Marilene, uma mulher negra, sai de casa na periferia pernambucana, usa transporte público com um semblante apreensivo. Logo se percebe o que motiva a situação. Ela está à procura da filha Roberta, uma mulher trans, que está desaparecida. Busca amigos, demora para recorrer aos órgãos oficiais, porque sabe que faz parte de um grupo social abandonado pelo poder público: são negros, pobres, trans. Um lugar diferente, em que viver é possível, fará parte do caminho dela de forma surpreendente.
Esse é o enredo de Inabitável, o grande vencedor do 4º Festival Santa Cruz de Cinema, que entregou, na noite desta sexta-feira, 3, os troféus Tipuanas para os ganhadores das 14 categorias. A obra, dirigida por Matheus Farias e Enock Carvalho tem participado de festivais e conquistado o reconhecimento do público e avaliadores. Somente no segundo semestre de 2020 foram 18 eventos. Em fevereiro passado foi o único brasileiro na Mostra Competitiva do Festival de Sundance. Em Santa Cruz, ganhou como melhor filme, melhor direção, melhor roteiro, e júri popular auditório, que foi possível com a divulgação de um QR Code, ao fim de cada noite de exibição.
Inabitável, de acordo com Enock Carvalho, foi realizado por meio de lei de incentivo à produção audiovisual do governo pernambucano. Com o recurso auferido, afirmou no debate realizado após a exibição do filme, foi possível produzir com a contratação de mão de obra, direta ou indireta, de cem profissionais. “Temos que tratar sobre esses temas, utilizando a ficção como recurso para alertar que somos o país que mais mata trans”, acrescenta o diretor, que comemorou aniversário no dia da veiculação da obra.
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Entre os do Rio Grande do Sul, o destaque foi para Eu Não Sou um Robô, que levou o Tipuana como melhor filme gaúcho e melhor atriz, para a protanista e diretora Gabriela Lamas. A profissional chegou no evento santa-cruzense empolgada. “A expectativa é muito boa, porque volta a ser possível a interação com o pessoal. É um dos primeiros eventos que participo com o retorno da presença do público, que não é só on-line”, justificou.
A Destruição do Planeta Live, que teve a direção e interpretação de Marcus Curvelo em uma abordagem sobre a inquietação existencial, pondo dúvida no personagem principal sobre fazer uma live ou dar um tiro na própria cara, levou o título como melhor direção de fotografia. A animação Stone Heart, de Humberto Rodrigues, incentivou a reflexão a partir do retrato de uma sociedade como consequência da guerra, epidemias, escassez de recursos e colapso social, o que teria transformado os seres humanos em criaturas de pedras deformadas, presas aos piores vícios. Esse projeto ganhou a Tipuana como melhor direção de arte.
A obra soteropolitana Fica Bem, uma comédia sobre a obrigação de ser feliz, que tratou de forma engraçada o polêmico assunto depressão, feita, de acordo com o produtor Calebe Lopes, sem recursos, levou para a Bahia o título de melhor ator, com a performance de Leandro Villa. Para o Rio de Janeiro vai o Tipuana de melhor montagem. A equipe de Ser Feliz no Vão conseguiu a maior nota dos avaliadores fazendo o resgate de imagens e reportagens que mostram a disparidade social entre os moradores de bairros nobres, como Copacabana, e da periferia, que acabam dividindo espaço nas mesmas praias. “Não pode pegar as pessoas, que moram em Copacabana, bem vestidas, e colocar no meio de pessoas mal educadas, comendo farofa com galinha”, ilustrou uma personagem da vida real, exibida em matéria da TV Manchete e inserida no filme de Lucas Rossi dos Santos.
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Leandro Villa, do filme Fica Bem, venceu a categoria Melhor Ator Ser Feliz no Vão levou a melhor na categoria Melhor Montagem
Também para uma produção carioca foi o Tipuana de melhor desenho de som. Copacabana Madureira, de Leonardo Martineli, apresentou forte crítica sobre um assunto que tem pautado a atualidade: as fake news. A obra resgata questões de pseudo notícias, como a existência do kit gay e a mamadeira com bico em formato de pênis. Ataca, também, o setor político, ironizando discursos de autoridades e até a famosa frase utilizada pelo atual presidente da República, Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Abordando de forma nua o racismo, em que o ataque de uma professora a alunos repercute nas ações das personagens, o gaúcho Desvirtude, de Gautier Lee, conseguiu emplacar a melhor trilha sonora. Já entre as obras produzidas por equipes locais, que integram a Mostra Olhares Daqui e foram exibidas no primeiro dia do Festival Santa Cruz de Cinema, Não Há Ninguém Perto de Você levou a melhor. O trabalho conta a história de Gabriel, que recém terminou um namoro e recebe, da amiga Ana, um convite para morar na capital. “Olhares Daqui é um passo importantíssimo para nós, para ver os filmes produzidos em telão, ver a reação do público diante do teu filme em tela grande. E serve para fazermos filmes cada vez melhores, com maior qualidade técnica e narrativa”, explicou o diretor Victor Castilhos.
Desvirtude emplacou a Melhor Trilha Sonora Não Há NInguém Perto de Você venceu a Mostra Olhares Daqui
Por fim, houve a escolha popular, feita a partir da votação no site do evento. O vencedor foi Dois Riachões: Cacau e Liberdade, que tratou sobre a questão da reforma agrágria no interior baiano, dando voz aos assentados, que garantem produção de qualidade e condições de vida para o grupo de moradores.
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Realizado por Sesc/RS – Unidade Operacional Santa Cruz do Sul, Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e Pé de Coelho Filmes, este ano o evento contou com patrocínio da JTI, da Prefeitura de Santa Cruz do Sul e da Corsan. Além do apoio da Gazeta Grupo de Comunicações, Cine Santa Cruz, Proeza Beer, Legend Music Bar, Heilige, Aquarius Hotel Flat, Iecine – Governo do Estado RS, Gaveta, Hbier, Amigos do Cinema e Domcello.
Confira a lista completa dos vencedores:
- Melhor Filme: Inabitável
- Melhor Filme Gaúcho: Eu Não Sou um Robô
- Melhor Direção: Inabitável
- Melhor Direção de Fotografia: A Destruição do Planeta Live
- Melhor Direção de Arte: Stone Heart
- Melhor Ator: Leandro Villa – Fica Bem
- Melhor Atriz: Gabriela Lamas – Eu Não Sou um Robô
- Melhor Roteiro: Inabitável
- Melhor Montagem: Ser Feliz no Vão
- Melhor Trilha Sonora: Desvirtude
- Melhor Desenho de Som: Copacabana Madureira
- Melhor filme Mostra Olhares Daqui: Não Há Ninguém Perto de Você
- Júri Popular Auditório: Inabitável
- Júri Popular Internet: Dois Riachões: Cacau e Liberdade
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