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Gol contra

Com a clareza da reivindicação justa, a população apoiou a paralisação dos caminhoneiros. Compreendeu que o protesto escancarava o aumento insuportável no custo da atividade – como, aliás, está insuportável o custo de vida de cada cidadão. Mas como todo movimento, há um limite a partir do qual a eventual vantagem ou o benefício obtidos por uns, por uma categoria, podem se transformar em fardo, em enorme ônus, para toda a sociedade.

Se no início o povo identificou legitimidade no pleito de uma categoria (até porque o frete repercute no bolso de todos), a certa altura começou a desconfiar de outros interesses no meio dos brados. O que era reivindicação de caminhoneiros (ao menos foi o que se transmitiu à sociedade: ou teria sido de empresários de transporte?) de repente começou a se revestir de viés político. Já havia quem quisesse derrubar Temer, outro que queria acabar com a corrupção, e outro ainda que queria vantagens diversas. A bandeira ficou larga e confusa demais e de manifestação pontual associada a custos e condições de trabalho na ânsia de combater a corrupção o ato se corrompeu. Péssima forma, pior forma, de acabar.

Uma paralisação do transporte não é exatamente a melhor forma de (tentar) derrubar um governo. Como não seria o restaurante deixar de servir refeições, o padeiro deixar de fazer pão ou o agricultor deixar de plantar. Assim não se derruba um governo. Assim se derruba um país. No momento crucial pelo qual o Brasil passa (que não é culpa de um único governo e de um único setor, mas culpa coletiva de quem, enquanto maioria, elegeu os que aí estão e que agora não agradam), do que não precisamos é de mais estresse, de mais poeira nos olhos. O fardo da corrupção e da inconsequência nas coisas públicas já tem sido muita areia para nosso caminhãozinho – com perdão da imagem. Precisamos de união, sim, mas não de uma união localizada, de categoria. Uma união do Brasil, e pelo Brasil. Não contra o Brasil.

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Indústria, comércio e serviços apostavam fichas na chegada da Copa. Esses setores têm nos caminhoneiros importantes parceiros. Qual não foi a surpresa quando justamente nesse momento os caminhões pararam, e o que era para trazer ânimo tornou-se em desânimo, visível no semblante de todos. O dinheiro minguou, os custos aumentaram, e há contas e salários a pagar. Na ânsia de contentar um elo, um custo imenso, incalculável, foi transferido para todas as demais áreas. E o cidadão não tem nenhum dever de pagar conta que não é dele. Na ânsia de atingir Brasília, o movimento dos caminhoneiros atingiu o Brasil.

Aliás, a Copa do Mundo está aí e o Brasil estreia em breve. Nessa ressaca que toma conta da população após os imensos e inesperados contratempos da semana passada, como saltar dos oito aos oitenta e, em questão de horas, extravasar alegria e sugerir clima de festa? Seria quase um atestado de bipolaridade coletiva. A Copa nem começou e já houve um gol contra. Contra o Brasil.

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