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Investimento do governo federal em ciência voltou ao nível de 2009, diz estudo

No ano passado, o governo federal investiu em ciência e tecnologia menos recursos do que aplicava no setor em 2009. O patamar em 2020 foi de R$17,2 bilhões, ante R$ 19 bilhões há 12 anos, em valores corrigidos pela inflação do período. O levantamento é da economista Fernanda De Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), obtido pelo Estadão.

O corte de verbas cria desde problemas pontuais, como a pane da plataforma Lattes – banco de dados com informações de todos os pesquisadores brasileiros, que ficou fora do ar duas semanas neste mês – até efeitos no longo prazo, como a perda de competitividade da economia. Desde o início do ano passado, a importância da ciência aumentou com a demanda criada pela pandemia, que envolve estudos sobre testes, remédios e vacinas contra a Covid-19, entre outras iniciativas.

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Na gestão Jair Bolsonaro, a falta de dinheiro foi agravada pela retenção de parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O bloqueio foi proibido pelo Congresso, mas cerca de R$ 2,7 bilhões continuam travados. Segundo o estudo de Fernanda de Negri, o investimento em ciência e tecnologia no governo federal atingiu o pico em 2013. Daquele ano até 2020, os gastos recuaram 37% em termos reais (descontada a inflação). “Depois de mais de uma década de um ciclo relativamente consistente de ampliação, os investimentos em C&T chegaram em 2020 a um nível inferior ao observado em 2009”, diz. Em 2013, o gasto havia sido de R$ 27,3 bilhões.

Os gastos estão distribuídos por várias pastas e órgãos públicos: desde o Ministério da Defesa até o da Economia, onde estão alocadas instituições como o próprio Ipea e o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). E nem todos esses órgãos foram atingidos da mesma forma. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) foi a pasta que concentrou mais cortes. Comandada pelo astronauta Marcos Pontes, ela é responsável pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão responsável pelo Lattes e por pagar auxílios a pesquisadores, além do Fundo de Ciência.

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A Capes, outra agência de fomento à pesquisa, é vinculada ao Ministério da Educação (MEC). “Praticamente toda a pesquisa brasileira realizada em empresas, universidades ou instituições de pesquisa é financiada com os recursos desses três fundos (CNPq, Capes e FNDCT). Mesmo as instituições de pesquisa vinculadas ao MCTI, ou a Fiocruz e a Embrapa, acabam necessitando de recursos adicionais de pesquisa e recorrendo aos editais do FNDCT, bem como a bolsas e formação do CNPq e da CAPES”, diz o texto. Juntas, as três instituições já responderam por 40% de toda a verba para a ciência na União – hoje, a fatia é de 28%.

As instituições dispõem hoje do mesmo valor que controlavam no começo dos anos 2000. “O gasto só não caiu mais porque temos essas duas instituições, a Embrapa e a Fiocruz, cujo investimento não caiu tanto. Só que essas duas tratam das pesquisas realizadas por elas próprias. Não dizem respeito à pesquisa dentro das universidades, nas empresas etc”, disse Fernanda ao Estadão. “Obviamente isso tem um impacto muito forte do ponto de vista da formação de cientistas e vai ter um impacto grande na nossa capacidade de produção de conhecimento no futuro”, observa a pesquisadora. Procurado pela reportagem, o Ministério da Ciência e Tecnologia não se manifestou.

Conta-gotas

Em abril, ao sancionar o Orçamento de 2021, Bolsonaro desrespeitou uma lei complementar aprovada semanas antes pelo Congresso e bloqueou R$ 5 bilhões do FNDCT. A lei que proíbe o bloqueio de recursos do fundo foi aprovada após intensa pressão da comunidade científica. Até mesmo pesquisas relacionadas à covid-19 foram paralisadas. Agora, o governo sinaliza que liberará os R$ 2,7 bilhões restantes em breve. Metade deve ir para projetos não reembolsáveis – bolsas de pesquisa e projetos de universidades – e a outra metade, para organizações sociais ligadas ao MCTI.

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“Eles querem liberar 50% para as organizações sociais do restante que falta, ou seja, 25% do total, e deixar para as universidades e institutos só 25%”, diz o ex-deputado e ex-ministro da Ciência e Tecnologia Celso Pansera. Atualmente, ele é coordenador executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP). A fatia destinada às organizações sociais iria para entidades como a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, responsável pelo acelerador de partículas Sirius, em Campinas, entre outras.

“O Brasil de 2021 não cabe no Brasil do início dos anos 2000”, diz o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro. “Não só porque cresceu a população do País, mas porque cresceu a população de estudantes universitários, que passou de cerca de 3 milhões para 8 milhões. Então temos muito mais necessidades e muito mais produção hoje”.

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Segundo Ribeiro, a falta de investimento em pesquisa intensifica a “fuga de cérebros”. “No Brasil, sempre teve o seguinte: se você consegue emprego numa universidade que pague sua pesquisa, aguenta as piores dificuldades, mas não vai embora. E agora, as pessoas não estão sequer conseguindo emprego. Por isso estão partindo”, diz. “Isso significa que a sociedade pagou muita coisa delas, inclusive o mestrado e o doutorado, e a gente entrega esse pessoal pronto, de graça, para países ricos. O que é uma medida muito estúpida, equivocada.”

Exemplo

Como vários outros pesquisadores, o agrônomo Lucas Cavalcante da Costa, de 30 anos, já teve de lidar com as consequências da falta de financiamento. Em 2018, ele apresentou projeto à Universidade de Oxford sobre arroz. A ideia era saber como a planta, alimento-chave da dieta brasileira, reage em um ambiente com alta concentração de gás carbônico. Esta deve ser a realidade global nos próximos anos, com as mudanças climáticas. A pesquisa era parte do doutorado dele na Universidade Federal de Viçosa (MG), e a bolsa seria custeada pelo CNPq.

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Seria. Mesmo tendo entusiasmado os pesquisadores britânicos e tirado nota máxima em todos os quesitos avaliados pelo CNPq, Lucas acabou sem o financiamento por falta de verba. “Meu projeto recebeu a avaliação de ‘muito bom’ e ‘excelente’. Mas, no parecer final, o CNPq escreveu que o projeto, apesar de meritório, não poderia ser contemplado por restrições orçamentárias. Foi meio frustrante”, diz ele. “E ainda tive de explicar aos estrangeiros que não ia acontecer por falta da verba.”

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