. R$ 59,90.

A diferença, conforme ele, reside nos detalhes. E isso Os supridores tem de sobra: com apenas 35 anos, Falero descreve habilmente os movimentos dos personagens e os ambientes nos quais circulam, oferecendo retratos cinematográficos aos leitores, com humor e ação – como em um eletrizante atentado ambientado na Vila Planetário, outra zona pobre da Capital. Parte desse êxito está na decisão de preservar a linguagem coloquial, com corruptelas, palavrões e gírias típicas das periferias. “A linguagem das periferias é rica, dinâmica, interessante, inteligente, expressiva. E é sobretudo legítima: todos os dias milhões e milhões de falantes deste país, incluindo eu, legitimam essa linguagem por meio do uso. Não havia razão pra eu promover o apagamento dessa linguagem”, observou.

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E é pela forma como alia o coloquialismo identitário ao domínio da norma culta e à reflexão social crítica que Os supridores – esnobado por editoras durante vários anos, segundo o autor – vem sendo recebido com entusiasmo pela crítica. Não por acaso, quando questionado sobre suas principais referências em literatura, cita o cânone Machado de Assis e o rapper Mano Brown, o poeta da periferia – embora seu livro preferido seja o clássico japonês Musashi, que conta a história do mais famoso dos samurais.

O êxito de Os supridores, que já teve os direitos vendidos para um projeto audiovisual, se dá em meio a um movimento de valorização de obras que permitem um olhar sobre as desigualdades, sejam sociais, raciais ou de gênero – vide os premiados e bem vendidos Torto arado, de Itamar Vieira Júnior, e O avesso da pele, de Jeferson Tenório. Para Falero, que reconhece o interesse crescente das editoras, isso é decorrente da ampliação do debate público sobre essas pautas, fruto das políticas de mobilidade social empreendidas nas últimas décadas no país. “Some a isso as redes sociais, que servem como facilitadoras para a difusão desses debates todos, e, como resultado, tu tem demandas que se tornam incontornáveis”, completou.

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Atualmente, Falero trabalha em um novo romance, com título provisório de Quase homem, no qual vai abordar outro tema espinhoso e urgente: a masculinidade tóxica.

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Confira a entrevista completa:

MAS EM QUE MUNDO TU VIVE?, de José Falero. São Paulo: Todavia, 2021. 289 páginas. R$ 51,00.


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