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LITERATURA

Jornalista venezuelana María Elena Morán visita a 35ª Feira do Livro de Santa Cruz

Escritora venezuelana María Elena Morán estará em Santa Cruz do Sul no dia 1o de maio | Foto: Rafael Trindade da Silva

A 35ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul e a 1ª Festa Literária Internacional, que começam nesta segunda-feira, 29, trarão um elenco de autores estrangeiros à cidade. Entre eles estará a jornalista e escritora venezuelana María Elena Morán, de 38 anos, uma das vozes responsáveis pela renovação da prosa latino-americana. Ela estará na Praça Getúlio Vargas na tarde da próxima quarta-feira, 1º, feriado do Dia do Trabalho.

Radicada em São Paulo, María Elena residiu por sete anos, entre 2012 e 2019, em Porto Alegre, cidade na qual efetivamente iniciou sua carreira na literatura e ampliou a formação nessa área. Em 2013 ingressou na Oficina de Criação Literária do professor e escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, e na sequência fez mestrado e doutorado em Escrita Criativa na PUCRS.

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A produção literária da venezuelana María Elena Morán tem forte relação com a sua temporada de residência em Porto Alegre. Ela nasceu em Maracaibo, em 27 de novembro de 1985. Ainda em seu país natal cursou Jornalismo, formando-se em 2007. Em 2012, foi se aperfeiçoar em Cuba; lá conheceu um gaúcho, que atuava na área do audiovisual, e começaram a namorar. Naquele mesmo ano decidiram-se por se fixar em Porto Alegre, que ela ainda não conhecia até então. Já na capital gaúcha, enquanto atuava como assistente do cineasta Beto Souza, decidiu investir no acalentado (desde a juventude, na Venezuela) plano de apostar na escrita ficcional.

O ingresso na oficina de Criação Literária do professor Luiz Antonio de Assis Brasil oportunizou a investida nessa área. Foi já no contexto das atividades do curso que começou a elaborar aquele que viria a ser seu primeiro romance, Os continentes de dentro, publicado pela editora Zouk, de Porto Alegre, em 2021.

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Agora, tem um segundo romance, Volver a cuándo, editado pela espanhola Siruela em 2023, presente em vários países. Editoras do mundo todo manifestam interesse em publicá-lo, e María Elena alimenta a expectativa de que venha a ser lançado em breve no Brasil. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Sul, ela reflete sobre sua produção e comenta a expectativa da vinda a Santa Cruz.

Morán, sobre a sua obra: “Minha escrita vem de algum desconforto com a realidade” | Foto: Rafael Trindade da Silva

Entrevista – María Elena Morán, escritora venezuelana

  • Magazine – Estiveste radicada por vários anos em Porto Alegre. O que determinou a escolha por morar na capital gaúcha e como avalias o Estado, seu povo e sua cultura a partir dessa convivência?
    Quando estava estudando cinema na EICTV, em Cuba, me apaixonei por quem é meu companheiro até hoje, um gaúcho de Passo Fundo. Quando nos formamos, optamos por vir juntos ao Brasil e pensamos em Porto Alegre como uma opção interessante para começar. O Rio Grande do Sul e Porto Alegre, particularmente, sempre foram muito acolhedores comigo, a minha vida lá esteve cheia de maravilhosas companhias, dentro e fora da literatura, e de ótimas oportunidades que não param de reverberar.
  • O que a levou a se fixar no Brasil e como é, atualmente, a relação com teu país natal?
    Eu vim pro Brasil em 2012 e, já naquele momento, a Venezuela dava sinais da catástrofe que viria depois, por isso ficar lá não chegou a ser uma opção. Minha relação com o meu país é de impotência, honestamente. Existe o lugar da saudade, claro, mas é uma saudade cheia de frustração. Eu gostaria de poder sentir uma saudade na qual coubesse, por exemplo, o plano de visitar a casa familiar e sonhar com, em algum momento, ir passar uma temporada lá. Mas não tem mais casa, a maioria dos familiares e amigos se foram; palavras fundacionais, como casa, família e história, agora dizem respeito a várias latitudes que não só a do meu país. Eu fico com a Venezuela que vivi, que, mais do que um lugar, é tempo, um “quando” ao qual é impossível voltar, e torço para que a Venezuela do agora possa se recuperar de tanto breu.
  • Tens um romance publicado no Brasil, pela Zouk, de Porto Alegre. Tens perspectivas de que mais títulos venham a ser editados por aqui em breve?
    Espero que em breve meu romance Volver a cuándo seja publicado aqui. Também estou escrevendo um terceiro romance, que, talvez, saia primeiro no Brasil. Veremos.
  • Mais recentemente, segues te dedicando à escrita? O que tens produzido e como está a difusão internacional de tua obra? És também publicada em teu país?
    Sim, tudo o que eu faço está relacionado com escrita, seja escrevendo meus projetos de literatura ou cinema, ou através das oficinas de escrita que frequentemente ministro, ou seja como editora, na Diadorim Editora. Em 2023 foi publicado Volver a cuándo na Espanha, e já teve os direitos vendidos para inglês e italiano. É possível encontrar o livro em qualquer lugar da Espanha, na Colômbia, no México, nos Estados Unidos, e logo deve chegar em outros países. O caminho dos livros é uma corrida de fundo, é preciso ter paciência e fazer a nossa parte como escritores no sentido de participar ativamente da divulgação.
    Em 2023 também houve a estreia do filme Levante, cujo roteiro escrevi, no Festival de Cannes. Foram oito anos trabalhando nesse projeto com Lillah Halla, corroteirista e diretora, e hoje o filme já ganhou mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo inteiro. Nesse momento, estou trabalhando num novo roteiro com a Lillah, e estou, aos poucos e com muito esforço, retomando a escrita de um novo romance.
    Não sou publicada no meu país, pelos motivos que mencionei na resposta anterior e também porque a minha história com a literatura começou aqui no Brasil. Eu saí da Venezuela sendo só uma jornalista recém-formada, lamentavelmente nunca fiz parte do circuito literário de lá.

  • Como é a tua rotina em São Paulo e o que foi determinante para que te radicasses nessa cidade? Viajas muito?
    A minha rotina é não ter rotina: tenho uma vida de profissional autônoma que precisa ir ajustando as semanas e os dias ao projeto que for mais urgente ou importante e, em função dele, organizar o resto das atividades. Eu me envolvo em muitos projetos e, com frequência, me sinto uma malabarista, tentando dar conta de um monte de bolinhas no ar. Às vezes, alguma cai, faz parte. São Paulo é um grande ímã, né? Trabalhos, oportunidades, conexões, tudo parece que, em algum ponto, passa por aqui. O plano de vir para cá era antigo e, com o meu mestrado e meu doutorado, fomos postergando, até que decidimos que estava na hora de vir. Viajo com frequência, principalmente por questões de trabalho, mas também familiares, e estar aqui facilita bastante nesse sentido.
  • Como está a expectativa pela vinda a Santa Cruz? Em tua temporada em Porto Alegre, já visitaste a cidade ou a região? Como foi teu contato com o interior do Estado?
    Visitei Santa Cruz em apenas uma oportunidade, muito de passagem, quando fui fazer uma apresentação num congresso de literatura. Durante os sete anos em que morei em Porto Alegre, conheci algumas cidades do interior, principalmente na área de Passo Fundo e na área da fronteira com Uruguai, onde fiz uma pesquisa para um projeto.
    Eu amo participar em atividades que envolvam encontro com o público, por isso estou muito entusiasmada com a feira. Acho que não tem coisa mais bonita do que encontrar os leitores e ver como eles se deixam tocar pela tua escrita, que aquilo que durante um momento só habitava em você de repente passa a habitar também o outro.
  • A Venezuela acaba sendo referida nas mídias muito em função de sua complexidade política, com forte reflexo na vida da população. Como enxergas esse cenário? Com desencanto ou com esperança?
    Acho que me movimento entre esses dois extremos, dependendo dos acontecimentos, de como eles chegam até mim, de como eles impactam no povo. Talvez fique mais tempo no desencanto, pensando sobre o fracasso desse projeto que eu, como cidadã, ajudei a construir, e cuja responsabilidade é preciso assumir, fazer da crítica e da autocrítica um exercício constante e irrenunciável.
  • Como se encontra a Venezuela em termos de literatura, de artes ou de cultura em geral?
    A produção cultural da Venezuela continua pulsante. Apesar de toda a dificuldade, há um cenário que sobrevive apesar da precarização de todo o sistema da cultura. Em termos de literatura, a situação do mercado editorial nacional é realmente lamentável. Da publicação à distribuição, há um sucateamento muito grave. Eu, por exemplo, não consegui fazer com que Volver a cuándo, que trata sobre a Venezuela contemporânea e ganhou um prêmio importante na Espanha, fosse distribuído lá. Ainda há um certo movimento, mas acredito que é mantido por inúmeros lutadores que fazem magia para seguir no caminho. Se aqui no Brasil o mercado já é tão difícil, imagine lá.
    Também há muita arte e literatura venezuelana produzida fora de casa ou em novas casas. Com um em cada quatro venezuelanos fora do país, fala-se muito em arte e literatura da diáspora e na diáspora. Nomes como Rodrigo Blanco Calderón, Lena Yau, Karina Sainz Borgo, Keila Vall de la Ville, Gustavo Valle e muitos outros estão circulando muito bem em diversos países, principalmente na América Latina e na Espanha.
  • Para quem não está tão familiarizado com a literatura produzida na Venezuela, quem entendes que um leitor precisa ler para conhecer melhor a tua terra?
    Eu diria que é preciso ler Rómulo Gallegos, Teresa de la Parra, Miguel Otero Silva e o meu favorito, José Rafael Pocaterra. Gostaria de indicar também alguns contemporâneos, como Héctor Torres, Martha Durán, Rodrigo Blanco Calderón, Alberto Barrera Tyszka, Keila Vall de la Ville, Natasha Tiniacos.
  • Tens muitos amigos ou contato frequente com autores gaúchos? Quem lês ou quem mais admiras?
    A comunidade da escrita criativa da PUCRS foi o meu núcleo durante anos, e com núcleo me refiro a um centro que, a partir do estudo e do trabalho, se encheu de amizade, carinho e vontade de crescer junto. A maioria dos meus amigos mais próximos são gaúchos e são escritores. Minhas melhores amigas, Taiane Santi Martins e Camila Maccari, por exemplo, são gaúchas e escritoras – brilhantes, por sinal. Meus amigos e sócios da Diadorim Editora, João Nunes Júnior, Flávio Ilha e Jeferson Tenório, também são escritores e gaúchos (ou, no caso do Tenório, carioca que viveu a vida toda em Porto Alegre). Nomes como Paulo Scott, Julia Dantas, Natália Borges Polesso, Thiago Souza de Souza, Irka Bairros, a lista é enorme, e admiração e amizade se confundem de uma forma muito bonita.
  • Como foi, em tua formação, a relação com a literatura brasileira? Quem lias ou quais eram tuas referências?
    Na verdade, eu acho que tive uma lacuna de formação nesse sentido, não sei dizer se por responsabilidade apenas minha ou se realmente havia pouca presença de autores brasileiros no currículo escolar. Porém, já depois de adulta, pouco antes de vir pro Brasil, comecei a preencher essa, tanto dos clássicos como dos contemporâneos brasileiros.
    Durante a minha adolescência, eu foquei muito para os mal chamados “clássicos universais”, que, na verdade, são os clássicos europeus. E, claro, também li muitos autores de hispanoamérica, os clássicos como Rulfo, García Márquez, Cortázar, Sábato. E depois Bolaño, Villa-Matas, Pauls etc.
    Aí descobri outra lacuna, dessa vez uma lacuna de gênero que atravessava todas as épocas e geografias: tinha pouquíssimas mulheres na minha biblioteca. Desde então estou tentando saldar essa dívida comigo mesma e hoje estou apaixonada por minhas contemporâneas, dentro e fora do Brasil, e pela absoluta riqueza e diversidade de temas, estilos e abordagens, de Cristina Rivera Garza a Ariana Harwicz; de Mónica Ojeda a Carola Saavedra; de Margarita García Robayo a Mariana Enríquez, nada mais enriquecedor que arejar a biblioteca e questionar os cânones.
  • Em tua obra, algum tema ou objetivo se salienta em especial? O que te move ao escrever?
    Acredito que toda a minha escrita vem de algum desconforto com a realidade, um questionamento que, por ter um foco de dor ou de raiva, começa a me tomar mais e mais, às vezes durante anos, até que a obsessão vai se tornando uma ideia cheia de corpos, e esses corpos – que carregam esse foco de dor – começam a se mexer num certo universo e então chega a hora de sentar para escrever.
    Olhando as minhas produções até hoje, acho que há questões bem abrangentes que se repetem, principalmente a ideia de opressão e as questões de gênero, e a relação entre ambas. Outro elemento em comum que vejo é o dilema moral como motor da narrativa, a ideia de vivências complexas nas quais há mais zonas cinzentas do que verdades absolutas.
    Acho que esse lugar de questionamento é que mais me move, pensando do ponto de vista ético mas também do estético. Me interessa muitíssimo explorar formas de narrar que coloquem o leitor numa posição mais ativa e questionadora no que diz respeito ao exercício empático que é a leitura.

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