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SAÚDE MENTAL

Histórias de quem superou percalços e garantiu a inclusão na sociedade

Maria Fátima do Nascimento: “Agora tô feliz”, afirma, saboreando seu chá de melissa | Fotos: Jaime Fredrich/Divulgação/GS

Com uma caneca em mãos, saboreando um chá de melissa, como em todos os fins de tarde, Maria Fátima do Nascimento mostra, orgulhosa, a nova cozinha, mobiliada há poucos meses com o salário que ganha dobrando roupas em uma lavanderia. A cena revela outra Maria, mais alegre, menos dependente, bem diferente daquela que passou anos sob tortura psicológica em uma clínica irregular para pessoas com patologias psiquiátricas. Para entender o atual momento de Maria, com quase liberdade total de escolher o que quiser para si, há todo um contexto por trás, que veio a muitas custas e com o auxílio de muitas mãos.

Hoje com 38 anos, a trajetória de vida dela começou com percalços ainda na infância. Após um descompasso familiar, foi levada para uma casa de acolhimento infantil, e depois passou pelo Abrigo Feminino. Aos 20 anos, levaram-na para uma clínica em Cachoeira do Sul. De lá, só tem más lembranças e evita falar sobre o assunto porque é só desalento. Comentou rapidamente que passou por castigos, xingamentos, fome, frio, teve até que assumir responsabilidades, como cuidar de outros pacientes mais velhos. Saiu de lá há pouco mais de sete anos, assim como outros 23 santa-cruzenses, num trabalho conjunto entre Prefeitura, por meio das secretarias de Saúde e de Desenvolvimento Social, Ministério Público e Coordenadoria Regional de Saúde. “Foi a minha salvação”, conta Maria.

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Em Santa Cruz, ela passou a morar no Residencial Inclusivo (RI), situado no Vale do Nazaré, destinado a pessoas com deficiência e que tiveram vínculos familiares rompidos. Foi nesse novo lar, o RI, como é chamado, que Maria começou uma nova história. Acompanhada por profissionais do local e do Centro de Atenção Psicossocial (Caps II) da Prefeitura, ela teve uma recuperação tão meteórica que conseguiu um trabalho na lavanderia do Hospital Ana Nery. E está lá há pouco mais de três anos. “Gosto do serviço. Estou contente. Meus colegas me tratam bem, agora estou feliz”, conta ela, sempre falando em frases curtas e precisas.

A nova autoestima de Maria também se reflete no coração. Foi no RI que conheceu um moço, o jovem Éder Betoretti, de 24 anos, por quem se apaixonou e com quem casou, rápido assim. Desde o dia 12 de junho, data que marcará para sempre a biografia dos dois, moram juntos em um apartamento. É lá que Maria, na nova cozinha, na qual sorve o chá de todos os dias, prepara pratos quentes, como arroz com frango. “O preferido do meu marido”, diz ela.

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Éder Betoretti conheceu Maria no Residencial Inclusivo, e hoje os dois vivem juntos | Fotos: Jaime Fredrich

Éder, por sua vez, tem uma trajetória parecida com a de Maria, mas com algumas peculiaridades: ele é o rei dos abraços. “Ele abraça todo mundo que encontra”, revela Maria. E ele também canta. Adora repetir músicas que falam de Deus. “Foi nas oficinas de música no Caps que aprendi a cantar e até a tocar violão”, recorda.

Assim como a esposa Maria, ele conseguiu se desinstitucionalizar há dois meses, que é quando o paciente passa a ter autonomia, mas, devido às limitações, continua recebendo todo o suporte, inclusive em funções no cotidiano, como as compras em supermercado. Atualmente, além de trabalhar no setor de nutrição do Hospital Santa Cruz, Éder faz curso em Direito do Trabalho, na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). “Estou gostando da minha nova vida, gosto do trabalho, de estudar. Está tudo muito bom”, afirma.

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“Trabalhar está me fazendo muito bem”

O final feliz de Éder Betoretti e Maria Fátima do Nascimento em suas lutas pessoais para retornar ao convívio da sociedade tem um enredo similar ao de outra personagem dessa história. O nome dela é Patrícia Kolberg e tem 23 anos. Embora jovem, a vida dela já daria um livro com perfil de drama e superação. Por isso, vamos contar o final para entender o início.

Patrícia Kolberg, de 23 anos, passou a trabalhar na cozinha do Hospital Ana Nery | Foto: Jaime Fredrich

Atualmente, há dois momentos que são motivos de celebração nos sete dias da semana para ela. O primeiro deles é quando coloca a touca na cabeça às 7h30 e dá início à rotina de picar tomates vermelhos e outros legumes, no trabalho, na cozinha do Hospital Ana Nery. O segundo aos domingos, quando reencontra a irmã, Marli, de 19 anos.

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Natural de uma localidade do interior de Santa Cruz do Sul, Patrícia e os irmãos menores ficaram sem rumo devido a uma intercorrência familiar. Levados ao abrigo, os demais foram para adoção, enquanto Patrícia e Marli continuaram vinculadas ao órgão. De lá, Patrícia foi para o Residencial Inclusivo (RI) e, após períodos de tratamento pelo Caps, foi inserida no mercado de trabalho. “Eu queria muito trabalhar, consegui uma vaga e está me fazendo muito bem”, revela.

“Voltar para casa era meu sonho”

Se a vida nova transformou os dias de Maria, de Éder e Patrícia, imagina quando a pessoa pode retornar para os braços da família. É o caso de C.S., de 42 anos, que voltou a morar em definitivo com a mãe, após duas décadas de separação, entre idas e vindas de internações em casas irregulares de tratamentos psiquiátricos. “Voltar para casa era meu sonho”, conta.

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A convivência com a mãe está fazendo bem para ela. Tanto que já aprendeu a fazer receitas simples, mas que requerem certas habilidades que até há pouco tempo eram impensáveis. “Agora sei fazer bolo frito. Quando eu estava muito doente não conseguia nem pensar, nem fazer nada”, relembra.

C. S. estava com uma saúde boa até o nascimento da filha. Ficou mãe aos 20 anos e, por conta de uma patologia psiquiátrica, que se manifestou após o nascimento, passou por algumas internações. Ficou por anos em uma clínica manicomial em Cachoeira do Sul. Quando retornou a Santa Cruz, passou a residir no Residencial Terapêutico (RT), no Vale do Nazaré, moradia destinada a pessoas com transtornos psiquiátricos graves.

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Em abril deste ano, passou a residir com a mãe, em Santa Cruz. “Depois de muitos anos, festejei meu aniversário em casa”, comemora. Duas vezes por semana, um veículo da Secretaria de Saúde a busca e leva para encontros no Caps II, assim como outros 20 pacientes, que recebem atendimento e participam de oficinas.

Pacientes passam a ter uma autonomia monitorada em Santa Cruz

Angela, do Caps II: “À medida que o paciente tem mais autonomia, vai se inserinido na sociedade” | Foto: Jaime Fredrich

De acordo com a psicóloga do Caps II, Angela Beatriz Schwerz, seis pacientes moradores dos Residenciais Terapêutico e Inclusivo foram desinstitucionalizados neste ano, etapa em que eles saem dos residenciais. “Na medida em que o paciente tem mais autonomia, vai se inserindo na comunidade e se tornando cada vez mais independente do suporte profissional”, explica.

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Mesmo assim, segundo ela, continuam sendo amparados pelos profissionais do Caps II. “Eles passam a ter uma autonomia monitorada, ou seja, tanto na questão de medicamentos quanto no cotidiano, compras em supermercado, por exemplo, continuam recebendo o suporte necessário e fazemos visitas semanais”, diz a psicóloga, que trabalha em conjunto com o assistente social Tiago da Rosa, do Hospital Ana Nery.

Em Santa Cruz do Sul, há duas casas de Residencial Terapêutico e duas de Residencial Inclusivo. Os dois lares totalizam 36 moradores. Esses estabelecimentos são mantidos pela Prefeitura, com incentivos financeiros dos governos federal e do Estado, em colaboração com o Hospital Ana Nery. Além do Caps, os serviços da rede de atendimento envolvem os Centros de Referência da Assistência Social (Cras), a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e o Centro Dia.

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Sobre a atenção à saúde mental, o vice-prefeito e secretário de Saúde, Elstor Desbessell, explica que o governo municipal investe significativamente na área. “Além de oferecermos toda a estrutura necessária, com profissionais bem preparados, atividades terapêuticas e acompanhamento periódico, destinamos recursos para que pessoas com patologias psiquiátricas, bem como suas famílias, sintam-se bem assistidas pelo Município.”

A prefeita Helena Hermany reforça que a questão da saúde mental faz parte do plano de gestão do governo. “Cuidar da saúde mental é essencial, ainda mais em um período pós-pandemia, em que muitas pessoas sentiram-se amedrontadas e fragilizadas. Felizmente, nosso município tem condições de oferecer a estrutura necessária para atender a pacientes e seus familiares. E a prova de que estamos fazendo um bom trabalho são essas pessoas que conseguiram, graças ao acompanhamento de nossos profissionais, voltar para a convivência da família e da sociedade”, declarou.

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O Caps II em Santa Cruz

O Caps II localiza-se na Rua Venâncio Aires, 307, no Centro. Os pacientes são encaminhados para atendimento no local via rede pública, por meio das unidades de saúde da Atenção Básica, Hospital Santa Cruz, UPA, Hospitalzinho e rede privada. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (51) 3713 3077.

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