Categories: Francisco Teloeken

Impactos do Coronavírus

No início de janeiro deste ano, enquanto as notícias mais comentadas eram a decisão do casal Meghan e Harry de se afastar da família real britânica e as queimadas da Austrália, além de algumas bobagens proferidas por nosso presidente, o professor e virologista italiano Roberto Burioni, publicava em seu site Medical Facts um intrigante alerta: “Casos suspeitos de pneumonia na China: um novo vírus no horizonte. Atenção”.

Já na segunda quinzena do mesmo mês, o virologista aconselhava que “vírus desse tipo, para os quais não existem cura nem vacina, são combatidos com o isolamento e a interrupção da transmissão”. O professor chegou a ser chamado de alarmista e xenófobo. Então, o que parecia uma história exótica de uma região da China ganhou, de forma avassaladora e irresistível, o resto do mundo, inclusive o nosso país, batendo em nossas portas.  

A partir de fevereiro, a epidemia do coronavírus foi se espalhando pelo mundo, até ser classificada pela OMS como pandemia. No Brasil, mesmo com alguns casos suspeitos, o presidente Bolsonaro “debochou dos médicos e da saúde pública”, como disse a médica Juliana Pacheco, de São Paulo, ao desdenhar da epidemia. Bolsonaro ainda insiste tratar-se de uma histeria, fomentada pela grande mídia. Na avaliação de Philipp Lichterbeck, do Deutsche Welle, “se o coronavírus infectar milhares de brasileiros nas próximas semanas, o maior culpado já tem nome: Jair Bolsonaro”, apelidado, pelo jornal, de “bullshiter” do Planalto.

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A pandemia do coronavírus já é uma trágica realidade, no Brasil. O primeiro, mais preocupante e triste é o impacto humano, com a ocorrência das primeiras mortes.  Além desses dramas pontuais, o vírus vem gerando impactos negativos em várias áreas, principalmente na economia, replicando o que já acontece no mundo, e que vai afetar as demais.  

Com a contenção social, isolando as pessoas em suas residências, recomendada pela Organização Mundial da Saúde e considerada pelo virologista italiano, citado anteriormente, como única maneira de evitar o contágio em massa de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, ante a inexistência de medicamentos para combatê-lo, as fábricas, escritórios e prestadores de serviços tiveram que parar suas atividades, praticamente interrompendo a economia, o que se chamou de isolamento horizontal. Mas, existem especialistas e autoridades que discordam dessa forma de combater o coronavírus, sugerindo o isolamento vertical e a “imunização do rebanho”. Isolam-se os idosos e pessoas com algum risco, mais vulneráveis, e deixa-se o vírus rolar solto, com a população mais jovem desenvolvendo anticorpos. No Reino Unido, começaram com essa estratégia, mas, ao ser informado do potencial de 250 mil mortos, o primeiro ministro Boris Johnson a mandou parar.

Independente das discussões sobre o assunto, em que é fundamental encontrar um meio-termo, sob pena de matar o doente com o remédio, governos decretaram a suspensão de atividades escolares, comerciais, industriais, serviços. Em todas as crises sempre existe o perigo ou a oportunidade. Para manter a continuidade de suas operações, a crise do coronavírus obrigou a maioria das empresas brasileiras a despertarem para novas formas de trabalho. Uma delas é a adoção do home office – trabalhar em casa. Reuniões e entrevistas passam a ser realizadas por videoconferência, enquanto as tarefas são repassadas por ferramentas eletrônicas. Empresas que já trabalhavam dessa forma, em parte ou em todo, aproveitaram a oportunidade para expandir a prática do home office, conseguindo produzir e ser eficientes da mesma maneira.

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Para Celso Hupfer, CEO da Connekt, o home office exige do funcionário alguns cuidados específicos para manter a produtividade, como definir um local de trabalho e adaptar o ambiente, ter horários, criar uma rotina, atentar à qualidade de vida (observando pausas), não se distrair (com as crianças também em casa, não é fácil conciliar trabalho profissional e atenção aos pequenos), manter o calendário de reuniões, focar no trabalho em equipe (conversar com os integrantes da equipe), fazer uma lista de tarefas e pedir a colaboração das pessoas que moram no mesmo local para não misturarem “as estações.”

Além das questões salariais que podem advir da implantação do home office, esta crise vai trazer dificuldades para os empresários cumprirem com o pagamento dos salários de seus funcionários, visto que os negócios estão parados, não gerando receitas.

Outro ponto importante que pode acabar em processos judiciais são as quebras de contratos. Na setor aéreo, por exemplo, algumas empresas já flexibilizaram as regras de cancelamento e alteração de passagens, vez que pode haver restrição do país de origem, destino e datas originais do voo. Atendendo às companhias aéreas, o governo autorizou a remarcação da passagem ou devolução do dinheiro já pago pelo usuário num prazo de doze meses.

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Outros setores, entretanto, enfrentarão conflitos entre o cumprimento daquilo que foi contratado e a vontade do contratante, em razão da pandemia. Atrasos, falta de insumos, não cumprimento de obrigações estabelecidas em contrato, entre outros, serão frequentes. Descumprimentos de contrato com o consumidor são os que mais devem dar dor de cabeça para as empresas. Se algum serviço deixar de ser entregue por conta do coronavírus, é provável que as empresas deverão ressarcir o consumidor. De modo geral, o momento é de cautela.

Além de muitos outros, um dos setores que ainda operam, em muitas cidades, são os restaurantes. Começa com a drástica diminuição de clientes ou com a determinação de alguns governos de simplesmente fechar o estabelecimento. É um grande desafio a ser superado pelos empreendedores desses negócios. Para os que continuam abertos, começar com algumas providências básicas como oferecer álcool gel em pontos estratégicos, funcionários equipados com luvas e máscaras, banheiros limpos, papel para secagem das mãos, etc. Alguns, viram no delivery uma saída para seu negócio, com o que mantém seus clientes.

Incluídos nas faixas de maiores riscos, os idosos que moram em asilos e casas geriátricas ainda estão mais expostos a serem contaminados pelo coronavírus. Na Espanha, mais de 100 idosos teriam morrido nesses locais com sintomas do coronavírus; em alguns asilos, idosos foram encontrados mortos em suas camas, abandonados à própria sorte por seus cuidadores. Nos Estados Unidos, em menos de um mês desde que a doença foi diagnosticada em um residente, 81 moradores testaram positivo para o Covid-19 e 35 morreram. Por isso, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBFF) recomendou a medida de suspender visitantes nessas casas. Claro que isso gera maior impacto na rotina da maioria dos idosos que sentem saudade dos abraços e visitas dos familiares. Para tentar minimizar a carga emocional das normas contra a doença, boa parte dos asilos decidiu flexibilizar os horários para os residentes conversarem com familiares ou aplicativos de celular.

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Todos já tivemos contato ou, até, inadvertidamente, já repassamos alguma fake news sobre os mais diversos assuntos. Na pandemia do coronavirus as fake news circulam livremente e com muita força nas redes sociais. Notícias falsas relacionadas com o coronavírus mais compartilhadas são sobre receitas milagrosas e teorias da conspiração. Desde que começou a epidemia, a demanda dos sites que trabalham para verificar e desmentir boatos que circulam nas redes – os fact-checkers – aumentou consideravelmente. Gilmar Lopes, do site E-farsas, que há 18 anos combate boatos na internet, explica que as peças de desinformação giram em torno dos temas que dão mais cliques. “Os criadores de boatos digitais se aproveitam desses assuntos do momento. O sujeito cria lá uma história qualquer, solta e começa a ganhar click, curtida, compartilhamento, e com isso ele vai crescendo de ranking dentro da rede social”. Tem, por exemplo, um vídeo do presidente da China, Xi Jinping, em que ele aparece fazendo um discurso; a legenda em português diz que ele está convocando para a 3ª guerra mundial, mas, no original, em inglês, é um discurso da passagem do ano chinês do ano 2018 para 2019.

Pior mesmo é um vídeo, gravado em janeiro deste ano, em que o Dr. Dráuzio Varela diz que não mudaria de rotina por causa do coronavírus. Sabe-se lá porque razões, várias pessoas influentes, até o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e o filho 02 do Bolsonaro – Carlos ou Carluxo, como é conhecido nas redes sociais – postaram este vídeo como se fosse atual para justificar o pouco caso que o presidente Bolsonaro estava dando à pandemia. O Dr Dráuzio gravou um novo vídeo, em 18/03/2020, referindo-se aquele primeiro de janeiro e alertando que a situação havia mudado e que era preciso tomar cuidados, ainda mais ele com 73 anos.

Enfim, o mundo está passando por uma prova global de medo diante da nova epidemia do coronavírus que ameaça a todos por igual e que nos mostra que, para ela, não existem muros nem fronteiras. Para a maioria de nós, a pandemia do coronavírus representa uma circunstância completamente sem precedentes, mesmo para as pessoas de mais idade, das quais faço parte. Não apenas nos lembra, com toda a tecnologia de que dispomos hoje, nossa fragilidade física e também prejudica a segurança econômica, lança rotinas diárias de pernas para o ar, destrói planos e nos isola de parentes, vizinhos, amigos. A pandemia também traz o pior e o melhor da sociedade. Percebemos a falta de escrúpulos de políticos que exploram a situação ou cidadãos que, no supermercado, levam o que não conseguirão consumir nos próximos meses; em contrapartida, vizinhos se oferecem para fazer compras para pessoas idosas ou, numa farmácia, mães dividem o que resta de fraldas. De repente, nos sentimos mais próximos de nossos familiares, enquanto somos obrigados a nos distanciar fisicamente deles. Esta crise do coronavírus certamente definirá nossa e as futuras gerações.

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