Devo ao amigo Mateus Skolaude, professor de História, uma valiosa descoberta. Durante um café, ele comentou: “Quando Gilberto Freyre veio a Santa Cruz…” Gilberto Freyre? Santa Cruz? Eu entendera bem? Entendera. Freyre visitou a cidade. Mais: o fez na companhia do escritor paraibano José Lins do Rego, ambos guiados por ninguém menos do que o gaúcho Vianna Moog.
Corria o ano de 1939, e o mundo vivia a tensão da Segunda Guerra. Freyre, nascido com o século, a 15 de março de 1900, no Recife, já era o incensado autor de Casa-Grande & Senzala, lançado em 1933. De início na oposição ao governo, não esteve nas graças de Getúlio. Isso, no entanto, mudou, em parte por conta de seus livros, nos quais, em síntese, sugeria que os portugueses, no Brasil, haviam atuado em favor de uma forte miscigenação.
Foi já como intelectual acolhido pelo governo Vargas que Freyre veio ao Sul. Ao lado de Lins do Rego, visitou em especial (em plena época de Segunda Guerra) comunidades de colonização alemã em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, entre elas Santa Cruz. Moog, o autor de Um rio imita o Reno, de 1938, já conhecia a cidade: por aqui atuara como agente fiscal de imposto de consumo ao final da década de 20.
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Considerações de Freyre sobre Santa Cruz transparecem em seu livro O mundo que o português criou, publicado em 1940. Nos registros, fica evidente que, num tempo apavorado com o nazismo, Freyre já não via nos descendentes germânicos do Sul do Brasil uma ameaça à integridade nacional. Quanto a isso, se dizia tranquilo, pois via os brasileiros alemães perfeitamente integrados a hábitos e costumes locais, inclusive com a cuia de chimarrão na mão.
“E a primeira impressão que se tem de Blumenau, ainda mais do que de Joinville ou de Santa Cruz, é esta: uma cidade alemã. Mas quem se fixar no ritmo de andar das pessoas não hesitará em se sentir no Brasil”, escreve. E acrescenta: “Fora a gente trabalhada por agentes políticos ou culturais (…), quase todo o homem de Blumenau ou de Santa Cruz, de Joinville ou de São Leopoldo, se já não é um meio-convertido ao que há de essencial no brasileirismo, pela prática, senão de muitos, de alguns pequenos atos tradicionalmente brasileiros, é, mesmo contra sua vontade individual ou sua mística política, um indivíduo a caminho dessa conversão”.
Se Freyre e Lins do Rego vieram ao Sul por vontade própria ou talvez até como enviados do governo de Vargas, instruídos a sentir a “temperatura” nas comunidades alemãs, isso pouco vem ao caso, quase 80 anos depois. A verdade é que um dos maiores sociólogos brasileiros de todos os tempos veio ver e conhecer Santa Cruz. Mais um desses grandes nomes da cultura que passou por aqui.
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Aliás: amanhã completam-se 31 anos de sua morte (aos 87, em Recife). Voltar (ou começar) a ler Freyre seria uma bela forma de homenageá-lo. E de, com ele, com seu olhar sobre o nosso passado, olhar com muita ternura para a Santa Cruz do Sul de hoje.