Em um grupo do Facebook de compras e vendas de Santa Cruz do Sul, um criminoso anuncia: “Adquira já sua CNH, não perca tempo.” Bastante ousado, ele ainda disponibiliza um número de celular com código de área 51 e afirma que o contato é feito diretamente com o diretor do Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran/RS), Enio Bacci.
A reportagem da Gazeta do Sul entrou em contato com o número passando-se por possível cliente. Com a oportunidade de fazer mais uma vítima, o golpista não perde tempo e logo dá sequência à fraude. A foto que ele utiliza no WhatsApp é de Bacci, mas basta pesquisar na internet para perceber que a imagem foi tirada da apresentação do diretor do Detran, no site da instituição. Confira abaixo como foi a conversa.
Diversos crimes envolvidos
“Se já sabe dirigir está ótimo”
Na conversa, o falsário explica que a venda da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias A e B – para moto e carro – sai por R$ 2 mil. Mas o homem pede que metade do pagamento seja feito adiantado para dar início ao processo. Segundo ele, em apenas quatro dias o documento fica pronto e não é preciso fazer aulas, nem provas. “Estamos com esse procedimento de CNH facilitada pois muitos não conseguem concluir, então essa oportunidade é ótima para quem não tem tempo e quem tem muita dificuldade. Nem aulas, apenas se já sabe dirigir está ótimo”, oferece.
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O criminoso ainda completa que o documento pode ser retirado na sede do Detran de Santa Cruz do Sul. Questionado se a carteira chega realmente ao destino, já que há muitos golpes feitos pela internet, o golpista concorda. “Verdade, mas ‘com nós’ não vão ter esse problema, fique tranquila, sou muito conhecido e popular.”
Alvo frequente de golpes
Não é a primeira vez que o Detran é alvo de crimes desse tipo, já que é comum encontrar ofertas de vendas de carteiras de habilitação pela internet. Entretanto, o verdadeiro Enio Bacci, diretor-geral do Detran do Rio Grande do Sul, conta que nunca havia visto dessa forma. “Eles estão dando golpe em todo mundo, mas não sabia que estavam usando meu nome”, comenta. Bacci explica que é preciso tomar cuidado. “As denúncias estão chegando sempre e a corregedoria e a Polícia Civil estão investigando. As pessoas não podem cair em uma conversa dessas. Quando é uma coisa fácil demais, barata demais, tem que abrir o olho e procurar informações sobre a oferta que estão fazendo. É aquela questão de querer levar vantagem, de querer se beneficiar, as pessoas acabam prejudicadas e envolvidas também, por que tem repercussões lá na frente.”
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A corregedora-geral do Detran/RS, Fernanda Castoldi, explica que, com bastante frequência, utilizam perfis falsos com nome e foto de diretores do Detran para passar veracidade e confiança. Ela destaca que o processo de habilitação é feito de forma compartimentada, exigindo diversas etapas e a participação de profissionais, tanto de Centros de Formação de Condutores (CFCs) quanto de servidores da autarquia, como médicos, psicólogos, instrutores e examinadores. “Cada nova etapa depende da conclusão da etapa anterior. É preciso ser aprovado na prova teórica para iniciar as aulas práticas. Só após concluída a carga horária obrigatória de aulas, o sistema libera a realização do exame prático feito por uma comissão de examinadores do Detran RS. Não existe como realizar todo esse processo no prazo que os golpistas informam”, detalha a corregedora.
Oferta pode ter vindo de dentro da prisão
O delegado de repressão aos crimes informáticos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), André Anicet, explica que são diversos delitos envolvidos. “Primeiro, o golpista age usando a identidade de outra pessoa, é crime de falsa identidade. Caso ele venda algum documento, tem a falsificação de documento público e o usuário deste cai no crime de documento falso. Se ele ainda promete que vende e não vende, há estelionato, ou seja, ele tentou enganar a pessoa com o objetivo de lucro.” Segundo Anicet, a partir do momento em que a pessoa recebe a carteira falsa e a utiliza, está praticando o crime de uso de documento falso. “A grande questão é que dificilmente a pessoa que compra um documento falso vai registrar ocorrência policial, dizendo que tentou comprar e caiu em um golpe”, observa. O delegado confirma a possibilidade de que a fraude seja aplicada de dentro de alguma unidade prisional.
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Como foi a negociação com o golpista
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