O português é um idioma com mais exceções que regras. Mas o lado bom é a dinâmica, a mesma que confunde os estrangeiros e ao mesmo tempo empresta atualidade a partir dos frequentes neologismos. Com o passar do tempo, alguns ditados caem em desuso ou mudam de significado. Exemplo? A expressão “vida de cachorro”, originalmente concebida para definir quem leva uma vida sofrida, com poucos recursos.
Hoje, “viver como um cachorro” desperta a inveja de muita gente. De abandonados, comendo restos de alimentos e dormindo ao relento, os cães ocupam lugar privilegiado no cotidiano de milhões de brasileiros. A revista Exame, no dia 2 de maio, ostentou a seguinte manchete: “Mercado pet deve faturar R$ 20 bilhões em 2020”. A reportagem revela que existem mais de 132 milhões de estimação no País, conforme levantamento do IBGE.
Nessa onda já é permitida a presença dos mascotes em lugares outrora inimagináveis, como shoppings e restaurantes. Respeito opiniões em contrário, mas considero uma demasia. Vejo animaizinhos estressados em meio à confusão de lojas nos sábados à tarde no Iguatemi, em Porto Alegre. Outro patinam ao tentar caminhar nos corredores apinhados de gente.
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Verdade ou não, dizem que muitos animais se assemelham aos donos, em fisionomia e temperamento. Conheci um adestrador que afirmou:
– Não existem animais estressados. Existem, isto sim, donos estressados!
Nesse quesito, temos um maltês, o Fiuk, nove anos, tempo que espero tornar-se um cachorro cordato, calmo e obediente. Por enquanto, late desesperadamente, rosna para mim sempre que pode – até quando o levo para passear! – e já roeu todos os cantos inferiores das portas da casa.
Na vida real, eu mesmo gostaria de ser como um Golden Retriever, raça originária da Grã-Bretanha, desenvolvido para a caça de aves aquáticas. Todos os dias, por volta das 7 horas, espero a lotação em uma parada de ônibus e uma mulher passa caminhando lentamente, segurando uma coleira com um desses cachorros. Ônibus passam a poucos centímetros, buzinas tocam em alto som, mas nada tira o Golden do sério. Ele segue impávido, indiferente à zoeira em volta. De tão calmos, eles servem de montaria para as crianças. São dóceis e pacientes. São qualidades que desconheço.
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Sou um quase sessentão ansioso e agitado, que dorme pouco, mas raramente tem insônia ou dificuldades para conciliar o sono. Nesse quesito, eu me assemelho muito mais ao Fiuk – o maltês que inferniza nossa casa, espalhando estresse, bagunça e barulho. Talvez a convivência tenha influenciado um ou outro… vai saber!
Sou apegado a animais desde a infância, na colônia, mas acho que há um exagero, uma “humanização” equivocada no convívio com os animais de estimação.
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