Empenhado em reduzir o consumo de produtos fumígenos, o governo brasileiro vem há duas décadas apostando em medidas hostis ao setor fumageiro, que incluem, além da proibição de fumódromos e propagandas, a fixação de preço mínimo e uma pesadíssima carga tributária sobre os cigarros. Um estudo recente, porém, indica o que há muito tempo os agentes da cadeia do tabaco vêm alertando: essa política não apenas fracassa no seu objetivo como traz sérios prejuízos à indústria nacional e onera os cofres públicos.
O estudo foi realizado pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf). Uma das principais conclusões é a de que o aumento de impostos estimula o consumo de produtos oriundos do mercado ilegal, sobretudo do Paraguai. Devido aos tributos (mais de 70%) e ao preço mínimo do cigarro (que hoje é R$ 5,00), a diferença de preço entre um maço regular e um irregular para o consumidor chega a R$ 5,70.
Isso põe em xeque a eficácia da política antitabagista, já que, na prática, o que ocorre é uma migração de consumidores do produto regulado para o contrabandeado. Assim, uma grande parcela do consumo deixa de aparecer nos números oficiais. Dados da Receita Federal mostram que as apreensões de cigarros vêm crescendo na mesma proporção que a produção nas fábricas reguladas cai.
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“Quando um produto sobe muito de preço e a renda do consumidor se mantém ou diminui, existe uma tendência natural de substituir este produto por outro dentro destas condições. No caso do cigarro, a Política Nacional de Preço Mínimo não permite que exista no mercado legal um produto similar de menor preço”, diz o estudo. Hoje, estima-se que o contrabando responda por 40% de tudo o que é consumido no Brasil.
Além disso, a expansão do mercado ilegal desencadeia uma gama de problemas sociais, desde a criminalidade, passando pelo desemprego e evasão escolar nas regiões de fronteira até o custo gerado pelas operações de combate e ações judiciais. Isso sem falar nas questões relacionadas à saúde pública, já que os cigarros contrabandeados não estão sujeitos a controles de qualidade.
O CUSTO DO CONTRABANDO
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O estudo também comprova que, para além das perdas de arrecadação causadas pela migração de consumidores dos produtos regulados para os irregulares, o contrabando gera “custos invisíveis” aos cofres públicos em função de seus reflexos sobre a saúde e a segurança pública, além da demanda que recai sobre a Justiça e os órgãos policiais. Confira:
- 20,1 mil é o número de processos em aberto por contrabando de cigarro no Brasil
- R$ 22 milhões é o custo desses processos para os cofres públicos
- 62 é o número de operações da PF contra o contrabando entre 2008 e 2017
- 90% dos carros pegos com cigarros contrabandeados eram roubados
- 65% das marcas de cigarros contrabandeados possuem elevadas concentrações de elementos tóxicos, segundo estudo da Universidade Estadual de Ponta Grossa
- 81,2% das marcas apresentaram algum tipo de contaminante dos tipos fungos, fragmentos de insetos, gramínea ou ácaros
- 100% das marcas não seguem regulamentação fitossanitária
ENTREVISTA
Luciano Stremel Barros
Presidente do Idesf
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Gazeta – O governo federal exalta estatísticas que apontam redução no consumo de cigarros. Esses números podem ser enganosos, considerando que o contrabando só cresce?
Barros – A redução do consumo de cigarros se dá justamente no produto oficial. O produto contrabandeado só cresce, transferindo a categoria de fumantes para a ilegalidade. Na realidade, não há diminuição e sim aumento se considerarmos o contrabando, pois o contrabando se posiciona justamente onde o governo cria restrições para o produto formal. Sendo um produto muito barato e que não respeita nenhuma norma exigida pelo governo, ele só cresce sem restrições e enriquecendo as quadrilhas.
Gazeta – É possível conciliar uma política de controle sobre o consumo de cigarros com a preservação da cadeia produtiva do tabaco, que é tão importante para a economia do País?
Barros – O governo tem que entender que há uma lógica econômica no contrabando e que encontra uma facilidade muito grande tendo o Paraguai ao lado produzindo 55 bilhões de cigarros ao ano. O governo deveria repensar seu planejamento de controle do tabaco, pois no Brasil está provado que é fracassado esse modelo.
Gazeta – O estudo defende uma nova política em relação aos produtos fumígenos. Na sua opinião, por onde essa política deveria começar? O preço mínimo deveria ser extinto?
Barros – O preço é o principal diferencial econômico que motiva o contrabando. Se tivéssemos um produto brasileiro que fosse menos taxado, esse consumo migraria para as categorias formais e impediria que essa avalanche de produtos de péssima qualidade entrasse diariamente pelas fronteiras.
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O PREÇO MÍNIMO DO CIGARRO NO BRASIL
2012 R$ 3,00
2013 R$ 3,50
2014 R$ 4,00
2015 R$ 4,50
2016 R$ 5,00
Fonte: Receita Federal.
Política equilibrada
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A pesquisa sugere ainda que, ao invés de pesar a mão sobre os impostos, uma política tributária mais equilibrada tornaria a produção formal mais competitiva e o contrabando, menos atrativo.
Segundo o estudo, medidas de combate ao consumo a partir do aumento de preços dos produtos devem ser tomadas “de forma cautelosa” e a atual política empregada pelo governo federal está “indiretamente, contribuindo para o desequilíbrio econômico do país e fomentando as atividades ilícitas”.
Um exemplo positivo envolve os produtos informáticos. Até o início dos anos 2000, esses produtos estavam no topo do ranking das mercadorias mais contrabandeadas. Essa situação só foi revertida em 2005, quando se reduziu os impostos sobre o setor. Com efeito, enquanto as apreensões de produtos irregulares caíram cerca de 80%, a produção formal cresceu, entre 2005 e 2013, 539%.
“Quando são aplicadas taxas mais baixas, todos saímos ganhando; aumenta o consumo dos produtos, aumentam as vendas no mercado formal, aumentam os postos de trabalho, como consequência também a arrecadação, diminuindo desta forma a entrada de contrabando”, conclui o estudo.