Foi anunciado nesta semana o nome de Jeferson Tenório como patrono da 66ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, a ser realizada virtualmente neste ano. O anúncio é um marco histórico para o evento: esta é a primeira vez que a feira terá um patrono negro e Tenório ainda é o mais jovem entre os já escolhidos para a função, aos 43 anos.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, ele mudou-se para Porto Alegre ainda criança, com 13 anos de idade. Graduou-se em Letras pela UFRGS, onde ingressou na primeira turma do programa de cotas raciais, e onde obteve o título de mestre em literaturas luso-africanas, com uma dissertação sobre o moçambicano Mia Couto.
Atualmente, é doutorando em teoria literária pela Escola de Humanidades da PUCRS, e professor de português e literatura na rede pública de ensino de Porto Alegre. Os 30 anos de morada no Rio Grande do Sul já lhe conferem, se não oficialmente, pelo menos honorariamente, o título de gaúcho.
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A obra mais recente do romancista, O Avesso da Pele, foi publicada em agosto deste ano, pela Companhia das Letras, e chegou fazendo barulho. Ou talvez seja mais correto dizer que chegou em meio ao barulho provocado pelos protestos desencadeados após a morte de George Floyd, em Minnesota, nos Estados Unidos, e, no cenário nacional, da morte do adolescente João Pedro Mattos, na região metropolitana do Rio de Janeiro. No livro, o personagem principal também é brutalmente assassinado, por policiais, por causa da sua cor.
O Avesso da Pele é um livro de memórias, no qual o narrador, Pedro, um jovem de 22 anos, quase sempre usando a segunda pessoa do singular (você), busca reconstruir a história do pai, Henrique, vítima da violência policial. O racismo estrutural, que finalmente parece estar ganhando espaço nas discussões atuais, está presente na história do início ao fim do livro de maneira sensível, mesmo que nem sempre sutil.
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A narrativa coloca o leitor – sobretudo o leitor branco –, em um espaço necessariamente desconfortável, provocando a reflexão sobre os privilégios que a cor da pele traz consigo. Uma discussão presente e fundamental para que possamos escrever uma nova história, principalmente em um país como o Brasil, onde 75% dos mortos pela polícia são negros e pardos, conforme relatório divulgado pela Rede de Observatórios de Segurança, em julho deste ano.
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Com o lançamento coincidindo com o momento em que a discussão do racismo foi amplificada, a repercussão do livro tem sido enorme. Mas não é apenas um caso de estar no lugar certo, na hora certa. É mérito, também, da habilidade narrativa do escritor, que conduz o leitor por uma prosa densa e rápida, tocando num tema tão urgente por meio da sensibilidade que a literatura permite. A obra, antes mesmo do lançamento, teve os direitos vendidos para a produtora cinematográfica RT Features, bem como os direitos vendidos para tradução em diferentes países.
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Tenório estreou a carreira como romancista com a obra O beijo na parede, publicada em 2013, pela Sulina. O livro lhe rendeu o prêmio de Livro do Ano da Associação Gaúcha de Escritores. Em 2018, o livro entrou para o PNLD (Plano Nacional do Livro e do Material Didático), do Ministério da Educação, e passou a ser distribuído para as escolas públicas, para alunos do 8º e 9º ano do Ensino Fundamental e alunos do Ensino Médio. A obra já teve mais de 60 mil exemplares distribuídos pelo programa. Seu segundo romance, Estela sem Deus, foi publicado em 2018, pela editora Zouk.
Em um ano de muitas inovações na Feira do Livro, a indicação de Jeferson Tenório como patrono da 66ª Feira do Livro, conforme a organização, marca também um novo posicionamento da Câmara Rio-Grandense do Livro. Um posicionamento que sinaliza o quanto a Literatura e os autores podem contribuir para um mundo melhor.
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