Ao sair do Museu Fritz Müller segui pela Avenida Itajaí até alcançar a ponte dos Arcos, em Blumenau. A garoa persistente emprestava ao rio uma grandeza revolta. As margens do Itajaí Açú bramiam por mais espaço. “Parece que estrangularam o rio”, foi a voz que imaginei ouvir. Do outro lado, à jusante, as mesmas águas seguiam aliviadas, até porque pontes espremem mas permitem passagens. À semelhança de um rio, eu também pretendia prosseguir. Procurei o mapa no bolso. Antes de encontrar orientação, um senhor perguntou sobre meu destino. “Rua das Missões”, respondi. “Estou indo para aqueles lados”, informou Jean, até há pouco um desconhecido. A caminho, transitamos também pelo tempo.
Ele, um jovem senhor, ativa-se pelo computador. Especializado no sistema “Linux”, não lhe falta trabalho. Sem endereço fixo, atua de onde estiver, de preferência abrigado num “hostel”. Anda pelo país, percorre o mundo. Das coisas, guarda tudo numa mochila. “O que não cabe nas costas não se precisa”, argumenta, sem pretensão de convencer quem quer que seja. “Mas não sentes falta de uma família, de um lugar que possas garantir como teu porto seguro?” Jean rabisca pensamentos de sua trajetória. Separado de sua esposa, abriga lembranças boas da vivência partilhada, todavia insuficientes. “Ela está bem”, considera. Da mãe fala com zelo intimista: “Dei-lhe um celular e nos falamos quase todos os dias. Não peço conselho. Apenas conversamos.”
Três quadras adiante, estendo o livro Cheguei, posso partir, que ele aceita intrigado. “O título se parece com minha vida…vou ler e passar adiante, outros podem ler… como vês, não guardo nada.” Ao encontro casual, a desaproximação eventual. Sem antes me indicar o rumo da rua missioneira, ele acessa a ponte de ferro. Ainda acrescento em tom maior: “Meu e-mail está na contracapa!” Talvez também se descuide dos endereços, que não deixam de ser cargas.
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Caminho andado, logo reencontro as parceiras de viagem, Vera, Eugênia e Irma. Transmito-lhes o encontro inusitado. Falamos da sobrevivência e do desapego. Como é difícil ter menos para respirar mais! Sempre buscamos garantias insatisfeitas: um terreno a mais, um carro melhor, um apartamento para alugar, a comida no freezer… nada disso cabe numa mochila. Ainda consideramos as relações de responsabilidade. Esta, com nossos afetos e afeitos. Aos poucos o silêncio foi ecoando. Também as palavras reverberam melhor quando desapegadas dos ruídos e pesos.
Leves como a bruma, que se mistura com o rio, ficamos a nos perguntar: o que cabe, a partir de agora, na mochila?
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