Duas normas, uma estadual e outra federal, têm limitado o acesso da imprensa a ocorrências policiais e dados relacionados com a segurança pública. A normativa estadual 127 foi publicada no Diário Oficial em setembro do ano passado e passou a valer no dia 1º de janeiro. De acordo com o texto, informações que antes podiam ser acessadas pelos veículos de comunicação agora podem ser mantidas em segredo por até cem anos por órgãos como a Polícia Civil e a Susepe, dependendo da sua classificação. Nesse grupo entram desde registros de furto e roubo até números de presos.
Como princípio ético, os jornais e portais não utilizavam em reportagens dados pessoais das vítimas, nem mesmo de suspeitos. O acesso às ocorrências, antes da normativa, tinha como função única divulgar os crimes corridos e manter a população informada sobre a situação da segurança pública. Agora, no entanto, parte dessas informações só será noticiada caso as próprias vítimas procurem os veículos ou, eventualmente, quando outras fontes repassarem as informações. Casos de acidentes, por exemplo, que acontecem em via pública, também devem continuar sendo noticiados.
Já no âmbito federal, uma lei que entrou em vigor no dia 3 de janeiro, batizada de Lei do Abuso de Autoridade, tem dificultado a divulgação de informações. Dentre as atitudes condenadas pela legislação e que devem ser respeitadas pelos policiais está a exposição de presos à imprensa e a divulgação de fotos ou vídeos dos suspeitos. O policial que desrespeitar a lei pode ser condenado a até quatro anos de prisão. Diante da nova regra, a Brigada Militar e a Polícia Civil da região já emitiram pareceres à imprensa informando que não irão mais divulgar fotos de pessoas detidas, nem mesmo de costas.
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O comandante interino do Comando Regional de Polícia Ostensiva do Vale do Rio Pardo (CRPO/VRP), tenente-coronel Giovani Paim Moresco, afirmou também que a BM irá prezar pela preservação dos direitos civis e da cidadania, mas ainda está analisando qual deve ser a postura da instituição diante de alguns aspectos específicos das novas regras. “Nós faremos o possível, dentro da lei, para que a população não fique desinformada. Também não iremos impedir o exercício profissional dos repórteres, de fotografarem prisões em via pública, por exemplo. Mas não podemos mais divulgar imagens dessas mesmas prisões”, comentou.
Problema histórico
Na avaliação do sociólogo, jornalista e educador Marcos Rolim, a falta de transparência na segurança pública é um problema histórico no Rio Grande do Sul, que agora fica ainda mais grave. “Há inclusive um debate na Assembleia Legislativa e no Tribunal de Contas sobre a legalidade dessa portaria, porque ela transforma em secretas um conjunto muito grande de informações. Há cuidado especial quando se divulga dados sobre segurança. Só que, com base nisso, o governo acabou baixando uma portaria que pode ser interpretada de forma tão restritiva que mais nenhuma informação poderia ser repassada, e há dúvidas até mesmo entre os órgãos de segurança sobre isso”, comentou.
Além da nova norma, Rolim destaca que o Estado não tem um banco de dados eficiente e nem mesmo as polícias possuem certas informações. “Por exemplo, uma aluna minha solicitou à Brigada Militar o número de chamadas ao 190 em um ano e quantas dessas solicitações resultaram no despacho de viaturas. Era algo simples, mas a BM não tinha os dados. Como se faz gestão em polícia sem uma informação básica como essa?”
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Projeto de lei propõe movimento contrário
Há dois anos a ONG Cidade Segura, presidida por Marcos Rolim, encaminhou uma sugestão de projeto de lei ao Legislativo sobre transparência em segurança pública que propõe o oposto do estabelecido pela normativa do atual governo. O texto sugere que os órgãos de segurança e a Secretaria de Segurança Pública tornem públicos, periodicamente, uma série de dados relevantes como, por exemplo, boletins de ocorrência, exames periciais, números de prisões, armas apreendidas, número de presos e adolescentes cumprindo medidas socioeducativas e inquéritos concluídos sobre crimes dolosos que resultam em morte.
A proposta também esclarece que dados pessoais sobre as vítimas não devem ser divulgados, bem como informações que possam prejudicar o trabalho das polícias (efetivos, estratégias, investigações em curso, etc.). Além da transparência como princípio democrático, Rolim ressalta que a divulgação dos dados é importante para que a população possa se engajar nos assuntos relacionados à segurança pública. O projeto foi abraçado pelos deputados Luciana Genro (PSOL), Luiz Fernando Mainardi (PT) e Sebastião Melo (MDB) e está em discussão na Assembleia.
Estado é um dos mais atrasados em transparência
Na justificativa do projeto de lei que propõe mais transparência na segurança pública, a ONG Cidade Segura apresenta um comparativo da transparência entre os estados brasileiros. O texto afirma que o nível de transparência na área é de apenas 18% e somente sete secretarias estaduais de Segurança Pública disponibilizam suas políticas nesse setor. Apenas quatro publicam relatório sobre a morte de policiais, seis divulgam relatório sobre letalidade policial, e nenhum dos 81 órgãos dispõe de relatório sobre o uso da força detalhando o número de disparos de arma de fogo, armas de choque, balas de borracha e bombas de efeito moral. Nesse contexto, conforme Marcos Rolim, embora disponha de algumas estatísticas no site da Secretaria, o Rio Grande do Sul encontra-se muito atrás de outros estados.
São Paulo, por exemplo, divulga dados criminais mensalmente e indicadores mais amplos trimestralmente, desde 1995. Mais recentemente, passaram a ser divulgados de forma desagregada por área, município e unidade policial. Na mesma linha, Pernambuco, desde fevereiro de 2017, passou a publicar seus dados mensalmente, com relatórios circunstanciados sobre Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs), Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, por municípios e regiões do estado.
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O Rio de Janeiro, que vive uma crise financeira ainda mais grave do que aquela que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, mantém o Instituto de Segurança Pública (ISP), um órgão de excelência que apresenta relatórios mensais com os indicadores criminais, entre outros estudos muito importantes.
Minas Gerais é outro exemplo importante. Uma visita ao portal da Secretaria de Defesa Social é suficiente para identificar dados não somente a respeito da criminalidade, mas sobre programas de prevenção em andamento. A Secretaria também divulga as informações sobre segurança pública mensalmente, com indicadores para nove crimes violentos, tentados e consumados, desagregados pelos 853 municípios do estado.
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