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rússia x ucrânia

“Guerras não têm data e hora para terminar”, analisa especialista

Danos após ataque com míssil em Kiev, Ucrânia | Foto: Arrikel/Wikimedia Commons

Nas últimas semanas, o noticiário internacional foi tomado por imagens e informações sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. Conforme o doutor Bruno Mendelski, professor dos cursos de Economia e Relações Internacionais da Unisc, é preciso analisar diferentes perspectivas para entender as pretensões russas e as possibilidades ucranianas durante e após os combates.

Mendeslki: perspectivas

Mendelski diz que não é possível afirmar se o avanço russo está lento ou decorre dentro dos planos, tendo em vista que os objetivos daquele País em relação à Ucrânia não são claros. É possível que o propósito seja somente derrubar o governo atual para colocar outro, alinhado aos interesses russos. Da mesma forma, a Rússia também pode tentar anexar as regiões ucranianas já dominadas.

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A Ucrânia, por outro lado, pode ter vários destinos após o fim do conflito. Entre eles estão troca de governo, perdas territoriais significativas e até mesmo fragmentação do País entre diversos grupos armados. Além de tudo isso, as duras sanções econômicas impostas à Rússia por diversos países podem gerar grandes impactos não apenas na população russa, mas também a todos os parceiros comerciais daquele País, entre eles o Brasil.

Confira a entrevista completa:

  • Quando a invasão começou, projetava-se que seria uma guerra rápida, sobretudo diante da decisão do Ocidente de não lutar. No entanto, o conflito está se prolongando e sem uma perspectiva clara de final. O senhor acredita que há algum sinal de que a guerra está tomando algum rumo não esperado?
    Nas análises militares, comumente se afirma que as guerras têm data e hora para começar, mas não para terminar. Temos vários exemplos na história de guerras e invasões que prometiam ser rápidas mas que não decorreram assim. Um deles é a invasão soviética do Afeganistão para ajudar o regime comunista daquele país, que durou cerca de dez anos. Posteriormente tivemos a invasão dos Estados Unidos ao Afeganistão para derrubar o governo Talibã e prender membros da Al-Qaeda, e eles conseguiram sair só 20 anos depois.
    Não tenho dúvida que Putin (presidente da Rússia) e assessores dele fizeram todo um planejamento, a decisão de iniciar essa guerra não foi tomada de uma hora para a outra. É difícil dizer se está demorando, e nesse sentido também precisamos ter algum parâmetro, o qual depende do objetivo. O objetivo é derrubar o Zelensky (presidente da Ucrânia) e trocar o regime? Então talvez esteja demorando um pouco. É importante colocar em perspectiva que a Ucrânia é o segundo maior país da Europa em território, atrás somente da própria Rússia.
    Se o propósito russo é conquistar todo o território ucraniano, isso certamente não iria ocorrer em 10 ou 12 dias de conflito. Há ainda um outro cenário possível, que é a Rússia demonstrar poder aos Estados Unidos e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e que a Ucrânia é a linha vermelha. Se for assim, estão fazendo isso. É difícil responder objetivamente a essa pergunta porque não sabemos qual desses é o objetivo da Rússia.
  • O poderio militar russo é muitas vezes superior ao da Ucrânia e já está claro que o Ocidente não quer ingressar no conflito. Por que o senhor acredita que a Ucrânia ainda resiste?
    Mais uma vez precisamos colocar a questão em perspectiva. Se a gente for olhar o mapa, percebemos que as tensões estão concentradas na ação da Rússia em Kiev, que é a capital, mais populosa e onde o poder político está constituído. É ali onde vai se desenrolar a derrubada do governo ou não. Mas se olharmos mais ao Sul, as tropas russas têm feito um avanço muito considerável. Para se ter uma ideia, a maior parte do território ao Sul da Ucrânia que é banhado pelo Mar Negro, ou seja, tem uma localização estratégica, já foi tomado pela Rússia.
    Da Crimeia à região de Donbass, que tem aquelas duas regiões que se declararam independentes (Lugansk e Donetsk), a Rússia já conseguiu estabelecer um corredor. Então talvez um dos objetivos possíveis seja criar essa zona tampão e, olhando a partir desse mapa, percebe-se que falta pouco para a Rússia conseguir dominar toda a faixa de território na qual a Rússia tem fronteira com a Ucrânia.
    Eu penso que o presidente da Ucrânia tem conseguido motivar a sua população a resistir, o que em termos de moral é bem interessante. Por outro lado, possui um caráter muito perigoso. Todos os homens entre 18 e 60 anos da Ucrânia não podem deixar o País, eles estão sendo instigados a lutar, o governo está dando armas. Eu não tenho nenhuma experiência militar, aí você imagina eu com uma metralhadora defendendo o meu País, sem treinamento nenhum. Isso pode ocasionar uma mortandade muito grande, ainda que por uma ótica de defesa nacional possa soar heroico.
    Há ainda outra questão muito importante: e depois, quando os conflitos pararem, toda essa população armada vai simplesmente devolver esses armamentos e munições? Se a gente for olhar o que ocorre em outros teatros desses conflitos, criam-se milícias e grupos armados que acabam agindo por conta própria.
  • Até agora, a Rússia tem sido 100% bem sucedida nos seus propósitos, na sua opinião?
    Nós não sabemos oficialmente quais são os interesses e objetivos da Rússia. Sabe-se que um domínio total, o que eu acho muito difícil, demoraria bastante tempo. Por outro lado, eu acho factível que a chegada de tropas russas na capital tem demorado um pouco. Existem relatos de todos aqueles comboios russos que estão com problemas logísticos, então é difícil afirmar.
  • Até que ponto as sanções e as acusações feitas por outros países podem atrapalhar as pretensões da Rússia?
    Isso tem se destacado, e mais uma vez precisamos fazer uma contextualização. Sanções econômicas historicamente vêm sendo aplicadas, mas nunca foram aplicadas em um país tão importante, em uma grande potência. Foram aplicadas em países como Iraque, Irã, Síria, Coreia do Norte e Cuba que, em termos de projeção de poder, são, no máximo, potências médias. Nunca foram aplicadas sanções em um país tão importante como a Rússia, que possui o maior território do mundo, possui um exército que está entre os três mais poderosos, possui armas de destruição em massa e é membro do conselho permanente das Nações Unidas.
    Essas restrições têm chamado a atenção pela grandiosidade. Os russos e os estrangeiros já não podem usar os cartões de crédito mais conhecidos, como Visa e Mastercard. Grandes empresas estão saindo da Rússia e tem sido feito um cerco às figuras econômicas aliadas ao regime, os chamados oligarcas. Então sim, acho que essas questões podem atrapalhar mas, mais uma vez, é importante colocá-las em perspectiva.
    O Iraque ficou mais de dez anos sob sanções, a Coreia do Norte está há décadas sob sanções, Cuba sofre um embargo dos Estados Unidos desde o início dos anos 1960 e os regimes permaneceram os mesmos. Ainda que haja cuidado para lançá-las sobre as figuras-chaves do regime, quando a economia de um país é atingida fortemente, e isso vem sendo o caso da Rússia, o efeito tende a ser catastrófico. É difícil mensurar se vai afetar a guerra, mas para a população isso vai ter um efeito muito forte.
    E, mais uma vez colocando em perspectiva, a economia da Rússia é a 11ª no mundo, maior do que a brasileira. Isso possivelmente vai gerar efeitos em escala global, atingindo outros países, sobretudo aqueles que têm negócios com a Rússia, como é o caso do Brasil.
  • Qual o senhor acredita que será o desfecho do conflito? O governo ucraniano deve ser deposto e um novo, aliado à Rússia, constituído?
    A gente aprende que previsões nas Relações Internacionais são impossíveis de fazer. A tendência, caso não haja nenhuma reviravolta, é que isso ocorra, especialmente porque a Ucrânia não vai contar com o apoio direto dos membros da Otan. O cenário seria completamente diferente se a Ucrânia fosse membro da Otan. Eu acredito que o grande objetivo da Rússia seja esse: depor o governo Zelensky e colocar outro que esteja alinhado aos seus objetivos. Mas isso ainda não está claro.
  • Como será a Ucrânia pós-conflito, na sua opinião?
    Também é difícil dizer. Mais uma vez, se a gente olhar o mapa, as tropas russas estão fazendo um avanço muito significativo ao Sul. Depois do conflito, elas simplesmente vão sair ou não? Se olharmos o modus operandi da Rússia, em 2008, a Geórgia iniciou na região do Cáucaso um processo de aproximação com a Otan e a União Europeia. A Rússia, então, invadiu o País e apoiou duas regiões que reivindicam a independência, a Ossétia do Sul e a Abecásia. É uma situação análoga ao que aconteceu em 2014, na Ucrânia, com a região de Donbass.
    Há uma possibilidade que não pode ser desconsiderada: de que a Rússia anexe outras regiões da Ucrânia, pois já fez isso com a Criméia. A Rússia está fazendo uma ligação justamente entre a Crimeia e Donbass, então é possível que a Ucrânia tenha uma perda territorial. Outra possibilidade, e que seria um cenário extremamente trágico, é a fragmentação do País, com a formação de guerrilhas e grupos armados. É importante constatar que a Ucrânia vem recebendo voluntários e pessoas que querem lutar junto com o governo. O que acontece em muitas situações é que o governo central não tem gerência sobre esses grupos, que vão estar armados.
  • E quanto à Rússia, como sairá desse episódio?
    O que temos visto de modo concreto até agora é que a Rússia vem sofrendo uma forte condenação da comunidade internacional. Podemos ver empiricamente pela resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, que foi votada na semana passada, que apenas cinco países votaram contra a resolução. Outros 30 se abstiveram e 150 votaram a favor.
    Por um outro lado, nós temos a China apoiando a Rússia. É logico que pragmaticamente, mas dando suporte. Então o que a gente pode ver e talvez possa se esperar a partir de agora é uma Rússia cada vez mais próxima e, possivelmente, um pouco mais dependente da China.

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