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COLUNA

Elenor Schneider: ‘Narrar preserva viva a história e cria desejos’

Por Elenor Schneider*
Professor
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A evolução, especialmente tecnológica, afeta inúmeras páginas da vida de cada um de nós. Um dos segmentos atingidos é o das narrativas. Narrar sempre foi uma das melhores formas de acalentar a convivência e a sobrevivência das comunidades. Caçadores e pescadores renovavam a vida dos seus grupos narrando suas peripécias, alimentando a fantasia e despertando desejos dos mais jovens de também buscar novos rumos para sua história pessoal. Narrar preserva viva a história e cria desejos.

A fotografia, por exemplo, é uma das áreas afetadas. Gerações mais velhas – e, certamente, muitos dos que estão lendo estas linhas – experimentaram inúmeras vezes a indescritível emoção e a intensidade de vida que emerge de velhos álbuns e de baús recheados de fotografias. Quando passadas sob olhares, ora saudosos, ora plenos de gratidão, gerações são reavivadas, genealogias são reconstruídas, momentos felizes são reacesos, a vida pulsa naqueles que narram os registros e naqueles que percorrem juntos esses venturosos caminhos.

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As fotografias impressas não flagravam todos os momentos, apenas os essenciais. E o que não era impresso se preenchia com narrativas eivadas de lembranças, costuradas com carinho e ternura. Hoje, tudo é fotografado, mas poucas imagens restam para sustentar as narrativas do porvir. Muitas vezes, para aliviar o peso da memória dos equipamentos modernos, a caixa atingida é a dos registros fotográficos. A área é limpa para novos registros, mas muitas vezes com a água usada do banho vai junto a criança.

O que não registramos desaparece e grandes feitos, sobretudo aqueles que envolvem pessoas anônimas, sem ânsia de holofotes, submergem nas fímbrias do tempo. E aí vou ao que me propus a narrar, uma história que habita desde então minha memória e, acredito, ninguém, até mesmo da família deste generoso cidadão, tenha conhecimento.

Um dia, andando com meu pai no cemitério da minha pequena aldeia, no interior de Cruzeiro do Sul, me chamaram a atenção três túmulos de pessoas da mesma família, mortas na sequência de três dias. Perguntei ao pai se ele sabia falar sobre isso. E sabia. Não guardei as datas, mas se tratava de uma grande peste que assolava o mundo, aí por 1920. Essa família fora inteiramente atingida e várias pessoas morreram.

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Um médico foi chamado e ele foi até a residência assinalada. Saiu da casa determinando que ninguém daquela pequena comunidade tivesse contato com os doentes. E teria dito mais: não apanhem uma fruta sequer na propriedade dessa gente.

E aí, contou meu pai, um cidadão, de nome Johann Schmitt, decidiu por sua conta e coragem: ‘Eu não vou abandonar essa gente!’ E com o risco de perder a vida, foi socorrer esses condenados, alcançando-lhes a solidariedade sem preço que só almas com tal grandeza conseguem oferecer.

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*O professor Elenor Schneider estreou, nesta segunda-feira, 4, no time de colunistas da Gazeta do Sul e escreverá quinzenalmente na página 2 do jornal.

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