Desde que foi anunciado, na quinta-feira da semana passada, o horário especial de Natal para o comércio de Santa Cruz do Sul virou polêmica. Os motivos não são os dias e horários, mas sim o entendimento do Sindicato do Comércio Varejista do Vale do Rio Pardo (Sindilojas/VRP) e do Sindicato dos Comerciários de Santa Cruz do Sul de que os termos do acordo coletivo são válidos somente para empresas e trabalhadores associados das entidades. A questão gerou reclamações diversas de ambas as partes e é vista com cautela por advogados devido à insegurança jurídica.
Conforme a advogada Adriane Borba Karsburg, assessora jurídica do Sindilojas, o acordo coletivo foi firmado para atender a uma demanda específica – o horário diferenciado do comércio no período de Natal. Ela explica que, nesse caso, os sindicatos não têm a obrigatoriedade de representar toda a categoria – é possível que os termos sejam firmados de forma individual ou com determinadas empresas, com regras também específicas. Assim, tanto o sindicato patronal (Sindilojas) quanto o sindicato laboral (Sindicato dos Comerciários) optaram por contemplar somente aquelas empresas e trabalhadores que realizam o recolhimento da contribuição sindical.
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“Entendemos que devemos prestar serviços para os que nos remuneram para representá-los. Ainda, quem não realiza o recolhimento da contribuição não nos autoriza a fazer essa representação”, diz Adriane. Com isso, a entidade afirma que empresas que não estiverem em dia com as contribuições não poderão abrir nos dias e horários diferenciados e, caso o façam, estarão sujeitas às multas previstas no acordo. Da mesma forma, os empregados que trabalharem e não estiverem regulares com o sindicato poderão ser executados para o pagamento da contribuição e da multa estipulada.
Adriane salienta, entretanto, que não há previsão no acordo para que os empregadores não façam o pagamento de lanche, prêmio e horas extras aos funcionários que trabalharem sem estar em situação regular perante o sindicato. “As penalidades para as empresas e empregados previstas no acordo não se confundem com as obrigações das empresas e os direitos dos trabalhadores.”
Já o presidente do Sindicato dos Comerciários, Afonso Schwengber, foi mais enfático. “Como é que eu vou pegar o dinheiro dos que contribuem para beneficiar os outros que não o fazem? A oposição à contribuição é um direito deles, mas é meu dever enquanto presidente fazer cumprir o nosso estatuto e a legislação.” Ele frisa que a questão das contribuições negocial e assistencial foi discutida em seis assembleias realizadas neste ano, e defende o pagamento ao afirmar que um sindicato enfraquecido prejudica a todos os trabalhadores.
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Diante da polêmica, especialistas em Direito Trabalhista entendem que há insegurança jurídica e que a divergência pode render ações judiciais. Segundo a advogada Kellen dos Santos, a reforma trabalhista de 2017 extinguiu a obrigação da contribuição assistencial, de maneira que os trabalhadores que desejassem contribuir deveriam manifestar essa vontade. Em outubro deste ano, porém, um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que a cobrança pode ser descontada em folha de pagamento, mas assegurou aos empregados o direito à oposição.
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Sobre os termos do acordo, que preveem a possibilidade de abrir os estabelecimentos nos horários especiais só aos lojistas filiados ao sindicato patronal e a possibilidade de trabalhar nesses horários somente aos empregados em situação regular junto ao sindicato laboral, Kellen observa que há divergências dentro do próprio Judiciário. De acordo com ela, a maioria entende que essa distinção entre filiados e não filiados para usufruto do acordo não pode existir. “Mas há também o entendimento minoritário de que pode haver, sim, diferenças de benefícios, porque quem contribui dá força para os sindicatos negociarem.”
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Kellen diz entender o lado dos sindicatos, que procuram beneficiar quem os mantêm, mas não acredita que possa haver diferenciação entre contribuintes e não contribuintes para situações como essa. “Eu não sou favorável a essa espécie de negociação que exclui quem não paga, justamente porque a legislação não é clara quanto a isso.”
Acrescenta ainda que, estando o acordo firmado e inclusive prevendo penalidades tanto para empresas como funcionários, quem abrir as portas ou trabalhar nos horários especiais sem estar filiado estará sujeito a elas. Devido à insegurança jurídica citada anteriormente, é possível que esse impasse vá parar na esfera judicial.
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A advogada Alexandra Johann Maieron, especialista em Direito Trabalhista e professora do curso de Direito da Faculdade Dom Alberto, tem a mesma posição. Segundo ela, muitos pontos da reforma trabalhista de 2017 continuam em debate no STF.
“A princípio, o que é firmado em convenção ou acordo coletivo se aplica para toda a categoria, estando ou não sindicalizados. Mas como eles colocaram essa especificação dos filiados, isso pode ser discutido judicialmente”, observa Alexandra. Esclarece que a legislação prevê acordos entre empresas e sindicatos para abordar pontos específicos, como foi o caso da Havan, quando se instalou em Santa Cruz do Sul e passou a abrir aos domingos.
Nessa mesma esteira, a advogada Evelin Lopes Santos cita o artigo 8º da Constituição Federal, que diz que os sindicatos são representantes de toda a categoria. Diante do impasse entre filiados e não filiados para usufruto do acordo e possibilidade de aplicação das penas, a especialista é clara. “Eu entendo que o sindicato não pode proibir que os empregados trabalhem. É o mesmo caso da greve, que mesmo estando instaurada, o sindicato não pode impedir quem quiser trabalhar. É facultativo a cada um aderir ou não.”
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Ao longo desta semana, quem passou pelo cruzamento das ruas Ernesto Alves e Capitão Fernando Tatsch, no Centro de Santa Cruz, percebeu uma longa fila de pessoas. Eram trabalhadores que foram ao Sindicato dos Comerciários entregar a declaração de oposição às contribuições negocial e assistencial. Conforme alguns relatos, o tempo de espera foi de várias horas e alguns perderam um turno inteiro de trabalho enquanto aguardavam o atendimento na entidade. Com isso, muitos questionaram se o processo não poderia ser feito por telefone ou por meio da internet.
De acordo com a advogada Tauani Schwengber, assessora jurídica do Sindicato dos Comerciários, a entidade só pode agir com base no que é decidido em assembleia. “Todos os empregados são convocados para participar desse momento, seja por meio de publicação de edital ou de visitas dos diretores às empresas”, afirma. Nesses encontros, segundo ela, várias questões são decididas, entre elas a forma de manifestar oposição às contribuições. “Isso é sempre deliberado em assembleia, e os comerciários aprovaram que essa oposição precisa ser feita de forma presencial.”
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