Se em 2024 o Brasil comemora os 200 anos desde o início da colonização alemã no Rio Grande do Sul, com as primeiras famílias tendo se fixado na atual São Leopoldo, ainda em 2022 um outro bicentenário merecerá muitos festejos: o da própria independência do País em relação a Portugal, em 7 de setembro de 1822. Essas duas circunstâncias distam menos de dois anos uma da outra, e isso não é uma mera casualidade.
O gesto de Dom Pedro, de declarar a independência, deve muito à ação e aos ensejos feitos por sua esposa, a princesa Leopoldina, que logo adiante se tornaria a primeira imperatriz brasileira. Como filha de Francisco I, da Áustria, chegara ao Rio de Janeiro para a Corte portuguesa de Dom João VI, em 1817, para o casamento com Dom Pedro, unindo as casas dos Habsburgo e dos Bragança. Mal Dom João VI havia retornado a Lisboa, e o cenário conflituoso tanto no Brasil quanto em Portugal, que queria fazer o primeiro voltar à condição de mera colônia, exigia um rápido posicionamento da população e também de Dom Pedro.
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Este viajava por São Paulo quando, após reuniões na Corte, no Rio, Dona Leopoldina de lá enviou uma carta ao marido. Pedia que ele declarasse o mais rapidamente a independência, antes mesmo de retornar. E assim Dom Pedro o fez. Sem um exército constituído em condições de defender a nova pátria, ou de ajudar a impor a ordem num ambiente tenso, mais uma vez Dona Leopoldina e outros líderes incentivaram Dom Pedro a solicitar a contratação de alemães, para compor um grupo de mercenários. Por ação de José Bonifácio de Andrada e Silva, e ainda do agente Georg Anton von Schafer, efetivamente germânicos chegaram para assumir essa condição, os chamados mercenários do imperador.
Porém, mais do que apenas constituir um Exército, a preocupação de Dona Leopoldina e José Bonifácio era também trazer força de trabalho. Em uma economia ainda totalmente apoiada em escravos, quando a escravatura vinha sendo condenada em âmbito mundial, era o momento de permitir que trabalhadores livres, de diferentes nacionalidades, pudessem se estabelecer nas regiões pouco povoadas, a exemplo do Sul do País, e também no Sudeste e no Nordeste.
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Foi assim que, ao lado dos mercenários, começaram a chegar as primeiras famílias de imigrantes germânicos para experiências de colonização com pequenas áreas de terra. São Leopoldo foi a primeira dessas colônias a logo progredir, em boa parte graças à proximidade com Porto Alegre, que absorvia os produtos agrícolas escoados a partir das plantações. Mas logo, com a chegada de novas levas, mais colônias foram surgindo no Vale do Caí, do Taquari, do Rio Pardo e do Jacuí. Santa Cruz, fundada em 1849, integrou a segunda fase da colonização, ao lado de Colônia de Santo Ângelo, a atual Agudo. Essas novas localidades já se apoiaram fortemente em uma cultura que logo mostrou ampla adaptação a essa realidade: as lavouras de tabaco.
Se a ampla maioria das famílias de imigrantes alemães veio para se fixar em pequenas áreas de terra, tornando-se agricultores, produtores de alimentos e de matérias-primas, nem por isso deixaram de vir às colônias pessoas com outras habilidades ou especialidades. Uma das características mais revolucionárias dessas correntes migratórias foi a imediata autossuficiência das localidades em termos de serviços. Ainda que a religião oficial no Brasil fosse a católica, entre os colonizadores vieram em grande maioria protestantes, que passaram a celebrar na nova terra a sua fé, também cristã, mas luterana. Assim, igrejas católicas e mais tarde quando admitidas, evangélicas luteranas surgiram na paisagem tanto nas cidades quanto no interior.
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Nos primórdios, não raro os locais onde os colonos rezavam eram também os mesmos em que seus filhos iam para estudar, e com professor contratado pela comunidade. O professor, dessa forma, transformava-se em um líder para todas as situações em que as famílias precisassem de apoio espiritual e de defesa de seus interesses. A abertura das estradas de escoamento ou acesso a outros povoamentos, inclusive as cidades maiores da região; o transporte, a construção de pontes ou de centros comunitários, tudo era feito de forma coletiva. E o espírito de união se estabeleceu de tal modo que a forma cooperativa de produção e comercialização, bem como de auferir crédito, deu amplo impulso a essas comunidades de colonização germânica.
Mais do que produzir alimentos e matérias-primas, as colônias alemãs logo viram surgir as primeiras indústrias de transformação, que agregaram valor aos produtos para exportação a outras regiões do Brasil e inclusive para o exterior. Em colônias como a de Santa Cruz, a industrialização avançou de modo muito rápido e consolidou a economia local, a tal ponto que a localidade surgida a partir da imigração, em 1849, apenas 28 anos depois já alcançava sua emancipação em relação a Rio Pardo, o município-mãe.
Com a agricultura e a indústria, as tradições foram se estabelecendo, e no caso de Santa Cruz cristalizam-se na Oktoberfest, a maior festa alemã do Rio Grande do Sul. Culinária, música, danças, bebidas, esportes, muitos outros elementos trazidos por essa etnia chegaram ao século 21.
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Edição: Dejair Machado (dejair@gazetadosul.com.br)
Textos: Dejair Machado, Marcio Souza, Marisa Lorenzoni e Romar Beling
Diagramação: Rodrigo Sperb
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