Augusto Wutke, casado com Francisca Mummert, pai de Guilherme, Joana Maria, Lucas e Juliana; Frederico Thietze e a irmã Carlotta; Augusto Rafler; Augusto Mandler; João Gottlobo Pohl (Johann Gottlob Pohl) e Augusto Arnold. Em 19 de dezembro de 1849, uma quarta-feira, o grupo aportou na Colônia de Santa Cruz, mais especificamente na região que ficou conhecida como Alt Pikade – também chamada de Picada Santa Cruz ou Picada Velha – onde hoje fica o Bairro Linha Santa Cruz.
Há exatos 170 anos, eles entraram para a história como os primeiros imigrantes alemães a se instalarem na colônia e assim darem início ao povoado que originou Santa Cruz do Sul. Nesta trajetória em que não é difícil imaginar os desafios enfrentados pelos pioneiros, registros feitos por alguns dos principais pesquisadores do Estado e viajantes da época ajudam a reconstruir o cenário encontrado naquela época.
Matas densas, casas simples e limitações de toda a ordem desafiaram os pioneiros nos primeiros anos. Vindos de diferentes regiões da Alemanha, eles faziam parte de uma leva maior de imigrantes que desembarcaram no Rio de Janeiro na barca prussiana Bessel, em 15 de novembro daquele ano, após três meses de viagem. Enquanto alguns permaneceram no Rio, os 12 colonizadores foram enviados para a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, mais especificamente para a Colônia de Santa Cruz. Vale lembrar que a imigração no Estado teve início em 25 de julho de 1824 com a chegada dos imigrantes a São Leopoldo.
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Primeira colônia fundada e gerida pela Província de São Pedro, a de Santa Cruz formou-se nos limites de Rio Pardo. A área destinada para o assentamento dos imigrantes ficava às margens da Estrada de Cima da Serra, um caminho aberto para possibilitar o contato de duas regiões de criação de gado – os campos da campanha gaúcha e os campos do planalto – possibilitando a interligação da região de Rio Pardo com a de Cruz Alta.
No livro Recortes do Passado de Santa Cruz, o professor Hardy Elmiro Martin, revela que quando os imigrantes alemães chegaram, receberam como “favores” do governo alimentação para um mês e sementes variadas. Além disso, todos os homens com mais de 16 anos tiveram direito a uma foice, uma enxada, um machado, uma serra, um facão, limas para afiar as ferramentas, um formão de carpinteiro, panelas, uma espingarda, espoletas, pólvora e um martelo grande.
“Além disso os imigrantes receberam subsídios, em dinheiro, mas que deveriam ser, depois, restituídos”, escreveu o autor. Eles ainda deveriam providenciar a escritura das terras para, somente após esta etapa, poder dar andamento às transações, no caso, comercialização de mercadorias. Era o começo de uma história, que apesar de desafiadora, ajudou a formar a Santa Cruz do Sul de hoje, uma das principais e mais desenvolvidas cidades do Rio Grande do Sul.
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Memória
1. Depois de chegarem ao Rio de Janeiro em setembro de 1849, os imigrantes seguiram para a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul pelo mar. Eles desembarcaram em Rio Grande e de lá, pela Lagoa dos Patos, foram até Porto Alegre. Depois, pelo Rio Jacuí, na embarcação Bela Francisca, chegaram a Rio Pardo. A viagem até a Colônia de Santa Cruz se deu por meio de carretas e a pé. As carroças de quatro rodas que ainda são conhecidas nas comunidades rurais foram introduzidas pelo imigrante alemão.
2. Antes de sair de Rio Pardo os colonizadores receberam as ferramentas, utensílios e a alimentação para os primeiros meses.
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3. Na Colônia de Santa Cruz os lotes foram distribuídos aos imigrantes sem levar em conta a religião. Desta forma, eram vizinhos católicos e evangélicos. “As circunstâncias levaram os pioneiros a uma ajuda louvável. Era ajudar, colaborar, ou não ter…sucesso”, escreveu Hardy Martin no livro Recortes do Passado de Santa Cruz.
4. O primeiro administrador da colônia, Evaristo Alves de Oliveira, foi nomeado em outubro de 1850. Logo após, já na condição de vice-diretor, ele fez questão de tornar conhecida dos colonos de Santa Cruz a lei provincial 183 de outubro do mesmo ano, que proibia a introdução de escravos no território da colônia. Além disso, solicitou uma força policial para assegurar o cumprimento da regra e ainda proporcionar tranquilidade e segurança.
Os primeiros anos
171 habitantes ocupavam a picada de Santa Cruz em maio de 1851, um ano e meio após a chegada dos 12 colonizadores. Em julho do mesmo ano, um relatório do então diretor da colônia João Martinho Buff, que passara a ocupar a vaga deixada por Evaristo Alves de Oliveira, indicava que os 64 lotes já estavam ocupados e que a maior parte dos colonos tinha conseguido levantar suas casas e plantar hortas com a ajuda dos primeiros imigrantes que já estavam estabelecidos e em condições de abastecer a colônia com feijão, abóbora, milho e batata. O documento também dizia que “era muito penoso para quem vem da Europa” acostumar-se no mato nos primeiros tempos. Por este motivo, sentiam-se incomodados e doentes.
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A força de trabalho que vem da Europa
Cartazes com a imagem de um veleiro espalhados pela Alemanha convidavam os interessados em vir para o Brasil e Argentina nos anos 1800. A imagem que hoje pode ser encontrada em uma exposição do Museu do Colégio Mauá retrata como se deu o recrutamento dos colonizadores.
Mas o motivo para tamanha propaganda está na decisão da Inglaterra em abolir o tráfico de escravos. Como o Brasil acabou seguindo a diretriz inglesa, o resultado foi a falta de mão de obra, especialmente para a agricultura.
Em suas pesquisas, o professor Jorge Luiz da Cunha identificou que a primeira fase da colonização com imigrantes não portugueses foi pautada pela expectativa da supressão do tráfico. Isso porque os grandes fazendeiros mais capitalizados compravam todos os escravos que podiam dos pequenos proprietários de terras e produtores de alimentos.
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Em razão disso, gêneros de primeira necessidade se tornaram escassos e os preços dispararam. O governo imperial resolveu agir, pois o comportamento do mercado nos primeiros anos da independência era preocupante. “O estabelecimento de colônias de estrangeiros, pequenos proprietários que utilizavam sua própria força de trabalho, nas regiões não ligadas diretamente à produção destinada ao mercado externo, atenuou os efeitos da crise de mão de obra e permitiu a migração de escravizados para as regiões monocultoras, substituindo o braço escravo pelo braço imigrante na produção de alimentos”, salienta.
Outro aspecto que merece atenção, segundo o professor, além da questão do tráfico, a imigração alemã também foi motivada pela necessidade política da formação de esquadrões de soldados que defendessem a independência brasileira ante as pretensões portuguesas.
Descrédito
Apesar de os planos terem sido considerados ideais diante das necessidades que se formavam diante dos novos arranjos da sociedade brasileira, a receptividade à imigração não foi tão positiva. Conforme o professor Jorge Luiz da Cunha, o modo como se processou o recrutamento de colonos e soldados e o fracasso da organização dos batalhões de estrangeiros resultaram em um completo descrédito da imigração para o Brasil entre os opositores de dom Pedro I no Brasil e entre a maioria dos governos europeus, especialmente na Alemanha.
O mundo em transformação
Os motivos que levam uma – ou várias – pessoas a deixarem sua terra de origem em busca de oportunidades são variados, mas na maioria das vezes é a pobreza que justifica uma decisão de tamanho impacto. No caso dos alemães, como em tantos outros, o movimento foi resultado de um processo que é menos mecânico e simples do que possa parece. Ou seja, é preciso voltar no tempo para compreender aspectos que foram decisivos para isso. A seguir, o professor Jorge Luiz da Cunha apresenta uma sequência de fatos que proporcionam compreender a imigração.
1. O primeiro período após o domínio napoleônico sobre os estados alemães é caracterizado por uma série de distúrbios que marcam o estabelecimento da Confederação Alemã (Deutscher Bund), que incluía os reinos da Áustria, Prússia, Baviera, Saxônia, Hannover-Württemberg. Com sede em Frankfurt, a Confederação representa o primeiro passo para a unificação alemã e marca um período de profundas transformações determinadas pela expansão do capitalismo sobre um quadro de declínio do feudalismo. Este processo, que se manifesta de maneira diferente nas diversas regiões da Alemanha, resulta, no começo da década de 1870, na Alemanha unificada sob o Império Alemão.
2. No século XIX o avanço capitalista se traduz em industrialização que, por sua vez, acelera o processo de unificação dos estados alemães na busca de um mercado nacional. As décadas de 1820 e 1830 marcam o início da Revolução Industrial alemã que alcança seu pico logo após a unificação, em 1871. Ao lado da industrialização crescem as cifras correspondentes ao comércio exterior, colocando a Alemanha na condição de concorrente de países como a França e a Inglaterra.
3. A unidade econômica (Zollverein), que possibilita a industrialização, e o comércio exterior, que se desenvolve rapidamente, de modo especial depois de 1848 (quando a aliança entre a nascente burguesia e a nobreza latifundiária derrotam as forças revolucionárias), estruturam um capitalismo autoritário sustentado pela acumulação de grandes capitais financeiros e pela sujeição das classes trabalhadoras a condições subumanas, tanto no campo como nas cidades.
4. A miserabilização dos servos agrícolas, camponeses, operários é a causa fundamental da emigração de alemães na busca de condições de sobrevivência.
Onde tudo começou
Seja nos cemitérios, casarões centenários ou nos relatos passados entre gerações, é possível conhecer um pouco mais sobre as origens do município
Em 2018 ficou pronto o viaduto próximo aos bonecos Fritz e Frida. A obra, fruto de uma mobilização de quase duas décadas, foi recebida com festa pela comunidade de Linha Santa Cruz. Não é para menos, a estrutura que custou cerca de R$ 27 milhões deu mais segurança à travessia em direção ao Centro de Santa Cruz e, por outro lado, favoreceu a expansão imobiliária e comercial do bairro.
As mudanças recentes na paisagem da região onde se instalaram os primeiros imigrantes alemães em dezembro de 1849 impressionam até mesmo quem está acostumado a transitar por lá. Afinal, sobretudo nos últimos 15 anos, a população antes estimada em 700 habitantes saltou para algo na faixa dos 5 mil. Boa parte deste crescimento é reflexo da expansão imobiliária na região, que recebeu novos loteamentos e casas.
Mas não é de hoje que Linha Santa Cruz mostra-se promissora. Classificada como área urbana a partir de 1974, aquela região tem no seu DNA o potencial para progredir. Foi por lá que os pioneiros deram início a estabelecimentos como casas comerciais, ferrarias e até alfaiatarias. Com o conhecimento que trouxeram na bagagem e diante de todas as necessidades que tinham em um ambiente de certo modo hostil e selvagem, os colonos abriram picadas, trabalharam a terra e à medida em que a situação melhorava investiram em construções mais sólidas. Uma das referências neste sentido é a antiga cooperativa. Inaugurada em 1913 por famílias descendentes ou de algum modo ligadas aos imigrantes, logo se tornou uma referência nos negócios envolvendo a compra e venda de produtos agrícolas. Nos livros de páginas amareladas e com caligrafia impecável armazenados em uma das prateleiras do prédio estão registros das operações feitas no passado. Na frente do prédio onde também funciona o Rotary Club Santa Cruz do Sul Cidade Alta e a subprefeitura uma placa lá colocada por ocasião dos 160 anos da imigração traz uma mensagem do escritor Bento Munoz da Rocha: “Ninguém pode ser um bom brasileiro, se não honrar a sua herança cultural”. De certa forma, estas palavras sintetizam o sentimento predominante na comunidade.
Morador de Linha Santa Cruz desde o nascimento e descendente de imigrantes, Paulo Trinks, 67 anos, é testemunha de parte da história do local. “Por aqui passou muita gente”, define enquanto conta histórias a respeito do prédio centenário. Atualmente na função protocolo do Rotary, ele passou a pesquisar sobre aspectos da época em que seus pais e avós andavam por lá. Foi lendo documentos, colhendo relatos e aprofundando as leituras que passou a dominar aspectos do passado, mas sem deixar de reconhecer que as transformações de hoje são fruto de uma caminhada de 170 anos e que, da mesma forma como no passado, vão determinar os rumos para o futuro.
Nas andanças por Linha Santa Cruz seu Paulo fala com maestria. Instrutor de um Centro de Formação de Condutores, ele também faz as vezes de guia de turismo. Foi um dos encarregados assim como outros importantes nomes de lá pela instalação de placas com informações relacionadas ao berço da imigração. Nos últimos tempos aumentou o interesse em divulgar e, acima de tudo assegurar a preservação das origens do município.
Memória do imigrante
Em pouco mais de uma hora rodando pelo bairro é possível entender os contrastes, que vão além da paisagem. Entre os pontos preferidos para iniciar seus relatos estão os cemitérios. Um deles, ao lado da Granja Santa Cruz, tem poucas sepulturas, mas suficientes para convidar a uma viagem no tempo. Destinado aos evangélicos, o espaço ostenta em suas lápides com mensagens como geliebt und unvergessen, que traduzido quer dizer amado e inesquecível. Mas um olhar mais atento mostra as datas de nascimento e morte esculpidas com riqueza de detalhes nas pedras arenito. Entre os que repousam por lá estão cidadãos com sobrenome Mandler, descendentes de Augusto, um dos 12 primeiros a chegarem em dezembro de 1849. Ele casou-se com Carlota Thietze, que também veio na primeira leva de imigrantes. Entre as sepulturas, uma das mais antigas é de 1857, ou seja, oito anos após o início da colonização.
Moradora da casa em frente, Liane Niedesberg Bullerjahn, 59 anos, que tem parentes sepultados lá e é bisneta de imigrantes. “Aqui é um lugar importante para muitas famílias e tem parte das nossas origens”, reconhece. Seguidamente ela vai até o local onde a mãe está sepultada e aproveita para organizar as flores e vasos. “Tem sepulturas que são muito antigas que já não são tão visitadas. Eu coloco uma flor para homenagear estas pessoas que fizeram tanto.”
Em Alto Linha Santa Cruz, outro cemitério, desta vez um particular, tem apenas sete túmulos, todos com pessoas de sobrenome Bender. Um deles é nascido em 1832, ainda na Alemanha.
Já o Cemitério Católico, Paulo Trinks, depois de ouvir pedidos de informações de descendentes de pessoas lá sepultadas, decidiu resgatar parte da história local. Ele percorreu túmulo por túmulo e mapeou 756 deles com dados constantes nas lápides. Encontrou, em meio a isso, histórias e curiosidades, como é o caso da índia que casou-se com um dos primeiros imigrantes vindos para Santa Cruz.
Passado e presente
Antes mesmo de cruzar sob o viaduto da RSC-287 em direção a Linha Santa Cruz, à direita de quem vai do Centro, em uma área cercada de verdade, um monumento faz reverência ao centenário da imigração (1849-1949). Alguns metros adiante, já do outro lado da rodovia, já no Roteiro Caminhos da Imigração, que é identificado com placas em português e alemão, o primeiro marco é a Rua José Germano, a mais antiga do município. O nome foi escolhido para homenagear o alfaiate que viveu naquele ponto.
Possivelmente uma das primeiras casas erguidas na região de Alto Linha Santa Cruz resiste ao tempo e, embora com a estrutura comprometida, ajuda a compor a paisagem em uma propriedade cercada de muito verde. O imóvel teria sido erguido pelo imigrante Carl Kliemann, que viveu entre 1802 e 1871.
Um imponente prédio amarelo em uma das curvas da avenida principal de Linha Santa Cruz chama atenção. Construído para ser uma casa comercial e salão de baile, o imóvel foi construído com pedras de arenito entre 1880 e 1911 pela família Kliemann no lote número 10 da colônia. O local ainda foi sede de sociedades, como a de lanceiros, de damas, de bolão e de atiradores. A partir de 1930 as atividades foram transferidas para a família Frantz, que é a atual proprietária.
Outro marco da imigração é a Cruz dos Assmann. No monumento, é possível conhecer um pouco mais a respeito da história de Johann Nikolaus Assmann e sua mulher Maria Ana Grünewald. Eles embarcaram em Hamburgo no dia 22 de março de 1856 e viajaram 16 semanas a bordo do veleiro Luzia até chegar ao Brasil em setembro. Na travessia, o casal enfrentou uma tempestade e Nikolaus fez uma promessa de que iria instalar um monumento, a Cruz dos Assmann, que deveria ser sempre conservada.
A colônia virou cidade grande
Desde os primeiros anos após a chegada dos imigrantes alemães, Santa Cruz do Sul destacou-se em razão do desenvolvimento econômico e social
O que pode acontecer em 170 anos? No caso de Santa Cruz do Sul a resposta está nos números. De colônia com poucos moradores e quase nenhuma infraestrutura a polo regional, o município cresceu e hoje tem uma população estimada em 130.146 mil habitantes e produto interno bruto (PIB) de R$ 8 bilhões, que a coloca em oitava colocação no ranking do Estado. Com 3,3 mil estabelecimentos comerciais, 854 indústrias, potencial de consumo de R$ 3,8 bilhões e frota de quase 92 mil veículos, a cidade que tornou-se conhecida pela cultura do tabaco e Oktoberfest, tem suas bases alicerçadas na imigração alemã.
Uma volta no tempo revela que desde os primeiros anos após a instalação dos imigrantes e demarcação dos lotes coloniais não foram poucas as iniciativas voltadas à melhoria na qualidade de vida e expansão urbana. Já em 1852, três anos após a chegada dos 12 pioneiros, o vice-presidente da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Luiz Alves Leite de Oliveira Bello, mandou desapropriar uma área de terras para estabelecer as bases da povoação. A partir de novembro de 1854 tiveram início os trabalhos para definir a configuração local. Foram abertas as primeiras ruas e estabelecidas as primeiras quadras. Demarcou-se o local onde ficaria a igreja católica – no mesmo ponto onde hoje está a catedral São João Batista –, os edifícios públicos, as praças e as chácaras.
Em meio a isso, as transformações avançavam e, conforme documentos da época, outros setores iam se desenvolvendo. No caso da indústria, em 1851, já havia excedente de produção. A primeira casa comercial, por sua vez, passaria a funcionar por volta de 1861, após a povoação ser elevada à categoria de Freguesia. O estabelecimento administrado por empreendedores de Porto Alegre funcionou em um prédio na esquina das atuais ruas Júlio de Castilhos com Marechal Deodoro, segundo o livro Recortes do Passado de Santa Cruz, do professor Hardy Elmiro Martin.
A associação entre desenvolvimento e imigração é um aspecto bastante lembrado hoje em dia. Em exposições apresentadas pelo Museu do Colégio Mauá, que existe desde 1966, é possível encontrar objetos e documentos que remetem a isso. No caso da indústria de tabaco, uma máquina fabricada em 1920 na cidade de Bremem, no noroeste da Alemanha, é um dos marcos para a atividade. Foi com ela que começou a produção de cigarros no município.
Para professor da UFSM e doutor em História, Jorge Luiz da Cunha a maioria das pesquisas sobre a imigração alemã no Rio Grande do Sul aponta que este fenômeno teria sido responsável pelo surgimento de uma sociedade moderna, a exemplo do que se encontra na Europa atualmente. “Acredito que os imigrantes foram fundamentais para a organização de novas estruturas econômicas e sociais no Sul do Brasil, muito diferentes das ainda dominantes, por exemplo, no nordeste brasileiro. Contudo, não me parece verdadeiro que tenham sido eles os que determinaram a configuração atual da sociedade rio-grandense”, pondera. Para o pesquisador, o modelo atual desenvolveu-se com base na dependência e vontade dos grandes proprietários criadores de gado. “Foram eles os gestores do processo de colonização com imigrantes de parte do território do Rio Grande do Sul e os responsáveis pela passagem a uma nova ordem econômica e social que seguiu com a proclamação da República. Entre a população de origem luso-brasileira e os imigrantes, principalmente os alemães, articularam-se relações de cooperação e de conflito, das quais resultaram composições que tornaram possível a construção do Rio Grande do Sul atual”, aponta.
Era necessário povoar
Pouco mais de um ano antes da vinda da segunda leva de imigrantes ao Rio Grande do Sul, em março de 1848 começaram a ganhar forma as articulações neste sentido. O então presidente da província Soares de Andréa apresentou à Assembleia as razões pelas quais julgava indispensável a colonização.
Ele listou cinco aspectos neste sentido: necessidade de levar população a todos os lugares que precisassem; para proporcionar estímulos aos locais onde a agricultura estivesse abandonada; manutenção das estradas recentemente abertas; extinguir os tigres e obrigar os indígenas que habitavam as matas a procurarem a civilização e para proteger as áreas desertas da cobiça das populações platinas sobre o território gaúcho. Logo após, começaram a ser tomadas as primeiras providências a respeito, principalmente diante das notícias de que uma grande quantidade de migrantes vinha da Europa para o Rio Grande do Sul. O engenheiro João Martin Buff, que já havia feito a distribuição dos lotes de terra em São Leopoldo, ficou encarregado de convidar famílias para se estabelecerem em Rio Pardo, onde haveria terrenos apropriados para a colônia, como era o caso da região onde mais tarde se formaria Santa Cruz do Sul.
No livro em que resgatou aspectos relacionados aos 190 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul, o pastor e professor de História Martin Dreher, que tem publicações ligadas à imigração e colonização, conta como se deu este processo. “Era necessário povoar. Esse povoamento, por seu turno, deveria ser intensivo. Dessa necessidade e da necessidade da produção de alimentos para o mercado interno surgiu o novo modelo econômico para o Brasil, o das pequenas propriedades reunidas em penetrações na floresta subtropical, designadas de picadas, linhas”, escreveu. O termo picada que passou a ser usado nas regiões de imigração, segundo Dreher, porque os caminhos eram abertos com o uso de facões e machados. “As picadas eram unidades de convivência humana nas quais se organizou a vida comunal. Cada família vivia em sua ‘colônia’, que apresentava semelhança com a do vizinho. Assim que possível, foram construídas moradias, cercadas por jardim, pomar e horta”, aponta na publicação.
Perfil
60% dos imigrantes até 1850 eram artesãos. Por isso, as picadas logo tiveram funilarias, marcenarias, carpintarias, serrarias, ferrarias e moinhos.
A partir de suas pesquisas, o professor Martin Dreher elenca os motivos que levaram à organização das sociedades. A origem, segundo ele, está na organização do trabalho. Como muitos dos imigrantes vinham dominando algum ofício, logo estruturaram suas oficinas e estabelecimentos comerciais. Segundo o pesquisador a proximidade das propriedades levou à instalação de centros de convivência comunitária, incluindo cemitério, escola, capela, sociedade e as tradicionais vendas. A casa de comércio para a qual eram encaminhados os excedente da produção era também a porta de comunicação da picada com o mundo exterior. Das vendas, os excedentes das picadas eram levados para os centros urbanos, onde eram encontrados aqueles produtos não disponíveis nas comunidades.
Fonte: 190 Anos de Imigração Alemã no Rio Grande do Sul, esquecimentos e lembranças
Tabaco faz parte da história
De planta cultivada para consumo próprio entre os primeiros imigrantes hoje ela ocupa posição de destaque na economia
É fácil compreender a importância do tabaco para a economia e o desenvolvimento de Santa Cruz do Sul. Quem cruza a BR-471 na região do Distrito Industrial logo percebe as grandes unidades de companhias multinacionais responsáveis pelo beneficiamento de tabaco e produção de cigarros. No entorno das fumageiras – e também de outras empresas presentes naquele ponto da cidade – negócios de menor porte prosperam atendendo, sobretudo, os milhares de trabalhadores que circulam por lá diariamente. Na área urbana, o comércio também colhe os bons resultados da atividade, assim como os cofres municipais recebem sua parcela dos tributos recolhidos anualmente.
Mas é no interior, a poucos quilômetros do Centro, que o tabaco mostra sua relevância. Apenas na safra 2018/2019, segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), o valor da produção chegou a R$ 120.933.960,00 graças ao trabalho de 3.488 produtores santa-cruzenses que cultivaram, em média, 6.126 hectares. A renda per capita apurada ficou na casa dos R$ 34.671,43 por família. Uma visita a qualquer das propriedades, sejam elas de pequeno ou grande porte, ajuda a compreender que a atividade, apesar dos desafios naturais, traz consigo uma história que atravessa gerações e é motivo de orgulho para as famílias.
Introduzido na região a partir da chegada dos imigrantes, o tabaco tem um valor que ultrapassa as questões econômicas. É o que aponta o professor da UFSM e doutor em História, Jorge Luiz da Cunha. Se na primeira fase da história da Colônia de Santa Cruz a agricultura, entre 1849 e 1859, a agricultura era basicamente artesanal e voltada à subsistência, com o passar do tempo o cenário mudou. Naquela época era raro o consumo de mercadorias produzidas além da unidade familiar, restringindo-se apenas a sal, ferro e algum tipo de tecido.
O tabaco, que já era conhecido na Alemanha desde o século XVI nas variedades Virgínia e Rústico, contudo se adaptava perfeitamente às novas terras da colônia. Desde o início, segundo o professor, a planta era cultivada para consumo próprio e logo se expandiu como forma de gerar receita, fosse por meio de venda dos excedentes a consumidores locais ou por meio da exportação para outras regiões.
“Um exemplo é a informação do diretor da Colônia de Santa Cruz, João Martin Buff, que em 1851, em seu relatório do mês de julho, informa que apesar de não existirem ainda grandes plantações de cereais, os ‘colonos’ que haviam se instalado anteriormente já tinham plantações de fumo, que seco em ramas, era utilizado para as primeiras exportações da colônia através de Rio Pardo, para Porto Alegre e também para a então capital do Império do Brasil, Rio de Janeiro”, ressalta o professor.
Esta expansão tem relação direta com o conhecimento trazido pelos imigrantes sobre a agricultura e o o artesanato de suas regiões de origem na Alemanha, como Renânia, Pomerânia, Prússia, Saxônia, Silésia, Boêmia, Westfália, entre outras. “Ou seja, tratam os ‘colonos’, uma vez construída a sua primeira habitação – uma choupana coberta de folhas de gerivá e de paredes de barro, chamada por eles de “Lehmhütte” (rancho de barro) – e derrubada a mata em um espaço suficiente para os primeiros cultivos, de plantar batata inglesa, abóboras, aveia, centeio, ervilha, trigo e rábanos para a sua alimentação, além do fumo para consumo próprio. Todos são produtos cujas técnicas de cultivo eles conheciam de sua terra natal e cujas sementes foram trazidas consigo da Alemanha”, destaca.
Registro
Um relato, em um manuscrito autobiográfico datado de 1868, de Karl Kirchhoff, imigrante que se instalou em Dona Josefa, ajuda a entender o contexto em que a atividade se desenvolvia:
“O preparo da primeira plantação inicia com o desmatamento, queima e limpeza de uma pequena roça. O trabalho na mata, em si já penoso, tornou-se ainda mais pesado porque muitos de nós nem sequer eram agricultores. A todos esses fatores adversos o novo clima e as novas condições de vida também se somavam. O rancho de barro era a primitiva moradia. Dinheiro havia pouco. Cada qual procurava plantar o necessário para o seu sustento. Tentamos plantar trigo, com sementes que até a diretoria da Colônia nos repassava, mas somente o milho garantia a farinha que era moída a mão. Em casa, muitas vezes uma simples conchinha com gordura e pavio servia de luz. Também, desde o começo, com sementes trazidas da Alemanha, quase todos plantavam tabaco, secavam as folhas e faziam charutos. Logo também aprenderam a usar as folhas das espigas de milhos para fazer ‘cigarros de palha’. Quando sobrava ou não, o tabaco era uma forma de conseguir algum dinheiro com vizinhos, moradores da povoação de Santa Cruz ou de Rio Pardo.”
Desenvolvimento
1. Ao contrário do esperado pelo governantes e pelos dirigentes dos projetos de colonização, é grande o número de artesãos entre os que chegam na Colônia, e sua importância numérica teve efeitos que não devem ser desprezados. Principalmente no que diz respeito à rapidez com que se instala e prospera o núcleo urbano de Santa Cruz, no antigo Faxinal de João Faria, comprado pelo governo provincial, demarcado em terrenos que são ocupados a partir de 1855.
2. Os artesãos representam 24% entre os homens com mais de 16 anos de idade, nos dados existentes nos relatórios de 1854, sobre os habitantes da Colônia. Os artesãos em atividade, tanto na povoação quanto nas linhas coloniais, representam o percentual de 15%, o que comprova que nem todos os imigrantes se adaptam ao trabalho agrícola nos lotes coloniais.
3. As informações estatísticas dos arquivos históricos disponíveis indicam que, da metade da década de 1850 à metade da década de 1860, há em Santa Cruz 11 fabricantes de charutos – sete na povoação e três nas linhas coloniais.
O comércio prospera e gera riqueza
Imagens do passado de Santa Cruz do Sul revela como o tabaco movimentava a economia local. Em um cenário que em nada lembra os modernos processos de gerenciamento das safras nas lavouras e recebimento da produção nas indústrias sob rigorosos processos de controle de qualidade, a atividade já demonstrava sua importância.
No início as trocas comerciais na colônia se davam no formato “à vista” ou seja, o colono trazia alguns produtos ao comerciante e levava em contrapartida os artigos ou gêneros alimentícios de que necessitava. “Depois, foi adotada a prática da conta corrente, em que os produtos trazidos pelo colono entravam como receita e os fornecidos pelo comerciante como despesa, que se apresentava mais vantajosa, evitando deslocamentos desnecessários e perda de tempo. Este sistema de trocas comerciais é característico de todas as colônias alemãs do século XIX, e se explica pela ausência de capital mobiliário e de moeda circulante”, aponta o professor Jorge Cunha.
Como era
Em Santa Cruz a prática de trocas comerciais sem a intermediação de dinheiro era corrente e beneficiava os comerciantes no papel de intermediários. Não é por menos que já na metade de 1856, segundo o então diretor João Martin Buff, os comerciantes locais, haviam exportado produtos que alcançaram a soma de mais de 35 contos de réis, uma relativa fortuna. Entre os produtos exportados estavam 120 arrobas de tabaco em folha, seis arrobas de rapé – fumo torrado e moído –, e mais de 100 mil charutos.
No período de 1849, ano da fundação, até 1859, a Colônia de Santa Cruz foi se consolidando através da exportação de produtos agrícolas, principalmente do tabaco que alcançava preços bem mais elevados através da exportação para outras regiões do Brasil mas de forma crescente para o exterior.
Estímulo à produção ao longo do tempo
Os programas de responsabilidade socioambiental desenvolvidos por empresas e entidades ligadas ao setor do tabaco beneficiam atualmente milhares de famílias em toda a região Sul do Brasil. Por meio deles são estimuladas boas práticas produtivas, técnicas de gerenciamento das propriedades e, acima de tudo, busca pela qualidade de vida no meio rural. Em meio a isso também crescem iniciativas focadas nas gerações futuras com o objetivo de estimular a sucessão no campo.
Nas pesquisas do professor Jorge Luiz da Cunha, que tratou da fumicultura em sua dissertação de mestrado e tese doutorado, é possível identificar que desde os primeiros anos a busca pela qualificação da produção de tabaco está presente. Em um relatório de 25 de dezembro de 1865, o então diretor Affonso Mabilde escreve ao inspetor geral das Colônias da Província, que dois dias antes uma porção de sementes de tabaco vinda de Havana e enviada pelo negociante José Herbert fora rapidamente distribuída aos produtores. Ele classificou no documento que este interesse provava o “empenho que fazem os colonos em melhorar e aumentar as plantações dessa importante planta.”
Situação semelhante é verificada no Relatório da Colonização, de 1870. O documento dizia que a “a cultura do fumo está hoje enraizada na Colônia de Santa Cruz; a ela deve o seu progresso material”. Além disso, indicava que o governo cuidava de facilitar aos plantadores o fornecimento regular de sementes novas, facilitando meios de transporte barato. O documento ainda citava que “Colônia de Santa Cruz vai se transformar em pouco tempo em um dos mais ricos distritos da Província.”
As diretorias da Colônia de Santa Cruz também divulgavam informações técnicas sobre o cultivo do fumo, fazendo circular entre os produtores obras como, por exemplo, o “Manual da cultura, colheita e preparação do tabaco”, publicado no Rio de Janeiro em 1865, pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional.
“Como se percebe, a administração colonial condicionava e completava intencionalmente a produção do fumo no processo produtivo, seja organizando o comércio local e controlando a exportação, seja orientando a produção segundo os interesses da indústria de transformação, que nesta época, ainda era sediada na Europa, a quem se destinava a maior parte das exportações”, acrescenta o professor Cunha.
Segundo ele, a planta, presente na produção agrícola de Santa Cruz desde a sua fundação, desempenha historicamente um papel de crescente importância, resultado da intervenção combinada da administração colonial e do capital no processo produtivo, que nas fases posteriores do desenvolvimento da região determinam a especialização da produção agrícola, da indústria e do comércio na fumicultura.
Educação desde sempre
Movimentos a fim de instalar escolas para atender os jovens começaram logo depois da chegada dos imigrantes
À medida em que desbravavam as picadas para trabalhar na agricultura, instalar seus estabelecimentos comerciais e construir casas, os imigrantes logo trataram de se organizar para proporcionar que as novas gerações tivessem acesso à educação. “As famílias sabiam desta importância e logo surgiram as primeiras escolas”, destaca a professora de História de diretora do Museu do Colégio Mauá, Maria Luiza Schuster.
E foi graças a este olhar em torno da importância do aprendizado em terras novas que, já em 1853, na Picada Velha, entrava em funcionamento a primeira escola particular, com o professor Erdmann Richard Ernst Wolfram. Instalada em uma pequena casa ao lado da antiga cooperativa, a Deutsche Schule recebia os filhos dos imigrantes, que ali tinham a oportunidade de aprender a ler e escrever.
No ano seguinte, seria criada a escola pública na mesma região. Hoje, em Linha Santa Cruz funciona a Escola Estadual Affonso Pedro Rabuske, que ocupa um prédio erguido em 1909.
Outro marco neste cenário é o Colégio Mauá, que entrou em funcionamento no 27 de julho de 1870 quando foi fundada a Sociedade Escolar Schulgemeinde e criada a Deutsche Schule que, quatro anos depois, passou a ocupar prédio próprio, atualmente, esquina das Ruas Marechal Floriano e Borges de Medeiros.
“Na Europa Central, de onde vieram os primeiros imigrantes, havia obrigatoriedade de frequência à escola desde o século XVIII, na Prússia, por exemplo. Ali a criança passava a frequentar os bancos escolares a partir dos seis anos de idade. Relatos da época nos dão conta que, nas picadas gaúchas, muitas vezes o ensino só começava aos nove anos de idade. Isso, no entanto, só era possível naquelas picadas que tinham o privilégio de contar em seu meio com algum professor que emigrava”, destaca o professor e pesquisador Martin Dreher no livro em homenagem aos 190 anos de imigração alemã no Rio Grande do Sul. Era esta pessoa que, com seus conhecimentos e métodos se encarregava de orientar as novas gerações. Segundo o professor, havia famílias que recorriam à experiência de idosos para ensinar os filhos a ler e escrever. “Mas a maioria dos colonos dependia de pessoas que jamais haviam exercido a profissão regular e que acabaram, por força da necessidade, assumindo o magistério, em troca de alimentação”, completa o professor Dreher.
A realidade dos imigrantes da Colônia de Santa Cruz foi semelhante à verificada nas demais localidades formadas por alemães. Assim, quem tivesse filhos em idade escolar colocava seu casebre à disposição dos educadores. Apesar dos desafios, segundo Maria Luiza, graças a relatos assim é possível compreender o papel de destaque que a educação sempre manteve nas colônias, acima de tudo, na vida das famílias.
Relação que se fortalece
A relação entre Brasil e Alemanha em torno da educação vem se aprimorando com o passar do tempo. Hoje, 170 anos após o começo da imigração em Santa Cruz do Sul, o interesse em torno da busca pelo conhecimento e troca de experiências segue fortalecido.
Em uma versão contemporânea desta evolução, os intercâmbios de estudantes e professores têm avançado e se revertido em benefício de toda a comunidade regional. Neste cenário, a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) assume papel de destaque.
Desde a década de 1990, quando ocorreram as primeiras interações, por meio de convênios, intercâmbios e projetos com instituições alemãs, dezenas de alunos e professores tiveram a oportunidade de estreitar os laços com a terra de onde vieram os colonizadores. Da mesma forma, pesquisadores alemães puderam ver de perto como é a rotina da universidade local, bem como o modo de vida dos moradores.
Além de destacar a relação da Unisc com descendentes de alemães que ajudaram a construir a universidade, a coordenadora da Assessoria para Assuntos Internacionais e Interinstitucionais, Cristiana Verônica Mueller, ressalta ações voltadas à preservação de aspectos históricos. No Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (Cepa), por exemplo, estão edições do Jornal Kolonie, escrito em alemão. “Oferecemos ainda o ensino de língua alemã junto ao Centro de Línguas e Culturas da Unisc desde 1997 e a atual professora do Celinc é a alemã Jutta Drögemüller-Frey. Destacamos que por muitos anos também foi professora de língua alemã no Celinc a professora Lissi Bender que realizou seu doutorado na Alemanha junto à Universidade de Tübingen”, completa.
Quanto aos intercâmbios, desde 2006, 39 alunos da Unisc foram para a Alemanha e 87 vieram de lá. Atualmente, a Unisc mantém convênio com sete instituições de ensino alemãs, que possibilitam a realização de trabalhos em diferentes áreas, como Direito, Desenvolvimento Regional, Engenharias e Informática.
Contexto internacional
“O trabalho com universidades da Alemanha aumenta os conhecimentos e possibilidades na área pesquisa e extensão, trazendo novo impulsos e ideias para cada vez mais aperfeiçoar as atividades desenvolvidas na Unisc, bem como traz impulsos culturais diferentes, principalmente para os alunos da Unisc, em repensar suas atitudes acadêmicos num contexto internacional, já de que os sistemas sociais e universitários são bem diferentes. As atividades com Alemanha já possibilitaram a mobilidade de acadêmicos e professores, contribuindo de uma forma ativa na troca de experiências e ideias, bem como ajuda no reconhecimento da Unisc em nível internacional”.
Andreas Köhler, professor da área de biologia da Unisc desde 2001. Realiza contatos com instituições alemãs desde 2002 nas áreas de pesquisa e extensão, principalmente com Tübingen e Hannover.
Em busca da nova classe média
Imigração se deu em um contexto que envolve arranjos políticos, sociais e econômicos. Como resultado, novas cidades ganharam forma
A vinda dos imigrantes alemães para a região que mais tarde daria origem a Santa Cruz do Sul marca a segunda fase da colonização no Estado. É a partir deste momento que tem início um ciclo de transformações na realidade dos municípios. Mas isso tudo ocorreu de forma gradativa e marcada por articulações em diferentes setores a partir de uma decisão tomada pela Inglaterra.
A primeira fase da imigração no Rio Grande do Sul começou a partir de 25 de julho de 1849, quando foram fundadas as colônias de São Leopoldo, Três Forquilhas, São Pedro de Alcântara das Torres e São João Batista das Missões sob as mesmas bases do estabelecimento de colonos suíços em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, a partir de 1818: concessão gratuita de terras, ferramentas e subsídios. “O cumprimento das promessas e vantagens aos colonos nem sempre aconteceu. Houve problemas principalmente no que dizia respeito à demarcação dos lotes, somados ao descumprimento dos contratos imigratórios com o governo brasileiro. Estes fatos marcaram a primeira fase da colonização alemã em solo gaúcho, entre os anos de 1824 e 1830, interrompida pela grave crise econômica e política relacionada com o fim do governo de Dom Pedro I e o início do período regencial”, observa o Jorge Luiz da Cunha, professor titular da Universidade Federal de Santa Maria e doutor em História Medieval e Moderna Contemporânea pela Universität Hamburg, Alemanha. Ele que é natural de Lajeado e iniciou sua trajetória acadêmica em Santa Cruz do Sul dedica suas pesquisas a temas relacionados à História e Educação.
Segundo o professor, para entender o contexto em que se deu o processo migratório para o Brasil é necessário fazer algumas reflexões. Na época havia a necessidade do governo, no período da independência e mesmo antes, de criar uma classe média na estrutura social brasileira, então formada pela aristocracia escravista, de um lado, e pelos sem posses, de outro. Esta classe média deveria ser capaz de desenvolver a policultura necessária ao abastecimento das cidades em expansão e dos exércitos em campanha.
A preocupação quanto a isso não era nova. Antes mesmo da vinda da corte portuguesa já haviam sido feitas tentativas de criar colônias com açorianos nos extremos norte e sul do País. “Contudo, o espírito dominante e o desprezo ao trabalho corporal considerado humilhante para o homem branco, contagiou rapidamente todos os imigrantes açorianos e estrangeiros, conduzindo-os ou à ociosidade ou ao emprego de escravizados”, aponta o professor.
Neste cenário, em março de 1809 a Inglaterra, ansiosa por novos mercados para suas manufaturas, aboliu o tráfico de africanos para todos os seus súditos e colônias e passou a pressionar os aliados a fazerem o mesmo. O sistema escravista presente no Brasil consistia um obstáculo às pretensões inglesas, pois limitava a comercialização das mercadorias inglesas. “Diante disso, Portugal, durante as guerras napoleônicas, inteiramente dependente da potência inglesa, viu-se obrigado, pelo tratado de amizade e comércio assinado em 19 de fevereiro de 1810, a condenar por princípio o tráfico e limitá-lo ao sul da Linha do Equador. Em 1817, Portugal assinou uma nova convenção com a Inglaterra, onde era prevista a completa extinção do tráfico negreiro e estipulada a mútua investigação de seu cumprimento”, ressalta o pesquisador.
Com a independência, o Brasil necessitava de apoio inglês e acabou reconhecendo os tratados e as convenções celebradas por Portugal, dentre eles a proibição completa do tráfico de escravizados a partir de 13 de março de 1830. A regra era tão rígida, que no ano seguinte, um decreto imperial previa castigos aos transgressores da proibição e liberdade dos escravizados contrabandeados. “Todo este aparato judicial não passou de letra morta, apesar das constantes e insistentes pressões inglesas, que acabaram produzindo resultado somente em 1850, com a radicalização provocada pela chamada Aberdeen Act (de 8 de agosto de 1845, com este nome em homenagem ao ministro inglês de relações exteriores Lord Aberdeen) ou Slave Trade Suppression Act, promulgada pela Inglaterra, proibindo o tráfico de escravizados africanos”, completa o Jorge Cunha.
Um livro para este dia
Por Benno Bernardo Kist
O compartilhamento e a lembrança da vida de imigrantes alemães e seus descendentes em nossa região fizeram com que me inspirasse e estimulasse a publicar mais um livro na linha dos resgates históricos: Carl & Ciss – Crônicas da Colônia Alemã, Homenagem aos 170 anos de imigração germânica em Santa Cruz do Sul/RS. A passagem desta data, além das oportunas celebrações e programações feitas por um grupo vibrante da Linha Santa Cruz, onde tudo começou em 1849, não podia prescindir de alguma publicação que registrasse mais alguns aspectos da história e em especial da formação de nossa gente, em que a participação da imigração foi fundamental.
Com uma linha de abordagem bem ampla e diversificada, sem preocupação específica a não ser a de trazer fatos curiosos, traços marcantes, personagens interessantes, modos e mudanças de vida no decorrer dos tempos, tudo o que pudesse chamar atenção de quem se interessa pelas histórias das pessoas, os escritos traçam um panorama variado daqueles que fizeram esta região se destacar e diferenciar no mapa rio-grandense, sem deixar de se integrar. Retrata-se sob múltiplos ângulos a cultura e os comportamentos de um povo formado a partir dos que vieram das longínquas regiões germânicas da Europa para este novo mundo, ainda novo, e aqui lançaram raízes e famílias.
Em sua grande maioria inéditas, as crônicas evocam histórias ouvidas e outras vivenciadas, contendo muito do que acontecia no âmbito familiar (e por isso mesmo, homenageando Carl e Ciss no título, os pais Carlos e Francisca) e desta forma revelando as vivências de muitos descendentes de imigrantes, que constituíram a base da sociedade santa-cruzense e regional. Quem tem trajetórias familiares semelhantes encontrará nesses relatos muito que os identifique ou os faça rememorar casos ou situações da mesma natureza. E mesmo quem não tenha tal identificação direta poderá conhecer melhor as nuances da sociedade em que está inserido.
Por isso, espero que a iniciativa literária possa alimentar o interesse por mais viagens pela região que habitamos, e que por vezes ainda desconhecemos, pelas picadas por onde andaram os desbravadores e continuam a andar os descendentes, e desta forma conhecer melhor a alma e o jeito de ser da nossa gente, ou pelo menos de grande parte de nossa população, que fez desenvolver e conformar a nossa terra como ela é. Grato pelo apoio cultural recebido de entidades perfeitamente integradas na comunidade (Afubra e SindiTabaco) e da Editora Gazeta, reforço o convite para o lançamento do livro no encerramento das comemorações dos 170 anos de imigração, nesta quinta-feira, 19 dezembro (dia da chegada dos primeiros imigrantes), durante momento alegre e receptivo previsto para as 21h15, em espaço do pavilhão comunitário da Linha Santa Cruz. Façamos juntos um brinde à cultura e à leitura!