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Imigrantes lutaram pelo acesso à saúde

Em 1908, a comunidade inaugurava o Hospital Santa Cruz, fruto da mobilização em favor do atendimento médico

Consegue imaginar Santa Cruz do Sul sem a estrutura de saúde atual? Apesar dos problemas, a população tem à disposição uma gama de serviços públicos e privados. São três hospitais – Ana Nery, Santa Cruz e Monte Alverne – e 24 unidades do Sistema Único de Saúde, além de diversos consultórios médicos.

De acordo com a Prefeitura, o município possui 725 profissionais na área, de concursados a celetistas e contratados. Somente no primeiro semestre de 2024, as 27 unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF) – com exceção dos postos Linha Santa Cruz I e II – realizaram 212 mil atendimentos. Uma média de 35,4 mil por mês.

Já quatro das cinco Unidades Básicas de Saúde registraram 48,3 mil atendimentos, cerca de 8 mil por mês. Somente a UBS Clementina Martini, onde atualmente está a UPA Central, apresentou 21,6 mil entre janeiro e junho.

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Tal disponibilidade de assistência era um sonho inimaginável aos primeiros imigrantes que aportaram na Colônia de Santa Cruz, no mês de dezembro de 1849. Levaria décadas até que os moradores tivessem acesso a uma estrutura mínima. Foram anos de luta e o empenho de diferentes setores da comunidade para que os munícipes tivessem acesso à saúde.

Falta de estrutura médica mobilizou a população nos primórdios da colônia

A falta de tratamento médico na Colônia de Santa Cruz durante os anos iniciais foi determinante na vida dos primeiros habitantes. Sem profissionais adequados, restou aos padres e pastores visitar as casas e oferecer um “conforto espiritual”.  

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Em 1870, um dos padres que visitavam as famílias católicas registrou 54 mortes. Destas, 35 eram de crianças e adolescentes, com idade entre zero e 15 anos.

Isso porque, durante o século 19, doenças facilmente tratadas hoje eram consideradas mortais. A publicação Hospital Santa Cruz – 100 anos, da Editora Gazeta, destacou que no interior de Dona Josefa, atualmente interior do município de Vera Cruz, sete irmãos faleceram vítimas de diarreia.

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Havia ainda a tifo (nome dado a uma série de doenças infectocontagiosas, transmitidas ao homem pela picada de insetos infectados ou pela contaminação com suas fezes); tuberculose; sífilis; sarampo; hemorragia e outras. Outra adversidade era o diagnóstico impreciso. Uma vez que os religiosos assumiram a tarefa de determinar as causas das mortes, muitas delas eram consideradas duvidosas.

A precariedade, na visão do escritor José Alberto Wenzel, gerou angústia nos habitantes. O sonho alemão de se instalar na nova terra e prosperar era sufocado pelas condições. O sucesso, porém, dependeria do espírito solidário e da vontade em melhorar o acesso ao tratamento.

Para tratar as enfermidades que os acometiam, os colonos precisavam recorrer a táticas alternativas. Entre elas, as utilizadas pelos índios. Para resfriados, por exemplo, faziam chá de laranjeira. As dores abdominais eram amenizadas com o uso de chá de cabelo de porco, enquanto os ferimentos eram tratados com folhas de couve.

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Em meio a esse cenário precário, iniciou-se a busca por atendimento médico adequado. O jornalista José Augusto Borowsky, responsável pela coluna Memória na Gazeta do Sul, apurou que as primeiras movimentações aconteceram em 1851. Na data, o recém-nomeado diretor da colônia, João Martin Buff, requereu à Câmara de Rio Pardo a designação de um médico para atender os moradores.

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O pedido foi negado, sob a justificativa de que não havia verba. Buff, entretanto, persistiu. No ano seguinte, levou o pedido à presidência da Província. Demoraria mais de uma década até o primeiro médico residir no município.

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Primeira casa de saúde surge em 1889

Quatro décadas após a chegada dos primeiros imigrantes, Santa Cruz passou a contar com a primeira casa de saúde. Trata-se da Natur-Heilandstalt Santa Cruz (Hospital de Cura Natural Santa Cruz), fundado pelo alemão Eduard Kämpf em 1889.

A estrutura foi erguida em uma propriedade localizada no atual trevo de acesso a Sinimbu, nas proximidades da RSC-287. O espaço foi escolhido por sua natureza abundante, marcada pela presença de água, ar puro e sol.

Esses fatores foram essenciais para o serviço oferecido por Kämpf na primeira fase da instituição de saúde. Antes de mudar-se para o novo continente, o então carpinteiro autodidata aprendeu sobre a hidroterapia, criada pelo padre alemão Sebastian Kneipp. Fundamenta-se no uso de plantas medicinais e na mudança no estilo de vida para a melhora da saúde.

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No livro Vida Nova: a história do Sanatório Kaempf, de José Alberto Wenzel, publicado este ano pela Editora Gazeta, o autor detalha a preferência do fundador da instituição pelo tratamento natural. Buscava-se não só tratar as mazelas que adoeciam a comunidade, tais como o reumatismo e a tuberculose, mas também uma forma de fortalecer o corpo dos habitantes, especialmente dos trabalhadores rurais.

Para isso, os pacientes eram orientados a realizar “caminhadas energizantes no gramado, de pés descalços”, além de dedicar tempo para conversar e para a leitura. “O propósito era desenvolver corpos sadios e mentes sãs”, enfatiza Wenzel.

A partir de 1919, um ano após a morte de Kämpf, a instituição transformou-se em um hospital-geral. Em 1970, intensificou a atenção psiquiátrica. As atividades encerraram-se em 1999. Wenzel apurou que, durante 109 anos, mais de 100 mil hóspedes e pacientes foram atendidos. “Não dá para contar a história de Santa Cruz sem contar a do sanatório”, afirma.

Na avaliação do escritor, Kämpf provocou uma revolução no atendimento médico em Santa Cruz. “Chegava um certo momento em que as famílias, ao ver um parente adoecido, entregavam para Deus. E o Kämpf mudou a mentalidade, insistiu no tratamento”, enfatizou.

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O primeiro médico-chefe do Hospital Santa Cruz, Heinz von Ortenberg, realiza uma cirurgia com o auxílio das irmãs

União de esforços levou ao Hospital Santa Cruz

O crescimento de Santa Cruz, somado ao alastramento de doenças, demandava a construção de um hospital para atender a população. Assim, em 1893, iniciaram-se os empenhos pela concretização da casa de saúde.

O padre Jesuíta Francisco Suzen encabeçou os esforços, mobilizando a comunidade e defendendo a criação de um fundo financeiro para a construção. Com a chegada das religiosas da Ordem de São Francisco a Santa Cruz no mesmo ano, a madre-geral da congregação, irmã Ludmila, apresentou uma proposta aos moradores. Não só manteriam a instituição, mas também cederiam o terreno de sua propriedade, além de profissionais de saúde – incluindo um médico-chefe e irmãs franciscanas enfermeiras da Alemanha. A comunidade ficou responsável pela edificação.

Em 1905, católicos e protestantes uniram esforços e criaram uma comissão para erguer a edificação. A pé ou a cavalo, eles percorreram a colônia para arrecadar recursos para a obra. No dia 24 de dezembro do mesmo ano, foi realizada a bênção da pedra fundamental.

Os danos nas plantações provocados pela seca e pelas nuvens de gafanhotos no ano seguinte resultaram em perdas financeiras consideráveis para os moradores. E, por consequência, na coleta de doações. Buscaram alternativas para que o projeto não fosse suspenso, por meio de um empréstimo junto à comunidade.

Desse modo, a construção foi terminada em novembro de 1907. Em 22 de maio do ano seguinte, a inauguração do Hospital Santa Cruz foi celebrada. Em pouco tempo, atendia não só enfermos do município, mas também de cidades vizinhas, incluindo Rio Pardo e Candelária.

Além das irmãs-enfermeiras alemãs, foi contratado o médico Heinz von Ortenberg. De acordo com a publicação Hospital Santa Cruz – 100 anos, da Editora Gazeta, sua atuação não se limitou à área. Com formação na Faculdade de Berlim, de Médico Superior do Exército Imperial, trouxe com sua experiência os hábitos sociais e culturais. Isso, conforme a revista, foi decisivo para o progresso da cidade.
Seu trabalho como médico-chefe do HSC ocorreu entre janeiro de 1908 e janeiro de 1914. Nesse período, viajava de carroça (puxada por dois cavalos) ao interior, atendendo os colonos e menos afortunados de graça.

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O caráter humanitário foi uma das marcas da casa de saúde, que se destacou pela ajuda prestada a todas as camadas da população. Com o passar dos anos, as instalações foram ampliadas. Em 1930, quase duplicaram. Em pouco tempo, havia serviço de radiologia e laboratório de análises clínicas.  Um ponto-chave foi a instalação da maternidade, no dia 1º de maio. De acordo com os registros, o primeiro parto foi de um casal de gêmeos.

A instituição desenvolveu-se juntamente com o município. Passados 116 anos, deixa como legado um impacto profundo na saúde de Santa Cruz, contribuindo para a queda da mortalidade entre os moradores.

Atendimento humanitário é a herança deixada pelas irmãs franciscanas no HSC

Monte Alverne: de consultório médico a casa de saúde  

A instalação de uma clínica médica em Monte Alverne, interior de Santa Cruz, se tornaria uma virada de chave na localidade. Foi em 1917 que o médico suíço Pedro Eggler iniciou os trabalhos em um prédio de dois andares. Lá, além dos quartos, estavam as salas de espera e de cirurgia, a farmácia e os consultórios, onde atendia pacientes de toda a região.

Não demorou muito tempo para que a demanda aumentasse diante da popularidade dos seus serviços. Isso motivou a fundação da Sociedade Beneficente Rio Tahl em 1927. Eggler, entretanto, veio a falecer em 1947, sem ter visto a inauguração do Hospital Monte Alverne uma década depois.

Com o passar dos anos, a instituição passou por diversas melhorias, aperfeiçoando não só a estrutura física, mas também o atendimento à população. Hoje não se limita a Monte Alverne. Atinge 13 municípios do Vale do Rio Pardo que, juntos, somam uma população de aproximadamente 340 mil habitantes.

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Por meio  do Sistema Único de Saúde (SUS), realiza em média 45 procedimentos cirúrgicos por mês, incluindo retirada de amígdalas, por exemplo. Também são feitas cerca de 300 consultas no mesmo período, assim como diagnósticos, exames e outros procedimentos.

E com as especialidades de otorrinolaringologia e reumatologia, tornou-se referência para 62 municípios da região, disponível para 900 mil pessoas.

Os primeiros profissionais

Não passou muito tempo para que os primeiros habitantes da Colônia de Santa Cruz percebessem a necessidade de contar com um médico para atender os enfermos. Segundo o jornalista José Augusto Borowsky, Antônio Ferreira de Andrade Neves foi possivelmente o primeiro. Ele viajava de Rio Pardo a cavalo para fazer visitas esporádicas. Ainda que idoso e cego, continuou a atender até sua morte, em 1890.

Em 1859, passa a residir em Santa Cruz o profissional Júlio Laun. Adiante, em 1881, tem-se ainda o registro de atuação do médico Otto Wülff, que assumiu a tarefa de vacinar a população contra a varíola.
Ao final do século 19, em 1894, Santa Cruz passa a contar com o primeiro médico graduado na região, Wilhelm Müller. Colocou à disposição da comunidade o “Mein Privat Krankenhaus” (“Meu Hospital Particular”), que tinha sete leitos.

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Com o auxílio da esposa, Müller realizava no local cirurgias, inclusive amputações bem-sucedidas. Três anos depois, acrescentou o espaço para realização de partos.

O primeiro profissional nascido na Colônia de Santa Cruz foi Guilherme Alfredo Oscar Hildebrand. Formou-se na Faculdade de Medicina em Porto Alegre. Aos 24 anos, ele ficou responsável pelo comando do Hospital Santa Cruz, em 1914. Sua rotina era intensa: no período diurno atendia em seu consultório, enquanto à noite realizava as cirurgias.

Guilherme Hildebrand

Para além da medicina, possuía interesse na política e foi eleito para a Câmara Municipal, tendo assumido o cargo de presidente em 1924. Duas décadas depois, assumiu como deputado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Em seu lugar na direção do HSC, assumiu outro filho da terra, o cirurgião e obstetra Arthur Carlos Kliemann. Ele começou a ampliação da segunda ala da casa de saúde, que resultou na quase duplicação das instalações. Também foi responsável pela implementação da maternidade.

À medida que os anos iam passando, mais profissionais começaram a atuar, diante do potencial do município. Décadas depois, o legado dos primeiros médicos mantém-se preservado junto com os esforços dos imigrantes que se mobilizaram para que Santa Cruz protegesse a saúde dos seus moradores.

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