No começo dos anos 1940, a passagem de Orson Welles pelo Brasil fez história. Ele veio realizar aqui parte de seu documentário I’s All True. A obra permaneceu inacabada, mas o mito de Welles, e de É Tudo Verdade, repercutiu no cinema brasileiro. Virou obsessão do ‘maldito’ Rogério Sganzerla na fase final de sua carreira. Quase 30 anos depois, a passagem de Janis Joplin pelo País também causou frisson, embora talvez não tenha tido o mesmo significado para a cultura brasileira. Janis nadou pelada na piscina do Copacabana Palace, participou dos desfiles das escolas de samba, jogou-se nas areias de Copacabana com os seios à mostra e os pelos das axilas à vista de todo o mundo. Vestida como uma mendiga, ou assim parecia, foi barrada numa boate da zona sul.
Tudo isso sempre fez parte da lenda, e o cantor Serguei esculpiu a dele, parte pelo menos, gabando-se de suas performances sexuais com a estrela da contracultura. Talvez seja preciso revisar tudo isso a partir desta quinta, 7. Estreia o documentário de Amy Berg, Janis – Little Girl Blue. Pequena/Pobre Garota Triste. Mais que a grande artista que cantou a crise de toda uma geração e viveu e morreu pelo excesso, o filme resgata a mulher. Quando veio ao Brasil, Janis, dependente química, estava em pleno processo de reabilitação. Aqui se perdeu de vez. Morreu de overdose, em 1970, aos 27 anos. O filme reconstitui sua passagem pela Bahia e pelo Rio. Confirma histórias, mas omite Serguei. Nem sinal dele nas imagens e entrevistas reunidas pela diretora.
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Little Girl Blue chega aos cinemas brasileiros na trilha de Amy, que ganhou o Oscar de documentário, em março. Críticos musicais importantes já fizeram comparações entre Amy Winehouse e Janis Joplin. O jeito visceral de cantar, o namoro com a música negra, as garotas que se perderam na radicalidade e morreram cedo. Amy não poupava o pai da cantora, que teria empurrado a filha na carreira, em busca do lucro. Despreparada para o mundo em que adentrou, ela se desestruturou. Psicologia barata? Polêmicas à parte, Amy, de Asif Kapadia, é muito bom e mereceu o Oscar.
Amy Berg tenta expressar a artista pela mulher. Janis tinha problema de autoestima, sofreu bullying na infância, era uma carente que necessitava, desesperadamente, de amor. Não pense que ela fingia intensidade, visceralidade, sofrimento ao cantar daquele jeito. Tudo vinha de dentro. Amy Berg, em seu documentário, omite Serguei porque no Brasil Janis encontrou um gringo, David Niehaus. Viveu com ele sua última grande história de amor. Drogas e rock’n’roll. Niehaus acompanhou-a alguns meses Abandonou-a, segundo declarou mais tarde porque não aguentava segui-la no vício, e ela voltou à droga pesada. Janis, de sua parte, reclamava. Dizia que era apenas mais um aproveitador.
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Janis Lyn Joplin nasceu em Port Arthur, em 1943, morreu cerca de oito meses após a viagem ao Brasil. Sobre ela, você só encontra superlativos – a maior cantora de rock dos anos 1960, a maior intérprete de blues e soul de sua geração. Lançou apenas quatro discos, e o último, Pearl, surgiu postumamente. Morreu de overdose de heroína, ao que tudo indica, combinada com o efeito do álcool. Em vida, já era um ícone da contracultura. Morta, o mito não parou mais de crescer. Inspirou o filme A Rosa, de Mark Rydell, com Bette Midler, em 1979. Sua morte ocorreu apenas algumas semanas – nem foram meses – após a do guitarrista Jimi Hendrix, outro ícone da época. A Janis drogada e sofredora não é novidade. O novo, no filme de Amy Berg, é o retrato que ela faz de uma feminista divertida e inteligente. Pena que fosse tão vulnerável. Foi o que acabou com ela.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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