“Quanto tempo eu tenho?”, quis saber o motorista, enquanto empurrava a maca em direção à ambulância. “Uma hora e meia”, respondeu a médica plantonista. O motorista da ambulância assentiu com um discreto movimento da cabeça. Uma hora e meia era o tempo que ele teria para transportar o paciente do Hospital Vera Cruz ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Canoas, referência no atendimento a acidentados para todo o Estado. Demorar mais significava o agravamento da lesão da vítima e, possivelmente, uma hemorragia, talvez fatal.
Deitado na maca, o auxiliar de logística Wesley Trevisan Barbosa ouviu o breve diálogo entre motorista e médica e, mais uma vez, deu-se conta da gravidade de sua situação. Menos de uma hora antes, por volta das 20h20 de 9 de dezembro de 2021, o jovem de 24 anos fora vítima de um acidente no Bairro Arco Íris, em Vera Cruz. Ele pilotava sua Honda Titan quando um Renault Sandero invadiu a pista contrária, em sentido oposto ao do motociclista.
Carro e moto rasparam-se, lado a lado, e a mão esquerda de Wesley, esmagada entre a lataria do carro e o guidão da motocicleta, transformou-se em uma ruína de ossos fraturados, tendões e vasos sanguíneos rompidos. No HPS, uma junta médica reuniu-se para tomar uma decisão difícil: tentar reconstruir a mão, ou amputá-la?
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A decisão recaiu sobre a primeira alternativa e teve início uma cirurgia que varou a madrugada. A mão ficou em seu lugar, mas os movimentos dos dedos não voltaram. Hoje, Wesley ainda tem pela frente mais cirurgias e um longo percurso em clínicas de fisioterapia, antes de retomar uma rotina minimamente normal. “A única coisa certa é que minha vida não será mais a mesma”, afirma.
O drama de Wesley é mais um dentre tantos exemplos da fragilidade do motociclista em caso de acidente. Uma colisão lateral, que tinha tudo para ser apenas mais um fato corriqueiro, alterou-lhe o curso do destino, chocando-se também contra seus planos futuros.
O perigo das motos, entretanto, não é nenhum segredo – basta olhar para uma delas e constatar o quanto o piloto fica exposto. Apesar disso, as motocicletas têm cada vez mais adeptos (dentre os quais, o autor desta reportagem), seja pelo prazer em pilotá-las, seja pela economia de gasolina. Diante disso, uma dúvida que surge é: como fazer para atenuar a gravidade dos acidentes com motos? Esta matéria busca respostas para tal pergunta.
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Contrariando o senso comum – segundo o qual o motociclista é sempre o culpado –, Wesley não contribuiu para o acidente que quase o mutilou. Câmeras de segurança das proximidades do local da colisão mostraram que o motorista do automóvel invadiu a pista contrária e ainda tentou retornar para seu lado, mas não a tempo de evitar o choque. Para piorar o quadro, o condutor do automóvel não parou: seguiu adiante sem prestar socorro. Foi localizado pela Brigada Militar já em casa – com o carro batido coberto por uma lona. Convidado a fazer o teste do etilômetro, negou-se. O caso virou um inquérito, a cargo da Polícia Civil.
Wesley ficou cinco dias internado no HPS, com a mão enfaixada e transpassada por fios de Kirschner, mas com certa liberdade para circular pelos corredores. Comunicativo, fez amizade com outros pacientes e voltou para casa com uma penca de histórias parecidas com a dele – muitas delas, também envolvendo motociclistas. “Se vê de tudo lá. Gente com pernas e braços quebrados, bacia fraturada, com gesso e esparadrapo pelo corpo todo”, relembra. “Havia um rapaz inconsciente, sempre acompanhado da mãe. É um lugar cheio de histórias tristes.”
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Nas provas de moto velocidade, as quedas são parte do espetáculo. Altamente treinados, os pilotos de corrida dominam, inclusive, técnicas “seguras” para colocar em prática diante de uma queda iminente, minimizando o risco de fraturas ou outros ferimentos. Contudo, o que vale para as pistas de corrida não vale para as ruas.
“Infelizmente, numa situação de rua, não há ‘técnicas para cair’, até porque o motociclista tende a ser pego de surpresa num acidente que acontecerá em frações de segundo”, comenta Guilherme Augusto, motociclista, jornalista e editor do Motonline, um dos maiores portais sobre motociclismo do Brasil. A recomendação, portanto, é fazer de tudo – e mais um pouco – para evitar acidentes. Acostumado a cursos de pilotagem, feiras e salões sobre motociclismo, Guilherme repassa algumas dicas preciosas. Confira abaixo.
Guilherme Augusto recomenda aos motociclistas o uso de jaquetas – seja na estação que for. Mas não é qualquer jaqueta. “Deve ser específica para motociclista, confeccionada em material de alta resistência e com proteções nos ombros, cotovelos e costas”, ressalta. Sugere ainda o uso de luvas, também projetadas para motociclismo, calças e botas até a altura dos tornozelos. “Rodar equipado pode salvar a sua pele – literalmente – em acidentes”, destaca o especialista. “Afinal, roupas de materiais comuns, como uma camiseta de algodão e calça jeans, irão se esfarelar logo nos primeiros centímetros em contato com o asfalto, deixando a pele do motociclista raspando direto com o chão. As roupas para motociclistas são feitas em materiais de alta resistência. Andar equipado irá reduzir ferimentos, absorver impactos e evitar torções.”
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É preciso evitar os pontos cegos dos automóveis, ou seja, aquelas áreas ao redor dos carros não atingidas pelo campo de visão dos motoristas, mesmo quando eles estão atentos aos retrovisores. É o caso dos espaços atrás das colunas que sustentam o teto, por exemplo. Muita proximidade em relação aos carros também pode deixar a moto invisível aos demais motoristas.
Abusar da velocidade e ultrapassar pela direita está totalmente fora de cogitação. Além disso, Guilherme alerta os motociclistas a evitar decisões precipitadas, daquelas que tomamos quando supomos ter “adivinhado” o que os outros condutores irão fazer. “É a velha história do, ‘bom, se ele está com a seta ligada para lá, já posso ir indo na outra direção’”, exemplifica.
O recomendado é usar os freios dianteiro e traseiro de forma progressiva, ao invés de pisar fundo no pedal do freio traseiro – movimento que causa derrapagens. Para Guilherme, os motociclistas deveriam investir em cursos de pilotagem, inclusive, para aprender a usar os freios.
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Não. A função do mata-cachorro é evitar avarias na moto, mas não proteger o piloto.
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Por onde passam, os entregadores Lucio Luiz Francisco e Indiara Barbosa Bublitz chamam a atenção. O motivo é o arsenal de equipamentos de segurança que utilizam em suas andanças pelos quatro cantos de Santa Cruz do Sul – um aparato que lembra uma armadura futurista, dando-lhes o aspecto de “robocops” sobre duas rodas.
Além dos equipamentos convencionais, caso dos capacetes de alta performance com viseiras de dois milímetros e dos coletes refletivos, ambos usam joelheiras articuladas que descem até as canelas e cotoveleiras articuladas com proteção para o antebraço. O aparato também conta com luvas com polímeros reforçados nos nós dos dedos e costas das mãos; protetores de pescoço e queixo com quatro cabos de aço inox de 1,8 milímetro; e óculos de segurança. Nas motos, há antenas corta-pipa e mata-cachorro.
O gerente da loja de peças veiculares para a qual Lucio e Indiara trabalham, Guilherme Waechter, relata que desde 2008 a empresa adota tais equipamentos no dia a dia dos entregadores. “Em 2007 tivemos um sinistro que ocasionou lesões leves e, então, veio a decisão de olhar mais atentamente para essa atividade. Foi então que criamos as normas de conduta dos veículos da empresa, que lista esses equipamentos como de uso obrigatório” conta.
Segundo ele, a iniciativa tem chamado a atenção de outros motociclistas. “Quando as pessoas visualizam um de nossos entregadores vestido por completo perguntam sobre a utilização dos equipamentos. As abordagens nas barreiras policiais vêm acompanhadas de elogios.” Conforme Waechter, de lá para cá houve dois acidentes com motoboys da loja e, em ambos os casos, os motociclistas escaparam ilesos.
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Para Indiara e Lucio, o estilo Robocop vale a pena. “Acredito que esses equipamentos fazem a diferença em caso de acidente”, diz ele. “O capacete é de uso obrigatório, mas se for de qualidade, conta muito. E as cotoveleiras e joelheiras ajustadas corretamente protegem contra fraturas expostas nas partes mais atingidas em um acidente”, avalia.
Com a experiência de quem passa o dia rodando pelas ruas de Santa Cruz do Sul, ambos cobram mais atenção dos motoristas para com os motociclistas. “A gente aprende na autoescola que os maiores devem cuidar dos menores, mas não é bem isso o que acontece”, lamenta Indiara. Por conta disso, sua principal dica aos colegas de profissão é redobrar os cuidados. “Não é uma profissão tranquila. A gente tem que estar sempre ligado e precisa do máximo de cuidados e de equipamentos para se proteger.”
Não, essa não é uma discussão política. É uma dúvida que muitos motociclistas têm na hora de decidir por onde rodar, no espaço entre o acostamento e a faixa divisória das pistas. Há quem diga que lugar de moto é no lado direito da rua ou rodovia, para facilitar a vida dos motoristas mais apressados na hora da ultrapassagem.
Mas Guilherme Augusto discorda. “O motociclista deve permanecer no centro da via. Isso aumentará sua visibilidade e trará segurança, pois ao rodar à direita ele pode ser ‘empurrado’ para fora da pista por veículos maiores”, argumenta.
Porém, como tudo a vida, essa também é uma questão de bom senso. Guilherme observa que não custa nada ao motociclista dar passagem aos veículos mais rápidos. Especialmente no caso dos ciclomotores de pouca potência.
A opinião do especialista em motociclismo coincide com as recomendações do Comando Rodoviário da Brigada Militar. Conforme o capitão Silvio Erasmo da Silva, comandante da 2ª Companhia Rodoviária de Santa Cruz do Sul, as motos devem rodar pelo centro da via, ou seja, no meio do espaço entre as faixas divisórias e a margem direita. “Quanto mais perto do acostamento, mais perigoso fica”, alerta. “Se a motocicleta anda conforme a velocidade da via, deve andar na faixa central, salvo alguma situação excepcional.”
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