Educação

Irmão Demétrio: um ícone da educação santa-cruzense

Quando se fala em educação em uma cidade do tamanho de Santa Cruz do Sul, muitas pessoas podem ser citadas por suas contribuições. Algumas delas, contudo, se destacam por atuações que mudaram o patamar e tornaram o município uma referência regional em ensino amplo e de qualidade. Uma dessas pessoas é, sem dúvida, o Irmão Demétrio* (Nardier João Orsi), que atuou na cidade por 25 anos e teve papel fundamental no Colégio Marista São Luís e na consolidação do Ensino Superior em terras santa-cruzenses.

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Natural de Veranópolis, chegou a Santa Cruz em 1965 e permaneceu por 25 anos atuando como professor e diretor do Colégio Marista São Luís. Também foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras entre 1967 e 1982. Por sua dedicação incansável, recebeu em 1989 o título de Cidadão Santa-cruzense. No ano seguinte, em 1990, retornou à sua terra natal. Ele morreu em 23 de janeiro de 2010, aos 89 anos, na Casa São José, em Viamão.

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*Até o fim dos anos 1960, os irmãos Maristas adotavam um nome religioso diferente do nome
de batismo.

Referência para a formação de professores

Hoje visto como um dos grandes nomes da educação em Santa Cruz do Sul, onde dedicou quase 50 anos de sua vida às salas de aula, o professor Elenor José Schneider afirma, sem titubear, que um dos grandes incentivadores de sua formação e trajetória foi o Irmão Demétrio. Schneider conta que chegou ao município em 1969, vindo de uma comunidade do interior de Lajeado, hoje pertencente a Cruzeiro do Sul, para cursar a graduação em Letras na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na época uma extensão da Faculdade Imaculada Conceição (FIC), de Santa Maria.

Schneider salienta que o religioso foi um dos grandes incentivadores de sua formação

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As aulas ocorriam no Colégio Sagrado Coração de Jesus (hoje Dom Alberto) e havia disponibilidade dos cursos de Filosofia, Ciências, Estudos Sociais, Pedagogia e Letras. Além de diretor, o Irmão Demétrio era professor de diversas disciplinas voltadas às áreas social e cultural e do ensino de idiomas. Foi na sala de aula, enquanto docente e aluno, que começou a longa relação de amizade entre o Irmão Demétrio e Schneider.

Um ano depois, em 1970, Irmão Demétrio precisou se afastar para participar de um curso de qualificação em Portugal e sugeriu a Schneider – então no segundo ano da graduação – que assumisse seu lugar como professor nas disciplinas de Literatura e Língua Portuguesa no Colégio Marista São Luís, até o encerramento daquele ano letivo. “Eu era muito jovem e peguei turmas do terceiro ano do Ensino Clássico e Científico, mas ele garantiu que eu tinha condições. Então, dei aulas por cerca de um mês só para fechar o ano”, recorda.

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Depois, a faculdade se mudou novamente para o prédio do atual Centro Administrativo 2, em frente ao Ginásio Poliesportivo Arnão. “Nossa relação passou a ser muito próxima. Eu dava carona para ele depois das aulas até o Colégio São Luís, onde ele morava e trabalhava.” Schneider é enfático ao afirmar que Santa Cruz deve muito ao Irmão Demétrio no que se refere a educação, por ter sido um excelente professor e motivador para que os alunos buscassem sempre mais conhecimento, além de ser um profundo conhecedor de outras línguas e culturas.

Além de ter acompanhado o início da carreira de Schneider como educador, Irmão Demétrio sempre sugeriu leituras e forneceu materiais de capacitação, tudo isso visando garantir a qualidade do ensino. “Tenho certeza de que quem foi aluno dele no São Luís o guarda na melhor lembrança. Era uma pessoa preocupada com o saber e a formação integral, além de ter cumprido à risca o espírito Marista.”

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Enquanto diretor, atuou fortemente para a criação de bibliotecas e era responsável por trazer professores e palestrantes de outras regiões ao município, com destaque para os docentes da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Tudo isso para agregar novos conhecimentos além dos previstos na base curricular.

“Não tenho dúvida em dizer que foi o irmão Marista de maior influência em Santa Cruz, principalmente na formação de professores e na área das licenciaturas. Ele deixou uma herança muito grande”, observa Schneider, que foi aluno e posteriormente colega de muitos deles enquanto estudou na Faculdade de Letras e lecionou no São Luís.

Referência na pedagogia Marista

Outro nome de reconhecida importância na educação de Santa Cruz, a professora Lígia Maria Hoppe é mais uma a salientar a grande relevância do Irmão Demétrio para sua evolução enquanto docente. Além de aluna no curso técnico em Contabilidade, foi contatada por ele para ser professora no Colégio Marista São Luís em 1972. Lígia destaca a dedicação que demonstrava com todos nas instituições onde lecionava, bem como na comunidade santa-cruzense. Em sua compreensão, ele foi uma grande referência e viveu com plenitude a pedagogia Marista.

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Segundo Lígia, o Irmão Demétrio era uma pessoa de “cultura ímpar”, mas que sempre soube manter a simplicidade em todas as ações e manifestações. Também tinha um perfil de ensinar pelo exemplo. “Era uma presença marcante no cotidiano do Colégio Marista São Luís.” Observa que, enquanto diretor, teve a gestão pautada por diálogo, respeito e comprometimento. Já como professor, ensinava os conteúdos de Língua Portuguesa com muita competência. “Sempre se reportava às origens do latim ou grego das palavras”, lembra.

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Outra característica marcante do Irmão Demétrio era o costume de circular pelos corredores do educandário, sempre com um olhar atento a tudo o que acontecia e disposto a orientar os alunos no que fosse necessário. Lígia entende que o legado cultural e cristão deixado por ele está registrado nos anais da história educativa de Santa Cruz. “Para mim, foi como um segundo pai, pois seus conselhos e sua amizade contribuíram com meu crescimento pessoal e profissional. A ele, a minha eterna gratidão.”

O único professor remanescente no São Luís que atuou ao lado do Irmão Demétrio é Astor Rocha, que na época trabalhava na recepção da escola. Rocha recorda da postura “incrível” do educador. “Era muito inteligente e sabia o horário de todos.” Lembra ainda do período em que ele esteve à frente da direção. “Comandava com os olhos e tinha elegância para cobrar as coisas. Era aquela pessoa que te dava uma advertência com classe.”

Título de Cidadão Santa-cruzense

Os 25 anos de forte atuação na educação de Santa Cruz do Sul renderam ao Irmão Demétrio o título de Cidadão Santa-cruzense. Em 21 de agosto de 1989, a então vereadora Nelsi Hoff Müller propôs o reconhecimento no plenário da Câmara de Vereadores e obteve a aprovação unânime dos 21 parlamentares. Na justificativa da proposta, Nelsi destacou a grande dedicação e a contribuição de Nardier João Orsi para o desenvolvimento do sistema de educação do município.

“Participou dos momentos mais difíceis da instalação do Ensino Superior, sem se preocupar com a recompensa financeira, que na época realmente não havia”, diz um trecho do documento, que pode ser consultado na íntegra no site da Câmara. Assim como referiram Elenor Schneider e Lígia Hoppe, Nelsi destacou na época a sensibilidade no trato com alunos e professores e o empenho em oferecer uma formação integral. “Portanto, nada mais justo do que esta Casa do Povo, que representa toda a comunidade santa-cruzense, conceder este título ao Irmão Demétrio.”

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Hoje afastada da política, Nelsi conta que foi aluna de Irmão Demétrio na faculdade, com destaque para a disciplina de Inglês. “Ele era muito amável e sabia ensinar sem cobrar demais. Nós gostávamos de Inglês porque ele era um professor acessível, honesto e sempre com um sorriso no rosto.” Já vereadora e sabendo que o Irmão Demétrio não era natural de Santa Cruz, ela decidiu propor o reconhecimento a ele.

A entrega ocorreu em uma sessão solene no dia 5 de setembro de 1989 e teve plenário lotado. Todos os representantes de bancadas que discursaram na ocasião enfatizaram a relevância dos serviços prestados pelo religioso à comunidade. Em seu discurso, Irmão Demétrio agradeceu e disse que a homenagem não fora para ele, mas um enaltecimento à educação. “A sociedade das pessoas passa por uma transição, e a fé em Deus e a coragem é que poderão levar a um bom termo todos os esforços.” A reportagem foi publicada na Gazeta do Sul do dia 8 de setembro de 1989.

Reportagem foi publicada na Gazeta do Sul de 8 de setembro de 1989 | Reprodução/GS

Incentivador da criação d’Os Canarinhos

Muito famoso na região e no Estado nas décadas de 1960 e 1970, o grupo Os Canarinhos foi criado a partir do incentivo do Irmão Demétrio. A história é contada pelo professor Carmo Gregory, que em 1967 dava aula para a turma do terceiro ano do Primário. Ele recebeu como tarefa criar junto aos estudantes uma atividade que seria apresentada no evento alusivo ao Dia das Mães do Colégio Marista São Luís. “Criamos alguns cantos muito simples para entoar no palco, mas as famílias gostaram muito”, relata.

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No início da semana seguinte, durante a reunião da direção com os professores, Carmo conta que o Irmão Demétrio prontamente incentivou que aqueles alunos formassem um conjunto musical, e assim ocorreu. Em seu livro 110 anos do Colégio Marista São Luís, Sérgio Roberto Dillenburg conta que o grupo gravou três discos e fez shows em várias cidades gaúchas, em outros estados e até mesmo na Argentina e no Uruguai. O sucesso foi tanto que os estudantes se apresentaram na Embaixada da Alemanha, em Brasília, e até para o presidente da época, Emílio Garrastazu Médici.

A relação de Carmo Gregory com o Irmão Demétrio, entretanto, começou muito antes disso. Natural de Estrela, Carmo foi estudar em Veranópolis em 1958, em uma instituição que era dirigida por Demétrio. “Imagina um guri saindo da colônia para estudar em uma cidade distante. Quando alguém estava triste e com saudade de casa, ele chamava no gabinete e orientava, dava conselhos. Era um pai para todos, não só para mim.”

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Posteriormente, já como professor do Colégio São Luís, Carmo destaca a serenidade do Irmão Demétrio para lidar com todas as situações. “Ele buscava sempre fazer a coisa certa, mas era muito comedido. Antes de dar uma ordem ou resolver um problema, ele pensava e conversava, era cuidadoso e prudente.” O mesmo ocorria quando algum estudante era desobediente e provocava transtornos nas atividades. “Ele chamava aquela pessoa, conversava com ela e orientava. Dessa maneira, conseguia cativar a criança ou o adolescente, e isso bastava para solucionar.”

Conjunto Os Canarinhos fez muito sucesso no Rio Grande do Sul na década de 1970 | Foto: Arquivo Gazeta
Professor aposentado e músico, Carmo Gregory considera o Irmão Demétrio um pai

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Iuri Fardin

Iuri Fardin é jornalista da editoria Geral da Gazeta do Sul e participa três vezes por semana do programa Deixa que eu chuto, da Rádio Gazeta FM 107,9. Pontualmente, também colabora nas publicações da Editora Gazeta.

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