Grupo de devotos luta por volta do Santuário de Schoenstatt na BR-471

Representantes do Movimento Apostólico de Schoenstatt recolheram três mil assinaturas contra o desmanche do santuário na BR-471, em Santa Cruz do Sul. Agora, o grupo reclama da falta de diálogo com a Prefeitura e o Ministério Público. E alega que o problema não está na destinação da área, mas na retirada de itens religiosos da capela pelas irmãs. Os membros desejariam ao menos uma audiência para tratar do assunto.

Responsável pelo abaixo-assinado, Glacy Faleiro questiona a intenção de demolir o santuário. “As Irmãs retiraram o altar, além de outros objetos, todos originais, vindos da Alemanha, como de outros santuários ao redor do mundo. A composição da capela foi um trabalho voluntário de quatro décadas, de devotos que fizeram doações, com a finalidade de o santuário funcionar naquele local.”

Representante da Liga das Famílias do movimento, Denise Kaercher Werner afirma que a transferência dos itens para uma casa na Rua Thomaz Flores, 759, aconteceu na calada da noite, no fim de outubro de 2020. “Levaram tudo, sendo que o que existia lá foi feito a partir de muito esforço dos devotos. Ficamos chocados e tristes por não termos a oportunidade de dialogar. Tudo o que elas pregam é diferente da ação delas atualmente.”

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Para um respaldo jurídico na questão, o grupo trabalha para a criação de associação mantenedora. Dessa forma, os membros do movimento desejam manter a capela e a romaria de forma independente das Irmãs de Maria. Em nome da Liga das Mães, Noeli Maria Brixner Falleiro ressalta que o sacrário, onde as hóstias são guardadas, não pode ser removido sem a autorização do bispo. “Até isso vai contra as questões sagradas da Igreja”, frisou. “Precisamos respeitar a geração mais antiga, que fez por merecer. O santuário nos pertence por direito. É inadmissível que o local deixe de ser santificado”, completou. Glacy é taxativa sobre o objetivo do grupo. “Queremos o santuário exatamente como era originalmente. Estamos cogitando até um pedido para o Papa Francisco interceder.”

Em 2019, a 43ª Romaria ao Santuário de Schoenstatt atraiu cerca de 30 mil pessoas, em caminhada de 3,8 quilômetros. O espaço foi inaugurado em 11 de dezembro de 1977. A área está sendo aberta três vezes por semana e uma missa é realizada todo domingo após o dia 18 de cada mês, às 15 horas. No mundo, há 150 santuários. O Movimento Apostólico de Schoenstatt faz parte da Obra Internacional de Schoenstatt, fundada pelo padre José Kentenich em 18 de outubro de 1914, em Vallendar, às margens do Rio Reno, na Alemanha.

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Vereador elenca os pontos a serem debatidos

O vereador Francisco Carlos Smidt (PSDB) está engajado na busca de diálogo entre os interessados para solucionar a questão. Ele comentou sobre a ausência das Irmãs de Maria quando foi agendada uma reunião especial na Câmara para debater o assunto. Também citou a estranheza sobre o motivo original da saída das irmãs para o Centro. “Elas reclamavam de segurança, mas a prefeita Helena Hermany disse que forneceria segurança 24 horas por dia. Ou seja, o motivo da transferência foi outro”, apontou.

Para Carlão, ao longo das quase cinco décadas de existência do santuário, criou-se um patrimônio de fé no local, construído pela comunidade, por meio das romarias e visitações. “A comunidade precisa ser respeitada. A questão deve ser tratada de forma séria e responsável. Se a área não se destinar para a finalidade proposta, deve ser revertida para o Município”, considerou. “A estrutura dos prédios deve ser de ouro e diamante se a indenização a ser paga for de R$ 1,8 milhão pela desapropriação”, complementou.

O vereador acredita que o abaixo-assinado com 3 mil pessoas deve pesar nas decisões jurídicas. A forma como foi efetuado o desmanche do santuário é um desrespeito com a religiosidade, na visão de Carlão. “Pode até ser um procedimento legal, mas é imoral. Não tem fundamento o Município indenizar uma área que é dele. Chamam atenção a intransigência e a inflexibilidade das religiosas. Deixaram de olhar para o sentimento da população e trataram a questão com individualismo”, enfatizou.

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Para o promotor, a solução foi razoável

O Ministério Público envolveu-se na questão para intermediar as discussões entre os lados interessados. Segundo o promotor de Defesa Comunitária, Érico Barin, em entrevista à Rádio Gazeta FM 107,9, a atuação do MP sempre foi no sentido de proteção do patrimônio público.

“O imóvel foi doado na década de 1970 para a congregação, com o objetivo de construir um espaço religioso. A partir do momento em que o acesso da população foi interrompido, passamos a atuar após a provocação de um abaixo-assinado. Tivemos a reabertura parcial e, na evolução das tratativas, chegou-se a um acordo para assegurar o patrimônio público e o interesse dos devotos”, justificou Barin.

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De acordo com o promotor, a solução desenhada foi razoável. Em seu entender, a comunidade do entorno será beneficiada pelo viés educacional e, ao mesmo tempo, a congregação vai permanecer em Santa Cruz. “Ainda teremos a manutenção de uma capela na área da BR-471 com a imagem da Mãe Rainha para as pessoas que identificam o local como sendo de oração e devoção”, salientou.

Barin afirmou que o MP não pode se intrometer nos aspectos religiosos, mas apenas na questão legal no que se refere ao patrimônio público. “Respeito todos os entendimentos, mas a questão da transferência é religiosa e não cabe fazermos juízo a respeito. Não é a atribuição do MP. Franqueamos o acesso à representante do grupo do movimento contrário no dia da assinatura do acordo, mas uma das partes não gostaria que houvesse outras pessoas. Respeitamos esse pedido e foi o único momento em que não tivemos participação direta do movimento contra a alteração”, esclareceu.

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Irmã entende que não há como agradar completamente a todos

A irmã Rosequiel Lopes Fávero, da assessoria de Comunicação do Movimento Apostólico de Schoenstatt, considerou a decisão tomada em relação à questão como satisfatória. Conforme ela, não há como agradar completamente a todos, mas entende que a partir da troca de local do santuário, o correto seria desmanchar a capela e utilizar os materiais para a reconstrução em outro ponto.

Contudo, Rosequiel citou a resistência de parte da comunidade com a transferência como motivo para a manutenção da capela. “O movimento de Schoenstatt é muito grande, tem muitas comunidades. Uma parte se opôs. Mas viemos trabalhando há anos sobre a necessidade da troca de local, porque não estava possibilitando que as Irmãs realizassem a sua missão. Nos últimos dois anos, a questão se intensificou. Com a pandemia, pela dificuldade de reunir as pessoas, tomamos a decisão de retirar os itens e transferir o santuário”, explicou.

Rosequiel reconhece o entendimento contrário de algumas pessoas e a dor demonstrada por elas. “Também sofremos com isso. O santuário é muito importante para nós. Vamos deixar a capela, com algumas mudanças. Mas vai ter um altar semelhante, bancos com genuflexório, e vamos trocar a portas e os vitrais”, detalhou. Os elementos originais serão destinados ao novo santuário, em área a ser adquirida com o valor da indenização.

Rosequiel salienta que as irmãs sempre trabalharam em ações sociais na região da BR-471. “Estamos felizes porque o local será utilizado para algo nobre. As crianças não precisarão atravessar a rodovia para estudar. Sempre tivemos irmãs atuando nas comunidades próximas. A Prefeitura se comprometeu a manter o parque, com os bancos e policiamento. Então, as pessoas poderão ir lá e rezar normalmente”, finalizou.

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Romarias de Schoenstatt mobilizaram milhares de fiéis e devotos ao longo dos mais de 40 anos de existência do santuário na BR-471 | Foto: Bruno Pedry/Banco de Imagens/GS

“O lugar tem uma energia muito boa”, diz padre

Um questionamento dos fiéis de Schoenstatt tem sido quanto ao posicionamento da Mitra Diocesana ou do próprio bispo dom Aloísio Alberto Dilli acerca da decisão das irmãs de deixarem o Santuário, ao lado da BR-471, mantido há quatro décadas como local consagrado, e do embate que cerca aquele ponto de convergência religiosa e de fé. Em entrevista à Gazeta do Sul nessa sexta-feira, o padre Roque Hammes, assessor de Comunicação da Diocese, informou que o bispo dom Aloísio acompanha com atenção a problemática, embora não tenha ingerência por se tratar de movimento apostólico independente e que, por esta razão, tem evitado se manifestar sobre o tema.

“Um movimento apostólico, caso do Mariano, só pode existir na cidade com acolhimento da própria Diocese, mas sem ingerência desta nas questões internas do movimento, que é supradiocesano”, frisou padre Roque. “O poder de decisão não está em nossas mãos.” Em diferentes ocasiões, fiéis questionaram por que, então, a Mitra acolheu as Irmãs em casa da Paróquia da Catedral São João Batista. Conforme Hammes, quando houve a decisão das Irmãs de deixarem o santuário, foram acolhidas enquanto não se define o futuro do movimento no município, esforço que estaria sendo acompanhado internamente por outro padre.

Hammes reconhece que há desconforto e certo constrangimento em ambiente de Diocese pela celeuma em torno do santuário, que acabou por dividir os fiéis do movimento espiritual mariano em dois grupos, um declaradamente contrário a abandonar o lugar, consagrado inclusive pelo padre José Kentenich, ao qual se sente espiritualmente ligado.

Natural de Arroio do Meio, padre Roque atua há duas décadas em Santa Cruz e ao longo desse período acompanhou muitas atividades no santuário, incluindo as romarias. “É uma pena. Não era jamais de abandonar aquele lugar, que tem uma energia tão boa”, comentou. “Pessoalmente, lamento demais. Seria muito melhor que isso nunca ocorresse.” Padre Roque acrescentou que em muitas ocasiões levou visitantes de fora de Santa Cruz até o local, e todos sempre se mostraram muito bem impressionados com a beleza, a paz e a espiritualidade do santuário.

O assessor de Comunicação entende que de fato pode ter faltado mais diálogo entre as lideranças do movimento e os próprios fiéis em busca de solução, até pela projeção que o impasse ganha para fora da região, uma vez que isso já envolve o próprio nome da cidade. Afinal, lida-se com um precedente agora criado, que se reflete no movimento e até em relação a outras instituições ou outras localidades, de abandonar um local consagrado, e com intensa mobilização comunitária anterior.

Indagado sobre até que ponto poderia ser remobilizada energia comunitária para erguer e abraçar um novo santuário em outro local, diz que é um ponto relevante a considerar em questões de fé e espiritualidade. “Com os fiéis assim divididos, e ânimos exaltados, vai se conseguir de novo? Talvez já nem exista a mesma energia. Desde o começo devia ter sido encontrada uma forma de isso não acontecer”, enfatizou. “Faltou diálogo entre pessoas de um mesmo movimento apostólico. Agora, infelizmente, estamos nesse impasse.”

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