Embora fundamentais para diversos setores da sociedade, as mulheres ainda lutam por mais espaço na tomada de decisões, o que envolve, diretamente, a participação delas na política. Elas ainda são minoria, mas avanços devem ser comemorados. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), divulgados em janeiro deste ano pelo governo federal, o aumento do número de vereadoras eleitas no pleito de 2020 foi de 19,2%. Na eleição do ano passado, 16,1% dos candidatos escolhidos pelo eleitorado foram mulheres. Já em 2016, o índice foi de 13,5%.
Ainda de acordo com o TSE, a quantidade de candidaturas femininas para o cargo do Poder Legislativo também foi maior em 2020: houve um aumento de 7,1% no número de mulheres que almejavam se tornar vereadoras em relação à eleição anterior. Já nas eleições para o cargo de prefeito, a quantidade de mulheres eleitas foi 4,4% maior que a registrada no pleito anterior. Em 2016, 11,5% das cadeiras foram ocupadas por mulheres, e agora são 12%. Os números representam uma evolução de pensamentos, não apenas dos eleitores, mas principalmente das mulheres que se colocam em tais locais de fala, que nunca deveriam ter sido preferencialmente dos homens. Entretanto, ainda há o que melhorar. Falta serem mais escutadas, menos interrompidas, menos assediadas e mais credibilizadas.
Santa Cruz do Sul, em seus mais de 140 anos de história, elegeu duas prefeitas e 13 vereadoras. A primeira prefeita mulher que a cidade teve agora é deputada estadual: Kelly Moraes. Atualmente, o Poder Executivo é chefiado pela segunda mulher a ocupar o cargo: Helena Hermany. Por sua vez, a Câmara tem duas vereadoras entre os 17 eleitos no último pleito: Bruna Molz e Nicole Weber. Mas, afinal, quem são as mulheres que atualmente fazem parte da política santa-cruzense? Quais são suas lembranças, lutas e histórias? Conheça um pouco das personagens que fazem parte de uma minoria e enfrentam os obstáculos para estarem onde estão.
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Responsável pela chefia do Poder Executivo de Santa Cruz do Sul, Helena Hermany, de 73 anos, é a segunda prefeita da cidade. Graduada em Ciências Contábeis, com pós-graduação em Políticas Públicas e Sociais. Embora o cargo exija muito, é a força dos familiares que sustenta o esforço. “Uma pessoa só tem estrutura para se dedicar à causa pública se tem uma família por trás. Eu digo que sou uma privilegiada nesse sentido, pois nossa família sempre teve envolvimento na política, sempre foi uma coisa natural conciliar estas questões. Meu tio, Edmundo Hoppe, foi prefeito na década de 1960. Depois, quando conheci o Hermany (Edmar), passei a conviver com o tio Arno Frantz, também grande prefeito da nossa cidade. Desde pequena frequento ambientes que envolvem a política. Quando o Hermany se tornou vereador, a tia Traudi, esposa do Arno, me deu um conselho: ‘Quando o marido da gente entra na política, existem dois caminhos: participar e gostar ou passar a vida inteira brigando’. Eu escolhi a primeira opção”, relembra.
Helena conta que ainda é uma das únicas mulheres nos ambientes de trabalho que frequenta; porém, vê a evolução ao longo dos anos. “Ainda vou a muitas reuniões, eventos, seminários, onde sou a única mulher. Acredito que falta, sim, mais envolvimento das mulheres na política, mas também mais confiança nelas. E isso também é no meio empresarial. Mas as coisas estão evoluindo.”
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É também em uma mulher corajosa, forte e de fé inabalável que Helena buscou inspiração: a mãe. “Nos mostrou com o seu exemplo, a mim e a meu irmão, que se pode vencer na vida com vontade, garra e trabalho. Era uma mulher com pouca escolaridade, mas com muito saber. Desde cedo, me incentivou na leitura. Acompanhava de perto meu desempenho escolar, e vibrava. Quando, em 1969, o Banco do Brasil oportunizou pela primeira vez que as mulheres fizessem o concurso, um parente nosso disse: ‘Tia Carlinda, isso não é para mulheres, é muito difícil, não é algo para a Helena’. E ela respondeu: ‘Minha filha sabe o que faz’. Tenho muita saudade dela. Era uma mulher muito à frente do seu tempo. Quando já era idosa, a gente perguntava como ela estava e ela sempre respondia: ‘Melhor, impossível!’”
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Poder conviver com os netos e ter momentos junto da família é o que a faz feliz. “Quando eu estou com eles, brincando, me divertindo, dando colinho para a Dudinha, me sinto realizada. A casa na praia com a família, os passeios em Formosa, churrasco de costela, comer bergamota direto da árvore, as excursões com as gurias do Banco do Brasil. É nesses momentos que consigo me desligar da rotina.”
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Helena conta que começou a trabalhar aos 14 anos, além de estudar de dia. São memórias simples que marcam a atual prefeita de Santa Cruz. “Andava de carreta de lomba, fazíamos uma fogueira de São João no meio da rua.” Recorda também da parceria com seu irmão João Carlos, dos passeios de bicicleta com o pai, que era marceneiro. “Ele também montou uma sala de aula para mim, já que desde pequena eu gostava de ler e fazia de conta que era professora.”
De 2009 a 2013, a Prefeitura de Santa Cruz foi conduzida pela primeira mulher a ocupar o cargo de prefeita: Kelly Moraes. O mandato abriu espaço para que outras mulheres se interessassem pela política e vissem nela a oportunidade que não enxergavam em um ambiente tão dominado por homens até então. Natural de São Leopoldo e hoje com 58 anos, Kelly é representante da região do Vale do Rio Pardo na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Fortemente envolvida com atividades de liderança, Kelly é deputada estadual. Tem quatro filhos e dois enteados, que ela considera como filhos. Apesar de a família estar sempre envolvida com a política brasileira, para ela, é preciso arranjar tempo para tratar das duas esferas da vida. “Muitas vezes, não conseguimos separar os problemas da vida pública e os da pessoal, principalmente para mim, que sou muito emocional. Sempre procurei não deixar transparecer qualquer preocupação aos meus filhos. Esse é o grande desafio para conciliar”, pontua.
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Atuante na defesa da mulher, seja participando da política, ocupando os espaços de poder ou combatendo a violência contra as mulheres, a parlamentar destaca que há, sim, desafios maiores que são enfrentados pelas mulheres inseridas na política. “Temos que mostrar diariamente que somos capazes. Sempre procurei trabalhar em conjunto, unindo homens e mulheres, procurando a igualdade. Não acredito e nunca busquei nenhum privilégio por ser mulher, mas diversas vezes precisamos nos impor mais do que os homens para sermos respeitadas”, comenta a deputada.
Para Kelly, o que mais a faz feliz fora do trabalho é estar com os filhos, netos e amigos. “Temos um grupo, a Turma da Bocha, que são amigas que levarei para toda a minha vida.” Guarda memórias boas de momentos que viveu na infância. “A lembrança mais afetiva que tenho é dos passeios que fazia com meus irmãos e primos quando nos reuníamos todos na casa dos meus avós em Butiá. A maior saudade é dos meus pais, que me deram os melhores exemplos, que procuro seguir sempre.” A deputada acredita no dom da humildade, e que esse é o melhor caminho a seguir.
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Bruna Jeanine Molz Noal tinha apenas 7 anos de idade quando fez o primeiro resgate de um cachorro na praia de Bombinhas, em Santa Catarina. A partir disso, a luta pela causa animal conduziria a vida da vereadora, que está em seu segundo mandato. Hoje com 31 anos, Bruna está de licença-maternidade para cuidar da pequena Manu. Alvo por diversas vezes de desacreditação e ataques, Bruna Molz prefere se ater à sua luta principal. “Me dedico totalmente à minha causa, tanto que meus assessores, enquanto estou de licença, estão lá recolhendo cães, atendendo denúncias. E isso não é atribuição do vereador. Meu dia a dia é totalmente focado no meu trabalho voluntário, que acaba interligado ao trabalho de vereadora.”
Há, para ela, muita diferença no tratamento entre vereadores e vereadoras. “Somos julgadas por tudo, temos que ser impecáveis, não podemos errar, temos que estar sempre mostrando que somos competentes, cuidar a roupa que usamos, as fotos que postamos, esses problemas os vereadores homens não têm.”
Graduada em Direito, Bruna dedicou seu trabalho de conclusão de curso também à causa animal. “Me formei em 2014. Comecei a trabalhar na Prefeitura, o canil nem existia na época, era um centro de controle de zoonoses. Comecei do zero, criei página, comecei a fazer feira de adoção”, recorda.
A rotina na Câmara e no voluntariado, contudo, mudou desde o dia em que soube da gravidez. Além, claro, da pandemia, que dificultou atividades que gosta de fazer com o marido, Lorenzo, como ir a festas e se reunir com a família e os amigos. “Agora, com a nenê, tudo mudou. Os últimos meses de gestação foram bem complicados, essa última fase eu consegui conciliar porque meus assessores assumiram tudo.”
A saudade de Bruna é, principalmente, da família reunida na infância. “Hoje meus pais são separados. Mas minha infância foi muito feliz. Se eu pudesse voltar a um momento da minha infância, seria com minha família unida, nas praias de final de ano. São coisas que ficam na lembrança.”
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O que a alegra é poder lutar pelo que acredita e ter uma família. “Cada pessoa vem com uma missão de vida e, com certeza, a minha é fazer o que eu faço. E estar casada, e com a Manu, que é o fruto desse amor.” Vegetariana, sonha em ter uma chácara onde possa criar porcos resgatados.
Desde muito cedo, Nicole Garske Weber, agora com 33 anos, já sabia o que queria ser. Em seu aniversário de apenas 4 anos, uma filmagem mostra a menina revelando que gostaria de trabalhar com política. Vereadora de Santa Cruz em seu primeiro mandato, a advogada e mestra em Direitos Sociais e Políticas Públicas é também mãe de Arthur Weber de França, de 9 anos.
Trabalhando desde os 13, sempre foi envolvida em atividades voluntárias e de liderança, como grêmio estudantil e diretório acadêmico. Natural de Cerro Branco, mas moradora de Santa Cruz desde os 5 anos, Nicole hoje advoga no direito de família e, principalmente, da mulher. Essa é também a causa que defende. Como vereadora, sente as barreiras de ser mulher. “É preciso provar duas, três, quatro, dez vezes, que tu és mais inteligente, mais capaz e que tem sentido o que tu estás falando.”
Este estigma se estende para fora da Câmara. “As pessoas se sentem mais legitimadas a falar da vida de mulheres. Não vejo falarem da vida pessoal ou da aparência de meus colegas.” Nicole mantém um relacionamento com o colega de partido e deputado federal Marcelo Moraes. “Eu e ele temos visões políticas muitas vezes convergentes, muitas vezes divergentes, e nos respeitamos por isso. Esse respeito a partir de opiniões próprias engrandece nossa relação.” Recentemente, o excesso de trabalho e noites mal dormidas fizeram com que Nicole tivesse um pré-infarto. “Aprendi, agora com 9 meses de mandato, que tu precisas ter limites, precisas estar bem e vivo para trabalhar para os outros.”
Na vida pessoal, Nicole considera que o mandato a fez mudar alguns hábitos. Hoje, prefere estar mais em casa, ou viajar com o filho, família, estudar, ler e ver séries. Algumas lembranças de sua infância e juventude são mais fortes, como quando perdeu um irmão, no parto, por negligência médica. Já as lembranças boas são, principalmente, as que viveu perto da família. Uma, em especial, envolve o avô, que sempre sonhou que se tornasse vereadora.
A defesa das mulheres está sempre presente na vida de Nicole. “É missão de vida. Independente de partido, duas das pessoas que sempre admirei são a Kelly Moraes, que é do meu partido, e a prefeita Helena, que não é. Uma das principais razões do meu mandato é estimular que meninas jovens se interessem por isso”, considera.
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