Sem entrar em questões acadêmicas – se é causada pela expansão monetária, demanda, custos ou simples exploração -, todos sabem que inflação é o aumento de preços. Com o mesmo dinheiro, hoje não se consegue mais comprar o mesmo de meses atrás. Se fosse só a inflação oficial de mais de dois dígitos que, há dez meses, está sendo apurada pelo IBGE, poderíamos dizer que “somos felizes e não sabemos”. O problema é que itens de grupos básicos – alimentação, combustível, energia elétrica, transportes, material de limpeza – aumentaram, nos últimos 12 meses, muito mais que o índice oficial acumulado de 12,04%.
Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, o aumento da inflação está sendo sentido por 95% da população. Esse aumento é percebido de forma diferente pelas famílias, dependendo da proporção do orçamento que cada uma destina para comprar diferentes produtos, com maior ou menor aumento. A pesquisa também revela que 76% dos brasileiros afirmaram que a situação financeira foi prejudicada pela inflação. As mais afetadas são as pessoas sem escolaridade, com renda de até um salário mínimo e os moradores da Região Nordeste.
Mas a inflação nem sempre é percebida pelo aumento dos preços. Em alguns casos, o produto mantém o mesmo preço, mas a embalagem contém menos unidades ou vem com peso e medida menor do que a formatação anterior. Antes que alguém pense tratar-se de mais um exclusivo “jeitinho brasileiro” de aumentar o preço, a prática existe também em outros países. Em inglês, é conhecida como “shrinkflation” e pode ser traduzida como “reduflação”. É uma estratégia de indústrias de diminuir o peso, a medida ou a quantidade de itens para não aumentar o preço. Na prática, entretanto, fica mais caro para o consumidor porque está recebendo menos pelo mesmo dinheiro.
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De qualquer maneira, essa estratégia disfarça a inflação. Além do mais, qualquer alteração de quantidade e peso precisa ser informada, não apenas no mesmo lugar onde constava o dado anteriormente, mas em destaque. Em São Paulo, uma lei estadual obriga as empresas daquele estado a ocuparem pelo menos 20% da embalagem com um alerta em caso de redução de peso, medida ou quantidade.
Outra forma de mascarar a inflação é colocar, no mercado, produtos similares, que chegam a custar cerca de 30% menos que os originais, embora, em alguns casos, custem quase o mesmo. É o caso, por exemplo, do soro do leite, um subproduto feito com a sobra de queijos e derivados, vendido pela metade do preço do leite normal. De acordo com a nutricionista Ingrid Dias, “o leite é o principal preditor de cálcio, de proteínas e de calorias. Já o soro do leite é apenas um subproduto, existindo, portanto, uma diferença significativa entre os dois.”
Chama a atenção, ainda, na oferta de produtos similares, em que, algumas vezes, as embalagens são praticamente iguais e há falhas nos rótulos, como má impressão, dificuldade de leitura e informações pouco claras sobre qual é o tipo de produto que está sendo vendido. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, a venda de soro de leite, por exemplo, é permitida no Brasil. No entanto, as empresas devem seguir um regulamento técnico que “fixa os padrões de identidade e os requisitos de qualidade”. Dentre as principais exigências está a de que a informação esteja clara no rótulo.
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Entretanto, para o advogado Eduardo Rodrigues, especialista em direito do consumidor e sócio do escritório Byron Seabra, os fabricantes envolvidos podem estar incorrendo parcialmente em prática de propaganda enganosa, conforme artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor. Ele explica que, mesmo que as marcas escrevam nas embalagens tratar-se de mistura ou composto lácteo, o fabricante deveria utilizar configuração visual completamente diferente para colocar o produto no mercado. “Nós, no geral, escolhemos os itens no supermercado muito pela publicidade visual. Nossa cultura é muito visual e não de ler”. Em sua defesa, as marcas afirmam que seguem à risca as regras do Ministério da Agricultura e Pecuária, com informações nos rótulos.
Raramente comentado, mas, enquanto o trabalhador pobre e o povo em geral perdem, os governos das três esferas ganham com a inflação. À medida que o valor dos produtos e serviços aumenta de preço, por causa da inflação, é maior a base de cálculo, gerando mais imposto. Já no Imposto de Renda, o limite de isenção das pessoas físicas, por exemplo, está congelado em R$ 1.903,00, desde 2015, o que faz com que as pessoas paguem mais imposto de renda. Claro que o desajuste da tabela começou antes de 2015, mas, atualmente, o teto de isenção seria de R$ 4.465,34 se o governo atualizasse o limite para compensar a inflação acumulada a partir de 1996. O governo realiza o aparente milagre de converter pobreza em riqueza e com isso engorda a própria receita.
Então, além da inflação oficial e da disfarçada sob diversas formas, existe a inflação real. Esse índice geralmente é maior, dependendo da faixa de renda e itens de consumo, e precisa ser apurado por cada pessoa ou família. Famílias com rendas menores gastam a maior parte com alimentos, gás, transporte, energia elétrica, justamente itens de maiores altas. Na verdade, o principal vilão das finanças da população é a inflação real para o qual não existe índice oficial.
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Por isso, é hora de repensar os hábitos de consumo, principalmente em relação aos itens que estão tendo maiores aumentos. A recomendação é começar a fazer um minucioso diagnóstico da vida financeira pessoal ou familiar. Durante um mês (se a renda for fixa) ou três meses (se for variável), anotar todos os gastos realizados. Com base nesse levantamento, pesquisas comprovam que já é possível eliminar de 20% a 30% de gastos desnecessários ou desperdícios, sem mexer no padrão de vida. Depois, promover substituições por produtos de menor preço.
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